“A estrutura de proteção brasileira não tem sequer seletividade. As tarifas são elevadas tanto para insumos e bens de capital, como para bens de consumo”, afirma Sandra Rios, que esteve no Fórum Empresarial de Modernização do Estado da FecomercioSP. (Arte: TUTU)
Se quiser se desenvolver, o Brasil terá que fazer, inevitavelmente, uma revisão da política comercial. A afirmação parte da percepção de que todos os países cujas economias que migraram de renda baixa para média e alta, no passado recente, o fizeram só depois de se abrirem comercialmente ao mundo, retirando excessos protecionistas — como elevadas tarifas de importação.
Nas palavras da economista Sandra Rios, diretora do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes), o País é, nesse sentido, um “ponto fora da curva”. “A estrutura de proteção brasileira não tem sequer seletividade. As tarifas são elevadas tanto para insumos e bens de capital, como para bens de consumo”, afirma ela, que participou de reunião do Fórum Empresarial de Modernização do Estado, do Conselho Superior de Economia, Sociologia e Política da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP).
Na ocasião, a economista ressaltou que o modelo brasileiro, com poucas modificações desde, pelo menos, 1950, deve ser repensado. “Nós nos baseamos na ideia de que precisávamos ter uma estrutura produtiva que preenchesse todos os elos de insumo e de produtos. Isso é incompatível com a ideia de se inserir ativamente nas cadeias produtivas globais”, analisou.
“Essa visão fez com que o País se mantivesse no patamar de proteção desde aquela época. Na verdade, do governo [do presidente Fernando] Collor [entre 1990 e 1992] em diante, não se fala mais sobre isso. Ao contrário, vimos até alguns retrocessos recentes, como um aumento da proteção não pela via de tarifas de importação, mas por medidas como regras de conteúdo local, concessão de benefícios fiscais e compras governamentais ligadas obrigatoriamente à indústria nacional.”
Sandra apontou ainda que o Brasil é um “ponto fora da curva” porque apenas nove países contam com tarifas de importação mais elevadas para bens industriais: Argélia, Argentina, Butão, Camarões, Comores, Gabão, Irã, Venezuela e Zimbábue. Esse grau de proteção encarece os produtos relevantes para o cidadão, em particular os jovens, prejudicando as suas inserções social e profissional.
É por isso que, na sua análise, a abertura comercial diz respeito a uma agenda mais ampla. “A abertura comercial não estimula apenas o aumento da produtividade do País como também aumenta a renda real dos mais pobres, na medida em que reduz os preços dos produtos”, observou Sandra, citando alguns exemplos de como as tarifas de importação de produtos como tênis, telefone celular, notebooks e tablets, bicicleta e óculos estão bem acima do padrão internacional.
No encontro, o presidente do conselho da FecomercioSP, o economista Antonio Lanzana, divulgou dados que comprovam que o Brasil é uma economia fechada. Com base em informações da Organização Mundial do Comércio (OMC), ao se calcular o coeficiente de abertura comercial (soma de exportações e importações sobre o PIB), verifica-se que o País registrava um patamar de 22% em 2019, enquanto a África do Sul (56%) e o México (73%) estavam muito mais à frente.
Esse protecionismo excessivo reflete negativamente na produtividade brasileira: enquanto no Agro, mais aberto ao mundo, a produtividade por hora trabalhada teve uma expansão de 5,7% ao ano (a.a.) entre 1995 e 2023, segundo a Fundação Getulio Vargas (FGV), a Indústria, mais fechada, exibiu queda de 0,8% a.a. “Isso faz com que os Serviços, tão fundamentais para a economia nacional, acabem acompanhando uma média desses dois níveis”, explicou o economista, citando que o setor obteve uma expansão de 0,2% a.a. na produtividade.
No diagnóstico de Sandra, além da produtividade e do aumento da renda real da população, há outros dois importantes benefícios proporcionados por um maior grau de abertura comercial. O primeiro é o aumento da competição no mercado doméstico, uma vez que existiria uma realocação dos recursos baseada em critérios de eficiência e, “então, a economia ficaria mais dinâmica, porque as empresas mais inovadoras e criativas, além de eficientes, teriam mais chances de crescer”. O segundo fator seria a melhora na oferta de insumos e de equipamentos de mais qualidade a todos os setores produtivos nacionais, o que reduziria custos de produção, introduziria tecnologias avançadas no ambiente de negócios brasileiro e aumentaria a eficiência das empresas, sobretudo da Indústria.
Desglobalização?
Desde, pelo menos, o ano passado, o mundo tem debatido como o protecionismo volta a dar a tônica das relações econômicas entre os países. Na metade de 2023, por exemplo, o Banco Mundial publicou um artigo apontando como o crescimento das tensões comerciais e geopolíticas e, por consequência, de políticas de proteção, “ameaçam o futuro da globalização”. O Fórum Econômico Mundial foi mais longe: em um relatório de janeiro passado, chamou o momento atual de “desglobalização”.
“Rupturas nas cadeias globais de valor, a guerra na Ucrânia, o crescimento de diferenças ideológicas e a transição verde fizeram com que os governos e as corporações reconsiderassem suas relações externas”, diz um trecho do texto.
Há alguns meses, em uma reunião do Grupo de Ottawa, em Paris, na França, o chanceler brasileiro Mauro Vieira admitiu que o País teme o “aumento do protecionismo em todo o mundo”. De acordo com Sandra, embora ainda seja cedo dizer que esse seja um fenômeno em curso, é fato que muitas coisas estão mudando, como a distribuição da produção global, diante da redução do papel chinês como fornecedor de produtos para o Norte, e a entrada de outros países asiáticos (e do México) nessa estrutura. “Eu diria mais que está ocorrendo uma revisão das cadeias de valor, e o Brasil pode se beneficiar se adotar as políticas adequadas”, explicou.
“Por outro lado, é fato que os Estados Unidos, por exemplo, estão voltando a algum grau de protecionismo, embora muito focado em questões geopolíticas, ou seja, relacionadas à segurança nacional. Não é um movimento de conteúdo local.” Lanzana, por sua vez, apresentou uma série de propostas para destravar a posição do Brasil no mercado global em meio a esse contexto. “Teria de ser tudo feito de forma gradual, sem grandes solavancos”, explicou. Dentre essas orientações, uma redução escalonada de alíquotas de importação de produtos e serviços do exterior; a retomada de negociações de acordos de livre-comércio — como o do Mercosul com a União Europeia —; a reforma do bloco sul-americano, com novas regras de negociação; e a aceleração dos investimentos em infraestrutura, o que passaria, inevitavelmente, pela privatização de portos.
Sandra finalizou analisando que, caso não reduza as tarifas de importação, principalmente a de bens de capital e intermediários — ou seja, uma revisão do modelo de escalada tarifária —, o Brasil não conseguirá aproveitar todas as reconfigurações das cadeias de valor e as transformações mundiais na indústria, como a transição verde e a digitalização. “Nesse sentido, a abertura comercial seria como uma apólice de seguros. Se tivéssemos acordos de livre-comércio com países de mercados relevantes, como os Estados Unidos ou os europeus, serviriam como uma garantia de acesso aos produtos brasileiros, além de reduzir os custos de produção.”
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Fonte Oficial: FecomercioSP