Com um investimento robusto de R$4,9 milhões da Petrobras, por meio do Programa Petrobras Socioambiental e execução a cargo do Instituto de Estudos Culturais e Ambientais (IECAM), o Projeto Ar, Água e Terra representa uma iniciativa transformadora no Rio Grande do Sul. Este empreendimento de grande alcance, criado no Rio de Janeiro em 1991 e sediado em Porto Alegre desde 2011, impacta diretamente cerca de 300 pessoas e estende-se por uma vasta área de mais de 3 mil hectares.
Sua atuação abrange dois biomas para a biodiversidade brasileira: a Mata Atlântica e os Campos Sulinos, popularmente conhecidos como Pampa. Procurada pela reportagem, em nota, a Petrobras disse: “A empresa atua em alinhamento com compromissos nacionais e internacionais relacionados ao desenvolvimento sustentável. Isso significa que a empresa não apenas cumpre normas ambientais, mas também lidera iniciativas que fortalecem a conservação da biodiversidade, a recuperação de áreas naturais e o uso sustentável dos recursos, especialmente nos territórios onde está presente”.
Através de uma programação que implementa uma metodologia participativa, envolvendo uma série de atividades diversificadas como trilhas, oficinas e mutirões de plantio, o plano acontece centrado na troca de saberes e na evolução colaborativa. São essas ações comunitárias que complementam o objetivo do projeto, unindo regeneração ambiental, fortalecimento cultural e segurança alimentar. Nas oficinas e encontros, as mulheres Guarani têm papel central.
Elas lideram mutirões, conduzem rodas de conversa, compartilham saberes sobre sementes e ervas medicinais e fortalecem o senso de continuidade. “A gente tem trabalhado em formar encontros só entre as mulheres, momentos de troca entre elas. E estamos organizando para 2026 um grande encontro feminino, uma roda maior dedicada às lideranças e guardiãs da cultura Guarani”, revela Denise Wolf, coordenadora do Projeto Ar, Água e Terra e presidente do IECAM.
As ações prezam por proporcionar caminhos para segurança alimentar no território das aldeias. É viabilizado por meio da recuperação de práticas tradicionais de cultivo e da reconexão com a floresta, assim os roçados tradicionais e os sistemas agroflorestais, chamados também de “kokue”, garantem o sustento das comunidades.
“Os kokue são geralmente familiares. A gente distribui as sementes e eles cultivam conforme o ciclo agrícola. São fundamentais, não só para alimentação, mas para manter a sociobiodiversidade, pois cada semente carrega uma linhagem ancestral”, explica Denise. A mandioca, o milho, a batata-doce e o feijão voltam a brotar lado a lado com espécies nativas como a araucária, o guabiroba e o jerivá.
Um dos pilares fundamentais dessa iniciativa é o protagonismo dos Guaranis, que não apenas participam, mas atuam como co-executores da programação. Os participantes têm a oportunidade única de aprender e aplicar seus conhecimentos na prática, fomentando uma compreensão mais profunda sobre a importância da conservação e do uso sustentável dos recursos naturais, além de compreender a profunda conexão dos indígenas com a natureza. “O protagonismo indígena é importante para a gente construir qualquer método e qualquer projeto com eles. A metodologia é construída com base no protagonismo indígena, pois é todo esse ouvir e dialogar que nos permite montar um método norteado por eles mesmos”, cita Wolf.
Além das atividades de campo e de temas como educação ambiental, o projeto também emprega ferramentas tecnológicas avançadas, são realizados mapeamentos detalhados, chamados de etnomapeamentos, que incorporam a perspectiva indígena sobre o território e coletam dados essenciais para o geoprocessamento, de modo que a gestão territorial seja eficaz. Foram instalados também, ainda nesse meio tecnológico, sistemas fotovoltaicos off-grid, inclusive um equipamento inovador da marca Ecoflow, que reúne painel solar, inversor, conversor e bateria em um único dispositivo.
“Instalamos esse sistema na aldeia mais distante, em Barra do Ouro, Maquiné, para garantir que, mesmo em momentos sem energia, eles não fiquem sem comunicação”, relata Denise. Os mapas, construídos coletivamente, não são apenas técnicos, são também mapas de memória. Cada coordenada geográfica carrega histórias, cantos e lembranças dos mais velhos, compondo um retrato vivo do território Guarani.
Denise reforça que isso só é possível devido à união de esforços: “Sem o patrocínio financeiro da Petrobras, seria impossível trabalhar com 10 aldeias Guarani, com um eixo tão amplo de atividades. Essa parceria com o Programa Petrobras Socioambiental é o que permite ir do mapeamento até a restauração das roças”, complementa. A atuação do Ar, Água e Terra é mais que preservação ambiental, envolve diálogo entre culturas.
Entre as ações de maior destaque está a implementação de medidas de redução e compensação de gases de efeito estufa. Por meio de técnicas sustentáveis de manejo e reflorestamento, o Projeto Ar, Água e Terra conquistou o selo Carbono Zero®, tornando-se uma das iniciativas socioambientais mais expressivas do estado nesse campo.
Em apenas dois anos de atividades, foram captadas mais de 37 mil toneladas de CO₂, resultado direto do trabalho conjunto entre comunidades, especialistas e agentes locais, além de cultivadas mais de 30 mil mudas, com 50 mil árvores plantadas em áreas estratégicas dos biomas atendidos. Essas ações não apenas contribuíram para o equilíbrio climático, mas também restauraram áreas degradadas, o que resultou na redução de processos erosivos e melhora na qualidade da paisagem e da biodiversidade local.
Em um estado que ainda sente os efeitos das mudanças climáticas e das enchentes que aconteceram em 2024, as aldeias se tornaram símbolo de resiliência. Denise lembra que “algumas áreas em restauração ficaram alagadas, e algumas aldeias chegaram a ficar totalmente debaixo d’água. Mas o lado positivo foi que várias entidades, entre elas o IECAM, conseguiram se unir e levar doações. Ficamos o mês de maio inteiro com a caminhonete do projeto levando colchões, cobertores e alimentos para as famílias”. Esse movimento coletivo reforçou a importância de redes de apoio junto às comunidades.
No total, são dez aldeias participantes, as quais estão espalhadas por municípios como Caraá, Maquiné, Osório, Porto Alegre, Viamão, Santa Maria, Torres, Riozinho, Palmares do Sul e Rio Grande. Vivem realidades distintas, mas compartilham desafios semelhantes: a preservação da mata, o acesso à água limpa e o fortalecimento da cultura. Cada uma delas tem um nome Guarani que reflete sua relação com o território: Teko’a Yvyty Porã (Serra Bonita), Teko’a Ka’aguy Pau (Vale das Matas), Teko’a Kuaray Rese (Sol Nascente), Teko’a Yriapu (Som do Mar), entre outras. Nelas, a terra não é apenas chão, é identidade.
Com cada uma dessas aldeias, projeto semeia e pratica o teko porã, expressão Guarani que significa “o belo caminho” ou “o bem viver”. O teko porã representa a essência do equilíbrio, com os outros e consigo mesmo. No contexto, é o princípio que orienta o gesto de viver, unindo o que é material ao que é sagrado.