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ARTIGO, por Marcelo Candido de Melo: “E nós viemos aqui para beber ou pra conversar?”

Se você se aproxima ou passou de meio século há de se lembrar de uma campanha que ficou famosa da Cervejaria Antarctica, aviso aos jovens, sim, a Antarctica era uma empresa independente e líder de mercado, a Brahma tinha muitos problemas de gestão e foi vista como uma oportunidade por um trio de banqueiros, o resto é história. Para a coluna, interessa mais o tal slogan e como era aproveitado.

Inclusive em algumas das peças, o protagonista era ninguém menos do que Adoniran Barbosa, se eu fosse você, interrompia a leitura agora, punha para tocar Trem das onze, Saudosa maloca e Tiro ao Álvaro e voltava depois, mas volte. Adoro Adoniran, mas acho que o bom mesmo num bar é conversar, melhor do que cerveja gelada.

Meu objetivo é discutir se local de trabalho é só para trabalhar ou também para se conversar. Um líder pode se chamar assim se não observar o lado pessoal dos membros da equipe e agir minimamente, mostrar empatia?

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É claro que recomendo um processo de análise para que as pessoas possam resolver suas dores, se conhecer melhor, e ir assumindo seus desejos e encarando as possibilidades que a vida apresenta e demanda respostas. A psicanálise não faz falsas promessas, nem que em pouco tempo tudo se resolve, muito menos que é um processo indolor. Mas isso não quer dizer que olhando para o seu negócio você precise fingir que a pessoa está bem. Um ser humano com cara de choro nunca está bem!

Pego um exemplo que acompanho, uma jovem chegou toda preocupada que tinha chorado no trabalho e todo mundo percebido. As coisas tinham ficado bem mais puxadas porque a chefe saíra de férias e a carga aumentou brutalmente porque nem tudo foi planejado, como quase nunca é na vida real. Ela se desdobrava, as pessoas da área ou eram muito novas e não conheciam a dinâmica, ou estavam distantes da operação, o fato é que parecia que contavam que ela desse conta do recado, nem uma palavra de apoio.

Lembro que quando publiquei a versão brasileira do best-seller Ah, se eu soubesse…, a resposta da Ana Carmem Longobardi, uma importante publicitária para a pergunta básica do livro, O que você gostaria de ter sabido 25 anos atrás?, foi, se você for mulher, chore no banheiro, não deixe que seu chefe perceba, diminuirá a confiança em você e o seu espaço.

Era o início dos anos 2000, muita coisa mudou desde então, inclusive o conceito de força e fraqueza. Felizmente há menos espaço para figuras que não entendam os sentimentos humanos. Verdade que ainda pipocam por aí empresas que tentam ignorar tudo isso, se não a jovem que me procurou não estaria em tamanho sofrimento.

Se num consultório de psicanálise há sempre um lencinho perto de quem fala, num escritório não precisamos chegar a tanto, mas isso não quer dizer que a Ana Carmen hoje não pense diferente, que o lado humano não precisa ser incorporado e incluído como preocupação central. O que a jovem queria? Alguém da velha guarda responderia que colo, que não passava de mimimi. Se você pensa assim ou perto disso, melhor revisitar os valores. Ela queria apoio, queria ter a certeza que todo aquele esforço estava sendo visto, uma oferta de suporte. Todo líder tende a responder que o principal ativo das empresas são as pessoas. Isso é bonito e pega bem. É muito mais difícil praticar, estar atento aos outros e, quando perceber que algo parece não estar bem, se aproximar e conversar, mesmo que não consiga ser efetivo.

Um conceito fundamental em psicanálise é o da transferência. Em Recordar, repetir e elaborar de 1914, Freud disse “o paciente não recorda o que esqueceu, mas o reproduz, não como lembrança, mas como ação”. Disse isso para reforçar o que havia dito que os pacientes reproduziam na relação com ele sentimentos, desejos e conflitos com figuras importantes do passado. Lacan trouxe para a cena que o sujeito supõe saber no Outro, ou seja, o paciente atribui ao analista o lugar daquele que sabe, o tal sujeito suposto saber.

Você como líder pode até me mandar membros da sua equipe para o meu consultório, vou agradecer, mas a tal transferência também te atinge. Seu desafio é parecido com o meu, não inflar o ego e reforçar imagem de sabe tudo, mas estar ali para suportar e mostrar com perguntas, como me cabem, e também como respostas, aí já não me cabem, o que a pessoa pode fazer naquele momento.

Um grande problema é que existe uma onda não formalizada que se apodera dos líderes e os faz se sentir muito superiores e vão se distanciando da equipe, aí não há rotatividade que dê conta. Não banque o super-homem ou a mulher-maravilha, mas muito menos, se isole na sua sala e fique distante da equipe, cobrando ou exigindo o possível e tantas vezes o impossível ao custo de relacionamentos e saúde. E sim, se você não é o dono, e ele ou ela não te tratam dessa forma, nada de reproduzir hierarquia abaixo. É preciso rever a postura, com o chefe e com os subordinados.

Se você é quem manda no negócio, não adianta muito um happy hour por conta da firma por mês. Afinal as pessoas não vão lá para beber, nem para conversar, vão para se desenvolver. Ser líder é estar atento ao mercado e ao cliente, aos concorrentes, mas principalmente à equipe, isso sempre transparece e respinga. Mesmo que não saiba o que dizer, mostre sua cara, tente entender as questões. Talvez a pessoa sinta-se melhor para seguir na busca da solução. Sua porta está aberta ou fechada? Se não tem porta, a omissão fica mais feia ainda!

MARCELO CANDIDO DE MELO
Escritor e psicanalista, é graduado e pós-graduado em administração pela EAESP-SP da FGV. Atuou na área de marketing de grandes empresas nacionais e multinacionais antes de empreender no mercado editorial. Sua editora alcançou bastante sucesso e foi adquirida por uma multinacional. Já escreveu 18 livros em seu nome ou como ghost-writer. Dá atenção especial à produção ficcional. Também já fez roteiro de documentário. Nos últimos anos mergulhou numa formação em psicanálise e desenvolve atividade clínica. 

Fonte Oficial: https://agenciadcnews.com.br/artigo-por-marcelo-candido-de-melo-e-nos-viemos-aqui-para-beber-ou-pra-conversar/

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