O poder de consumo, principalmente dos mais pobres, está limitado a compras de bens essenciais
(Arte: TUTU)
Os novos números de atividades divulgados pelo IBGE, para maio, mostram um cenário que já vínhamos esperando para o ano. Como já analisado no último texto deste espaço, a indústria teve alta marginal de 0,3%, mas não foi o suficiente para estancar a queda em 12 meses – que, em junho, está em 1,9%, e era de 0,3% até o mês passado.
Na última semana, a divulgação de serviços apresentou leve alta de 0,9%, concentrada em serviços que ainda apresentam uma demanda reprimida, como turismo e eventos, mas desacelerando em relação ao início do ano. O mesmo pode-se falar do varejo, que praticamente fechou estável em maio (alta de 0,1%) e concentrado em setores básicos, como hipermercado e farmácias, com grande queda de móveis e eletrodomésticos.
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Esse padrão já revela uma tendência de mudança de estrutura de consumo para bens mais básicos, o que denota um empobrecimento da população, que não vê no mercado de trabalho perspectivas para, pelo menos, manter o poder de compra constante com a inflação nos níveis atuais.
Além disso, os juros altos afastam a população de produtos que necessitem de financiamentos de longo prazo. Além disso, a tendência de manutenção destas taxas por alguns meses faz com que as perspectivas de parcelas de crédito mais altas no médio prazo desestimulem a compra de bens mais caros.
Outros dados também revelam mais uma dificuldade do consumidor neste momento: o endividamento das famílias, que, embora tenha parado de crescer, ainda está em um nível muito alto.
Em junho, as dívidas atingiam 77,3% das famílias brasileiras, crescimento de 7,6 pontos percentuais, em relação ao mesmo período do ano passado, segundo a Confederação Nacional do Comércio (CNC).
E o pior é a qualidade dessa dívida, pois quase 90% (exatos 86,6%) dela estão no cartão de crédito, seguido de longe por carnês (18,3%) e financiamentos de carros (10,8%). Desde o último ano, cresceu a proporção da dívida por cartão de crédito em mais de 5 pontos percentuais.
O mesmo padrão pode ser visto na inadimplência, que teve retração de 0,2%, mas ainda apresenta um alto índice, de 28,5%, ou seja, quase 1 em cada 3 famílias tem atraso em dívidas.
Dentre os dados que revelam potencial de consumo, o único que subiu foi a confiança do consumidor, medida pela Fundação Getulio Vargas (FGV). O índice subiu 3,5 pontos em junho, mas depois de muitas quedas sucessivas nos últimos meses. O ICC chegou a 79 pontos, e varia de 0 a 200, tendo em 100 seu índice de neutralidade.
Isso significa que, apesar da melhora, o consumidor continua pessimista. As famílias de baixa renda puxam o indicador para baixo, mostrando que os novos incentivos ao consumo parecem não fazer efeito na intenção de compra destas famílias.
O mercado de trabalho, embora tenha mostrado melhoras nos índices de desemprego, com taxa abaixo de 10% (hoje, está em 9,8%, segundo a PNAD – IBGE) pela primeira vez desde 2016, ainda não reflete a melhora na renda real, muito castigada pela inflação alta.
Assim, o poder de consumo, principalmente dos mais pobres, está limitado a compras de bens essenciais, como mostrou a pesquisa sobre o varejo.
Outra fonte de preocupação são as taxas de juros. O Banco Central já elevou as taxas de 2% para 13,75%, mas o aumento ainda não foi refletido nas taxas ao consumidor.
O primeiro impacto deve ser sentido no setor imobiliário e de automóveis, mais sensíveis à taxa. Só depois o consumidor sentirá o efeito nos créditos diretos ou no cartão. Mais um motivo para a cautela no consumo.
As perspectivas, então, para o consumidor são de cautela e diminuição dos gastos com consumo. O cenário negativo é reforçado pelo desafio externo de aumento de juros nos EUA e pela guerra na Europa; além das maiores dificuldades para manter a renda real e lidar com o excedente de consumo, principalmente em bens duráveis e serviços.
É bem possível que o segundo semestre seja mais restrito que o primeiro, e isso demanda uma posição mais conservadora do consumidor. Esperamos, assim, um crescimento mais brando da economia brasileira no ano fechado de 2022.
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*André Sacconato é economista, consultor da FecomercioSP e integrante do CEEP.
Artigo originalmente publicado no Portal Contábeis em 22 de julho de 2022.
Fonte Oficial: FecomercioSP