Expectativa é que os investimentos mundiais necessários para atender à demanda por capacidade de datacenters estimulada pela IA deva ficar entre US$ 3 trilhões e US$ 8 trilhões até 2030
Em um mundo cada vez mais digitalizado, a infraestrutura necessária para dar conta da enorme quantidade de processamento e armazenamento de dados tornou-se uma das principais vantagens competitivas na disputa por soberania digital e influência geopolítica. Na visão de especialistas reunidos pelo Conselho de Economia Digital e Inovação, da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), o Brasil tem, diante de si, uma grande janela de oportunidade não apenas para suprir a demanda interna, como também para se tornar um polo de exportação de serviços digitais e de datacenters.
As razões para isso passam, principalmente, pelo excedente de energia disponível e pela matriz energética majoritariamente limpa. Ainda assim, aumentar a segurança jurídica, acabar com a guerra fiscal, reduzir custos, incentivar a Indústria nacional e oferecer um ambiente econômico mais atrativo para investimentos permanecem dificultando que o Brasil consiga aproveitar as próprias vantagens.
Disputa global por datacenters
De acordo com o presidente do conselho, Andriei Gutierrez, o mundo está numa corrida por capacidade para instalar datacenters, e o País precisa aproveitar esse momento. “Não há para onde o Brasil correr senão investir em infraestrutura digital”, afirma. Ele destacou que as empresas nacionais vão, cada vez mais, se digitalizar, o que exigirá a ampliação dessas estruturas. “Isso é estratégico para o País, para as nossas empresas, e ainda tem esse plus, que é a possibilidade de exportar datacenters e serviços de processamento”, explicou.
Enquanto países como os Estados Unidos — que lideram o número desses centros no mundo — lidam com problemas para avançar por terem pouco excedente de energia e uma matriz composta por apenas 24% de fontes renováveis, o Brasil se destaca com sobra de energia e matriz limpa, o que se torna um ativo estratégico diante da busca por sustentabilidade. “Nós somos um dos poucos países do planeta em que a questão é o excesso de energia, e não a falta”, lembrou o assessor especial do Ministério da Fazenda, Igor Marchesini, ao ressaltar que o Brasil tem “quase 15 GW de excesso de energia no grid”, além de uma matriz 90% limpa “que não tem paralelo no mundo”.
Contudo, embora tenha as condições naturais e energéticas para sair na frente nessa corrida, Luciano Fialho, vice-presidente sênior de Expansão da Scala Data Centers lembrou que os investimentos só virão se houver viabilidade. Isso significa tornar o ambiente de negócios estável, eficaz e com regras claras em relação a proteção de dados, Inteligência Artificial (IA) e sistema tributário.
A expectativa é que os investimentos mundiais necessários para atender à demanda por capacidade de datacenters estimulada pela IA deva ficar entre US$ 3 trilhões e US$ 8 trilhões até 2030. No caso do Brasil, explicou Fialho, em até cinco anos, estima-se que o País precise triplicar ou quadriplicar esse mercado. Em outras palavras, se hoje consegue processar cerca de 800 MW, nesse período, deverá precisar de 2,5 a 3 GW, o que exigirá investimentos massivos. “O Brasil precisa fazer a lição de casa”, afirmou o vice-presidente, ao defender políticas públicas que garantam os meios para o País trilhar esse caminho.
O peso do ICMS nas operações com datacenter
No Executivo, a ideia é que haja um esforço dentro do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) para reunir secretarias estaduais e discutir a redução do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Hoje, o tributo tem peso relevante sobre os custos de operação de datacenters no Brasil. Além disso, se autorizado pelo Confaz, cada Estado pode decidir se concede ou retira incentivos de ICMS — muitas vezes de forma repentina.
Essa instabilidade dificulta o planejamento das empresas e compromete investimentos, já que não é possível prever se os incentivos vigentes permanecerão no futuro, o que inviabiliza aportes bilionários e de longo prazo, como são os casos envolvendo essas infraestruturas.
Marchesini enfatizou que, embora a Reforma Tributária permita a desoneração de investimentos, exportações e cadeias intermediárias, além de racionalizar a tributação, a instabilidade envolvendo o ICMS deve perdurar até a conclusão da transição para o novo regime. Por isso, a ideia é criar um acordo no Confaz que uniformize regras e ofereça mais segurança e previsibilidade às empresas.
Segundo o assessor, a disputa dos Estados não deverá se dar na guerra fiscal entre quem conseguirá mais isenção de impostos, mas por quem reúne as condições mais favoráveis para esses investimentos. “Essa briga será para ver quem tem a melhor infraestrutura, quem consegue o licenciamento mais rápido, quem tem o programa de mão de obra qualificada para que esse negócio consiga sair do papel com mais celeridade”, explicou.
Indústria nacional e soberania digital
O presidente do Sindicato de Empresas de Internet do Estado de São Paulo (Seinesp), José Janone Júnior, observou, porém, que, ainda o governo espere que a Reforma Tributária melhore as condições de aquisição de equipamentos e de compensações tributárias, a preocupação com a indústria nacional de programação e aplicações continua.
“Provedores de serviços e aplicações de internet não têm condições tributárias para competir com as empresas internacionais”, explica. “No Estado de São Paulo, nós temos a infraestrutura, mas não os incentivos necessários.” De acordo com o presidente do Seinesp, os negócios brasileiros têm capacidade, mas necessitam de apoio. “O problema é que fica inviável construir a roda sabendo que é mais fácil comprá-la lá fora”, explicou.
Na mesma linha, o vice-presidente sênior de Expansão da Scala Data Centers chamou a atenção para os custos nacionais: “Em tese, é mais barato processar e armazenar dados nos Estados Unidos, que está longe, do que no Brasil”, comentou. Fialho afirmou que os maiores provedores de infraestrutura de nuvem são a AWS, da Amazon, que detém cerca de 33% do mercado; a Azure, da Microsoft, com participação entre 24% e 26%; e a Google Cloud, entre 15% e 18%.
A fatia que essas empresas ocupam no mercado desnuda a dependência nacional dos serviços digitais estrangeiros e os riscos para a soberania digital. Para o especialista, trazer os dados dos brasileiros, e das empresas nacionais, para serem processados dentro do território é uma questão fundamental para evitar que, em casos de falhas ou incidentes, seja necessário recorrer às companhias estrangeiras — ou à Justiça — para resolver o impasse.
Redata: regime especial quer atrair investimentos
Publicada em setembro como Medida Provisória (MP) 1.318, o Redata é um programa do Executivo que cria um regime especial de tributação para serviços de datacenter no Brasil. A expectativa do governo é justamente melhorar as condições para investimentos, ampliar a capacidade digital e reduzir a dependência de serviços de outros países.
O programa prevê a isenção de PIS/Pasep, Cofins e IPI na aquisição de equipamentos de TIC, importados ou produzidos no Brasil, destinados a implantação, ampliação e manutenção de datacenters. Em contrapartida, as empresas deverão destinar 2% do valor dos produtos adquiridos, nacionais ou importados, em investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação.
Ademais, os negócios beneficiados pelo Redata terão de disponibilizar, no mínimo, 10% da capacidade de processamento, armazenagem e tratamento de dados para o mercado nacional. O projeto também estabelece critérios de sustentabilidade, como uso de energia limpa e padrões de eficiência hídrica.
Gutierrez frisou que, considerando as estimativas mais conservadoras, com o programa, o Brasil poderia atrair 8 GW adicionais de capacidade de processamento e armazenamento de dados. Pela regra de destinar 10% ao mercado nacional, isso adicionaria 800 MW ao potencial brasileiro. “Em dez anos, dobraríamos nossa capacidade de processamento só para o mercado interno”, explicou, sobre os efeitos do regime.
Levando-se em conta valores médios de investimento por megawatt e a exigência de injetar 2% do montante em Pesquisa e Inovação (P&D), ele salientou ainda que esse movimento poderia gerar um impacto de R$ 3,4 bilhões nessas atividades em uma década. Já considerando um cenário ainda mais otimista, com o Brasil conseguindo atrair 13 GW, esse valor poderia chegar a R$ 5,4 bilhões.
Além dos reflexos para o mercado interno, frente à materialização do projeto, o Brasil pode atrair empresas interessadas em explorar essa capacidade computacional, além de cientistas, startups e centros de desenvolvimento, explicou Marchesini. O regime, apesar de valer para todo o território nacional, para empreendimentos instalados nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, prevê uma redução de 20% nas obrigações exigidas.
Tramitação e próximos passos
Para que seja convertido em lei e seus efeitos tributários comecem a valer já no ano que vem, o Redata precisa ser aprovado ainda neste ano no Congresso, em razão do princípio da anterioridade tributária. No Projeto de Lei Orçamentário Anual (PLOA) 2026, o governo reservou R$ 5,2 bilhões para o programa. Outra etapa necessária é a regulamentação do regime.
De acordo com Marchesini, hoje, existe uma articulação entre o Ministério da Fazenda e o relator do projeto do marco legal da IA, deputado federal Aguinaldo Ribeiro (PP/PB), para integrar os dois temas — já que o relator tem interesse em incluir a MP no parecer sobre IA. A expectativa do governo e do relator é que a votação ocorra antes do recesso de fim de ano.
Para acessar os incentivos do programa, as empresas deverão se registrar no site da Receita Federal. Segundo o representante do Ministério da Fazenda, a perspectiva é que o sistema para cadastramento esteja disponível a partir da segunda quinzena de dezembro. O programa será aberto a qualquer negócio — grande, pequeno, nacional ou internacional —, desde que cumpra todas as regras estabelecidas.