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Retrocesso europeu


“Por muito tempo, dividimos a liderança do debate climático com outros países, como o Brasil, mas estamos minando esse lugar com todos os nossos dilemas [internos]”, a deputada pondera.

Às vésperas da 30ª Conferência sobre Mudanças Climáticas (COP30) da Organização das Nações Unidas (ONU), que ocorrerá em Belém, no Pará, a União Europeia (UE) — ator global de peso na agenda ambiental ao longo desse período — está mergulhada nos próprios “dilemas existenciais”. A avaliação é de Anna Cavazzini, deputada alemã no parlamento da UE, em Bruxelas, na Bélgica, filiada ao Bündnis 90/Die Grünen, partido conhecido como Os Verdes. 

É que, por um lado, o bloco não conseguiu pactuar a tempo o escopo de uma nova Meta Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês) para apresentar antes da conferência, que começa no dia 10 de novembro. Segundo o que foi definido na COP21, em Paris, na França, todos os países signatários do Acordo de Paris, adotado em 2015, precisam atualizar as metas a cada cinco anos. A atual NDC europeia — que prevê a redução das emissões dos Gases do Efeito Estufa (GEE) em 55% até 2030, em comparação com o ano de 1990 — foi enviada à ONU em 2020. 

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Em setembro, a UE divulgou um comunicado afirmando que pretende atualizar a NDC durante a COP30, ou depois dela. Além disso, algumas medidas ousadas aprovadas pelo bloco, como proibir a venda de automóveis novos movidos a combustão a partir de 2035 ou tornar mais rigorosas as regras para a compra de produtos agrícolas de regiões com altos índices de desmatamento (como o Brasil), estão cada vez mais sujeitas às pressões de países e começam a ser oficialmente revistas. “Acredito que precisamos, na verdade, de uma nova legislação climática que defina metas de redução de danos ambientais até 2040”, defende Anna. 

Por outro lado, porém, é na União Europeia que ainda estão em vigor algumas das agendas climáticas mais robustas do mundo, como a France 2030, que prevê reindustrializar o país por meio das transições ecológica e digital, ou a Klimaschutzplan 2050, que pretende tornar a Alemanha neutra em carbono até 2050. “A visão comum da extrema direita é que essas políticas vão destruir a Indústria. E isso é o contrário do que nós, verdes, dizemos — a indústria verde vai, na verdade, aperfeiçoar nossa economia”, reforça a deputada. 

Uma das principais pontes entre o debate climático europeu e as dinâmicas da agenda brasileira, sobretudo com o Observatório do Clima — a parlamentar é vice-presidente da delegação para relações com o Brasil no Parlamento Europeu —, Anna avalia que o acordo de livre-comércio entre o Mercosul e a UE não deve ser aprovado, justamente, por problemas de caráter ambiental.  

Confira a entrevista a seguir os principais trechos da entrevista. 

Anna Cavazzini, deputada no Parlamento Europeu

Estamos perto da COP30, mas a Europa ainda não atualizou a NDC sobre as emissões de GEE. O que aconteceu durante esse processo? 

Está acontecendo, infelizmente, um enorme retrocesso nas políticas climáticas da Europa. Há mais governos de extrema direita nos países do bloco e, então, mais partidos de extrema direita no Parlamento [europeu]. Isso fez com que os partidos conservadores tradicionais fossem devorados. É a consequência do mau momento econômico que estamos atravessando, principalmente com a crise na Alemanha, mas também com a guerra na Ucrânia e o lugar da China nessa agenda. Com tudo isso, muita gente tentou apontar as políticas climáticas como um problema. 

Quais são os principais pontos de discordância sobre as NDCs? 

A visão comum da extrema direita é que essas políticas vão destruir a Indústria — o que é o contrário do que nós, verdes, dizemos: a indústria verde vai, na verdade, aperfeiçoar nossa economia. É ela que pode nos levar à liderança mundial na produção de tecnologias voltadas para a neutralidade de carbono. Então, a base dessa discordância é que, de um lado, estamos nós, que defendemos essas políticas, e de outro, os atores que discordam delas. É por isso que ainda não chegamos a um consenso. Em paralelo, há grupos grandes de lobbycomo os que atuam para a indústria de combustíveis fósseis, por exemplo, e que têm muito poder dentro do Parlamento Europeu. 

Sondagens dizem que o plano é apresentar metas em torno de 72% até 2035. É um número ousado ou abaixo do que você considera possível? 

Eu acredito que precisamos, na verdade, de uma nova legislação climática que defina metas de redução de danos ambientais até 2040. O problema é que temos países-membros que querem matar justamente essa lei, e estão trabalhando por isso neste momento. Para mim, essa é a principal “pedra no sapato” do escopo de políticas climáticas europeias atualmente. O ideal seria levar esse desenho de lei para Belém, na COP30. Infelizmente, não foi possível. 

A UE acabou de adiar, novamente, a entrada em vigor da lei que previa controle mais rígido sobre compras de produtos oriundos de regiões com desmatamento. A medida foi criticada e elogiada na mesma medida. Qual é o seu posicionamento? 

Essa é uma das leis mais importantes da União Europeia — e o Brasil criticou-a muito, inclusive. Não só os governos, mas muitos lobistas também. Essa legislação não vai tirar espaço do Brasil e de outros países no mercado europeu. Nosso ponto é que não é mais possível contribuir com mercados que derrubam florestas. É a base de como a UE entende o funcionamento das trocas econômicas internacionais. Mas estamos enfrentando lobistas muito poderosos — grandes conglomerados, donos de terras —, quando não de governos mesmo, como o do novo gabinete alemão [liderado por Josef Merz, líder da União Democrata Cristã (CDU) e chanceler da Alemanha desde maio deste ano], que agora está mais à direita. 

Por que a UE decidiu adiar a lei? 

Além da pressão dos conservadores, houve também um problema no software que organizaria as emissões dos certificados [dos produtos oriundos de áreas livres de desmatamento]. A partir disso, não teria como essa legislação começar a funcionar sem a ferramenta. Mas, não há dúvida, foi um desastre. Uma vergonha para a Comissão Europeia ter de adiar uma lei por causa de um problema de informática. 

Como você viu, especificamente, o posicionamento brasileiro sobre isso? 

É uma posição estranha, porque o que nós queremos é ajudar o Brasil a reduzir as suas taxas de desmatamento. Se o nosso consumo prejudica os povos indígenas do Brasil, se afeta a biodiversidade do País, essa lei vem para corrigir isso. Então, eu realmente não entendo o posicionamento do governo brasileiro. 

Também há outro debate bem intenso no bloco europeu. Países como Alemanha e Itália estão pressionando Bruxelas a rever o projeto de proibição de venda de carros movidos a combustão até 2035 — e, algumas semanas atrás, a comissão admitiu que vai revisar esse plano. Como você vê essa tensão? 

Esse é um ótimo exemplo de tudo o que estamos conversando — toda a reação a esse projeto é, na realidade, parte de uma postura mais ampla sobre as políticas climáticas do bloco. Não entendem que nós queremos o oposto do que dizem. Queremos salvar a indústria automotiva europeia, que está em declínio. Vejamos a indústria alemã. Ela está atualmente em crise porque começou a produzir carros elétricos tardiamente, perdendo espaço no mercado internacional. É difícil convencer as pessoas de que essa nova regra não será importante somente para o clima, mas também para que a indústria automotiva europeia encontre um caminho em meio às incertezas atuais. 

Você enxerga a Europa em disputa com outros países pela posição de liderança no debate climático? 

Por muito tempo, dividimos essa liderança com outros países, como o Brasil, mas estamos minando esse lugar com todos esses dilemas. Minha principal preocupação, na verdade, é que também estamos prejudicando a nossa liderança industrial, uma vez que, com tudo isso, ficaremos cada vez mais atrás na corrida global pelas tecnologias limpas. Mas, veja só, tanto a UE quanto o Brasil ou a Índia, por exemplo, estão sofrendo, juntos, com as políticas do [presidente dos Estados Unidos, Donald] Trump e com o regime autoritário chinês. Como blocos democráticos que são, têm o desafio de fazer avançar, juntos, a agenda climática. 

Na sua opinião, o quanto essas tensões afetarão a assinatura do acordo comercial entre a UE e o Mercosul? 

Há muitos problemas no acordo. O primeiro está no que se refere ao setor agrícola europeu, que será menos favorecido. O segundo é propriamente ambiental. É provável que nós, verdes, não votemos a favor da assinatura do tratado, porque tememos que, se for aprovado, pressione as florestas. E não é só a gente, viu?! Tenho visto colegas social-democratas e até liberais apontando como esse acordo só passará no Parlamento Europeu se apresentar medidas claras contra o desmatamento. 

Você tem trabalhado sobre o texto do acordo? 

Sim, estou analisando a versão final do texto, e, em paralelo, há muitos grupos de trabalho fazendo reuniões, especialmente na Comissão de Comércio Internacional [CIT, na sigla em inglês]. A votação deve acontecer no começo do ano que vem. 

E o que você acha que vai acontecer? 

Eu vejo oposições, por razões diferentes, em todos os grupos políticos. E há ainda as questões específicas dos países-membros — da França, da Polônia, da Irlanda ou da Áustria, por exemplo. Não estou segura de que o acordo será aprovado. Mas a mensagem realmente importante, para mim, é que todas as críticas ao tratado no Parlamento não significam que o bloco europeu não queira sustentar relações com o Brasil ou com outros países, mas, sim, que o escopo econômico do acordo precisa ser modificado. 

Ainda há tempo para evitar a catástrofe ambiental? 

Na Alemanha, dizemos que estamos “perto da meia-noite”. De fato, está um pouco tarde, mas temos de fazer as coisas conjuntamente. Se conseguirmos isso, de alguma forma, então teremos uma chance. Mas não temos muito tempo.

 Matéria originalmente publicada no site da Revista Problemas Brasileiros, uma realização da FecomercioSP. Acesse aqui!

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Fonte Oficial: https://www.fecomercio.com.br/noticia/retrocesso-europeu

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