Ana Esteves, especial para o JC*
A tempestade é de granizo e os telhados são de vidro. A falta de proteção das lavouras e criações gaúchas, exatamente num momento em que os produtores mais precisam, gera um sentimento de desamparo, desânimo e preocupação entre quem depende daquilo que planta ou cria para sobreviver. A queda no número de contratos ultrapassou os 30% na safra 2024/2025, conforme dados do Banco Central. Entre os motivos estão o alto endividamento dos produtores rurais, devido às sucessivas estiagens, e a redução do valor dos recursos do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR).
Se escolhêssemos uma expressão para caracterizar a atual situação do seguro rural no Rio Grande do Sul ela seria, sem sombra de dúvida, contradição: no exato momento em que os produtores rurais gaúchos mais precisam de proteção para lavoura e pecuária, mais dificuldades encontram para acessá-la. Em tempos de crise climática, com a ocorrência de seguidas estiagens e de enchentes recorrentes, o que se verifica é um cenário de retração severa na contratação de seguro rural por conta de fatores como crescente endividamento dos produtores, aumento do prêmio de seguro, decorrente da elevação do risco percebido pelas seguradoras e corte na verba de subvenção por parte da União.
“Essa redução acontece por vários motivos: pela não destinação por parte do governo federal de recursos suficientes ao Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR) e pelo grande volume de sinistros climáticos que levou algumas seguradoras a deixarem o mercado gaúcho, e muitos agricultores passaram a fazer financiamentos diretamente em cooperativas e cerealistas, sem contratar seguro”, afirma o secretário executivo da Federação dos Agricultores do Rio Grande do Sul (Fetag/RS) e especialista em crédito rural, seguro e Proagro, Kaliton Prestes.
Dados da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg) apontam que, em termos de seguro rural, que abrange as modalidades agrícola, pecuária, aquícola e florestal, entre outros, de janeiro a agosto de 2025, houve recuo de 34,4% nas indenizações pagas no Rio Grande do Sul, chegando a R$ 381,2 milhões, frente ao mesmo período, em 2024. Além disso, foi registrada queda de 6,1% no faturamento das seguradoras, que contabilizaram R$ 1,4 bilhão, dado que colocou o Estado em terceiro lugar no ranking nacional, com 15,7% de participação.
No Brasil, o faturamento foi de R$ 8,7 bilhões (-6,7%) com o pagamento de R$ 3,1 bilhões em indenizações (-7,5%). Um levantamento de 2024, também da CNseg, aponta que a arrecadação chegou a R$ 2,3 bilhões no Rio Grande do Sul, com retração de 4,5% em relação ao período anterior, resultado que manteve o Estado em primeiro lugar no ranking nacional de arrecadação do produto, com 16% participação. Enquanto isso, as indenizações caíram 50,7%, com 694,9 milhões, colocando o Rio Grande do Sul na terceira posição, com 17% de participação nacional. No Brasil, em 2024, o seguro rural arrecadou R$ 14,2 bilhões, crescimento de 1,5% sobre o ano anterior. As indenizações pagas somaram R$ 4,2 bilhões, retração de 10%.
O presidente da Comissão de Seguro Rural da Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg), Glaucio Toyama, afirma que o contexto é bastante desafiador em 2025. “Toda essa situação de recuperação judicial no mercado de agro trouxe para o cenário de crédito um impacto grande em liberação de novos recursos. Não foi só no Rio Grande do Sul, pois outros estados também tiveram um impacto bastante forte por conta dessa situação toda de inadimplência“.
Já os dados da CNseg quanto ao seguro agrícola, ou seja, a modalidade que se refere à proteção exclusivamente de lavouras, apontam que, entre janeiro e agosto de 2025, no Rio Grande do Sul, o faturamento teve queda de 14,8% com R$ 536,4 milhões, colocando o Estado em segundo lugar no ranking nacional, com 19,6% de participação. O valor das indenizações também teve queda de 16,9%, pagando R$ 196,4 milhões, posicionando o estado na terceira colocação nacional, com 13,7% de market share.
O seguro agrícola arrecadou nacionalmente R$ 2,7 bilhões (-20,9%). Em indenizações, foram pagos R$ 1,4 bilhão (-19,4%). Os dados de 2024 apontam que, no Rio Grande do Sul, a arrecadação chegou a R$ 858,7 milhões, retração de 21% em relação ao período anterior. Com o resultado, o Estado ficou em segundo lugar no ranking nacional de arrecadação, com 18,5% de participação. Enquanto isso, as indenizações ficaram em 275,9 milhões (-76,8%), colocando o Rio Grande do Sul na quarta posição, com 15,1% de participação nacional. No Brasil, em 2024, o seguro agrícola arrecadou R$ 4,6 bilhões (-17%). As indenizações pagas somaram
R$ 4,2 bi, retração de 10%.
Setor precisa de combinação de ações públicas e privadas
Para reverter o quadro, é necessária uma combinação de ações públicas e privadas. A diretora de Sustentabilidade da Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNseg), Claudia Prates, diz que, entre as medidas prioritárias, estão: fortalecer e garantir a previsibilidade do Programa de Subvenção ao Prêmio (PSR), incentivar investimentos em prevenção e mitigação de riscos, por meio de infraestrutura de drenagem, manejo de solo e práticas agrícolas mais resilientes e avançar na criação de um fundo de estabilização do seguro rural, proposta já defendida pela CNseg, para diluir riscos catastróficos e ampliar a estabilidade do mercado.
“Além disso, é fundamental aprimorar a inteligência climática e atuarial do setor, com integração de bases de dados e desenvolvimento de ferramentas voltadas a identificar vulnerabilidades regionais e subsidiar políticas públicas e estratégias de precificação mais precisas”, aponta a diretora. Para Claudia, o fortalecimento do seguro rural no Rio Grande do Sul deve ser compreendido não apenas como uma política de proteção ao produtor, mas como parte integrante da estratégia nacional de adaptação climática, contribuindo para reduzir a vulnerabilidade econômica e social diante da intensificação dos eventos extremos e consolidando o papel do setor de seguros como instrumento de resiliência e desenvolvimento sustentável.
As enchentes de 2024 tiveram impacto muito significativo, gerando volumes elevados de pedidos de indenização no Estado. Até dezembro de 2024, de acordo com levantamento feito pela CNseg, somente o Seguro Agrícola pagou R$ 167,1 milhões em indenizações. As companhias também adotaram procedimentos de emergência (fast-track, vistorias remotas) para dar agilidade às indenizações. Para 2025, a magnitude do impacto continuou relevante, pressionando o fluxo de pagamentos do setor.
A ocorrência de eventos climáticos extremos no Estado está no horizonte de 2026 e no cenário climático para a Safra de Verão. A Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (NOAA) emitiu, no início de outubro, um aviso oficial indicando a configuração do fenômeno La Niña no Pacífico tropical e sua persistência nos próximos meses, podendo se estender até fevereiro de 2026.
Diante desse cenário, o receio sobre nova estiagem e mais perdas a campo aumentam. O vice-presidente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Elmar Konrad, afirma que a preocupação é imensa e que, diante de uma realidade de eventos climáticos extremos, o “governo federal não se preocupa com a segurança alimentar dos brasileiros, ao reduzir o valor da subvenção. Gerando mais risco para quem produz e para quem consome“.
O dirigente se refere aos R$ 445 milhões bloqueados pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) do orçamento destinado ao Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR) para 2025, o equivalente a 42% da dotação prevista. Do total, R$ 354,6 milhões foram bloqueados e outros R$ 90,5 milhões contingenciados. Para 2025, a dotação orçamentária inicial era de R$ 1,06 bilhão.
Solução das dívidas rurais é saída para alavancar o setor
A retração da contratação de seguros rurais no Rio Grande do Sul alcançou patamares históricos e nesse cenário, mais do que nunca, é importante solucionar o problema das dívidas dos produtores rurais gaúchos para que eles restabeleçam as margens, tenham mais segurança para a contratação da proteção adequada para suas lavouras. Nesta entrevista exclusiva para o Empresas & Negócios, o presidente da Comissão de Seguro Rural da Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg), Glaucio Toyama, fala sobre o entrave que o endividamento e os cortes na subvenção federal ocasionam no setor. Além disso, destaca a importância das novas tecnologias, das novas modalidades de seguro rural e elenca as principais saídas para reverter o cenário de insegurança no setor.
Empresas & Negócios – O setor de seguro rural, especialmente no Rio Grande do Sul, vive um momento de retração. O que está causando essa queda na contratação e qual o cenário atual?
Glaucio Toyama – A retração é resultado de uma combinação de fatores. Primeiramente, a inadimplência dos produtores rurais, afetados por eventos climáticos severos, impactou a liberação de novos recursos e crédito. O próprio crédito rural do Plano Safra está mais restrito, com uma redução de 30 pontos percentuais em setembro em relação ao mesmo período do ano passado. Além disso, a margem do produtor está muito apertada devido aos altos custos de produção e à incerteza dos preços futuros.
E&N – E a questão do corte na subvenção do Governo Federal, como tem impactado o setor?
Toyama – Trata-se do fator mais crítico: o bloqueio de 42% do orçamento federal destinado à subvenção ao prêmio do seguro rural. Sem essa contrapartida do governo, a contratação se torna inviável para muitos agricultores. Como o seguro está profundamente ligado ao ciclo de crédito, a restrição em uma ponta afeta diretamente a outra.
E&N – Diante desse cenário de riscos climáticos recorrentes, qual a importância do seguro agrícola para a sustentabilidade da produção, especialmente no Rio Grande do Sul?
Toyama – O seguro rural, principalmente o agrícola, é uma ferramenta essencial para a estabilidade de qualquer atividade no campo. Diante da frequência de eventos como secas e enchentes, ele funciona como uma rede de proteção que garante a continuidade da operação. Um programa de seguro não pode ser estático, ele precisa ser dinâmico e se adaptar à realidade do produtor. Em anos de margens apertadas, o agricultor precisa mais do seguro, mas tem menos capacidade de pagar por ele. É aí que a subvenção se torna fundamental. Sem essa proteção, entramos em um ciclo vicioso: o produtor quebra, o poder público precisa criar programas emergenciais de renegociação de dívidas — o que gera uma “sangria” nos cofres públicos — e, a longo prazo, vemos um desestímulo à sucessão familiar no campo, com as novas gerações abandonando a atividade por considerá-la insustentável.
E&N – Temos visto o surgimento de novas tecnologias e startups (insurtechs) voltadas ao agronegócio. Como a tecnologia está mudando a oferta de seguros rurais?
Toyama – A tecnologia tem um papel fundamental e a vemos com muito bons olhos. As insurtechs estão atuando em várias frentes: melhora da experiência do produtor: Simplificando e agilizando a jornada de cotação e contratação, que hoje é muito lenta. Além disso, análise de Risco: Utilizando dados de satélite e outras fontes para analisar o manejo do solo, o uso da água e o cumprimento de protocolos socioambientais.
E&N – As seguradoras falam muito em novos produtos, quais estão mais em alta?
Toyama – Um bom exemplo é o seguro para animais, como o de vacas leiteiras, que utiliza um colar com um dispositivo para monitorar a saúde e o comportamento do animal, permitindo uma precificação mais justa e a prevenção de perdas. A agricultura brasileira é muito avançada tecnologicamente, e o setor de seguros está correndo para diminuir essa defasagem, incorporando essas inovações para oferecer produtos mais eficientes e adequados.
E&N – Você poderia fornecer dados atualizados sobre a contratação de seguro rural no Rio Grande do Sul para ilustrar esse cenário de retração?
Toyama – Segundo os dados do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), até 10 de outubro, o Rio Grande do Sul contratou 8.099 apólices, cobrindo 236 mil hectares. Para comparar, no ano passado inteiro, foram 26.595 apólices e 1,1 milhão de hectares. A contratação no estado está mais lenta principalmente por conta do processo de renegociação das dívidas dos produtores. É importante notar que esses números são apenas da parte subsidiada pelo governo federal. Estimamos que cerca de 50% do mercado de seguro agrícola opere sem essa subvenção, mas ainda assim a queda é muito significativa.
E&N – Além dos riscos climáticos, a pauta sanitária tem ganhado força. Existem proteções para esses casos?
Toyama – A pauta sanitária é crucial. O Rio Grande do Sul, aliás, é o único estado do Brasil que contratou, como governo, uma apólice de seguro contra a febre aftosa. Se um pecuarista tiver um foco da doença, ele possui uma proteção para cobrir os prejuízos. É uma iniciativa via Fundesa que deveria ser expandida para outros riscos, como a gripe aviária e a peste suína.
E&N – E quais propostas concretas estão sendo discutidas para fortalecer o setor?
Toyama – Para fortalecer o setor de forma estrutural, temos discutido duas propostas principais como a criação de um Fundo Catastrófico Gaúcho: um fundo estadual que complementaria a subvenção federal, daria mais previsibilidade ao produtor e incentivaria as seguradoras a desenvolverem produtos mais adequados à realidade local. A Mutualização do Custo do Seguro também está em pauta e a ideia é que o custo do seguro não recaia apenas sobre o produtor. Toda a cadeia do agronegócio — revendas de insumos, cooperativas, tradings, bancos — que se beneficia da produção deveria participar do pagamento de uma parte do prêmio. Além disso, defendemos a discussão sobre a obrigatoriedade do seguro agrícola para os produtores mais vulneráveis, especialmente os pequenos, como condição para acesso ao crédito. Assim como o cinto de segurança é obrigatório para proteger vidas, o seguro deveria ser visto como um item essencial para proteger a sustentabilidade da produção de alimentos e a estabilidade econômica do Estado.
Emater defende ampliação do seguro paramétrico para maior difusão da proteção a campo
Entre as saídas para incrementar o uso do seguro rural no Estado está a ampliação do Seguro de Índices Climáticos, também chamado de Seguro Paramétrico. Trata-se de um produto customizado de acordo com a necessidade específica de cada cliente, considerando as oscilações dos parâmetros climáticos, sendo os principais temperatura e precipitação. Os índices e prazos de cobertura são definidos em conjunto com o cliente e os resultados são apurados por meio de consulta em bases públicas de coleta de informações meteorológicas.
“A indenização é calculada por meio da verificação dos índices coletados e os índices segurados pelo cliente e ocorre de forma simplificada, após a apuração dos índices. Além disso, reduz as custas dos serviços, como contratação e perícias”, afirma o engenheiro agrônomo responsável pelo setor de crédito rural e gestão agrícola da Emater/RS-Ascar, Célio Alberto Colle.
O especialista também defende a ampliação do uso do Risco Nomeado, que permite escolher um dos riscos, por exemplo, estiagem, geada, granizo. “O Seguro Rural é necessário para a agricultura gaúcha. Sem essa ferramenta que permite que em anos extremos o agricultor tenha um mínimo de perdas – para recuperar em anos bons – o produtor não consegue se manter no negócio”, acrescenta Colle
Para o especialista, entre as inovações que podem tornar o seguro rural mais acessível e eficiente estão a ampliação das Estações Meteorológicas para obtenção de mais dados climáticos que impactam nas culturas, tais como precipitação, temperatura, ventos, que são fundamentais para o Seguro Paramétrico. O engenheiro agrônomo ressalta ainda a importância do papel do Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc) para Níveis de Manejo que vai ajudar na separação dos produtores entre os que possuem boas práticas que mitigam o risco, daqueles que não as usam.
“Hoje, o prêmio é o mesmo, independentemente do perfil do produtor, apesar de eles terem riscos diferentes. Então, aqueles que usam boas práticas, que possuem perdas menores nas estiagens, resolvem não contratar. Menos contratações num Estado que tem alto risco, mais alto o prêmio. O Zarc ajuda a equalizar a conta do nível de manejo com valor do prêmio”, diz.
Hoje, segundo Embrapa, são 44 culturas com zoneamento em todos os estados brasileiros. O Zarc é utilizado como gestor de risco pelo PSR, Progro e Proagro Mais e constituído a partir da análise de parâmetros de clima como precipitação pluviométrica, temperatura, déficit hídrico, ocorrências de geadas e granizos, disponibilidade de água no solo, evapotranspiração real e potencial, estiagem agrícola e veranicos, solos como disponibilidade máxima de água no solo, estimada em função da profundidade efetiva das raízes e da capacidade de água disponível dos solos e ciclo das cultivares, com as respectivas classificações em grupos de características homogêneas, associadas à duração dos diferentes ciclos.
Colle explica que existem diferenças entre o seguro rural privado e o Proagro: o primeiro é realizado por seguradoras privadas, nas áreas de seguro agrícola, seguro penhor rural, seguro pecuário, seguro florestas e outras menos utilizadas. Essas operações passam por seguradoras e fiscalizadas e regulamentadas pela Superintendência de Seguros Privados (Susep).
“Enquanto o Proagro não tem apólice e o governo/Banco Central funcionam como uma grande seguradora”, diz. Entre os elementos essenciais para o seguro estão risco que é a expectativa do sinistro (efetivação do risco), o segurado que é a pessoa física ou jurídica que paga o prêmio), segurador ou seguradora que é a pessoa jurídica que assume o risco, o prêmio que é o valor pago pelo segurado para transferir o risco e, por fim, a indenização que é o pagamento da seguradora ao segurado no evento de sinistro.
Novo seguro rural quer dar mais previsibilidade para o agricultor
Está em discussão, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal, o Projeto de Lei (PL) 2.951/2024 que propõe um novo seguro rural. De autoria da senadora Tereza Cristina (PP-MS), o PL é um passo importante para proteger o produtor, cada vez mais exposto a eventos climáticos extremos. A ideia é dar mais agilidade e segurança financeira, garantindo que os agricultores continuem investindo nas safras e não fiquem desamparados justamente no momento em que mais precisam.
“O novo seguro rural quer dar mais modernidade para o campo, mais previsibilidade para o produtor e mais segurança alimentar para o Brasil”, disse a senadora. Nos casos específicos em que não é possível indenizar produtores que tiveram perdas de safra, percebe-se que muitos desses produtores são obrigados a renegociar suas dívidas para pagamento nas safras seguintes, o que compromete sua capacidade de investimento e inovação nos anos subsequentes, prejudicando a geração de emprego e renda no campo.
A nova lei permitirá instituir efetivamente um fundo que contribua para o desenvolvimento do setor e para a segurança do produtor rural, bem como para a redução dos custos do Tesouro Nacional, de modo a otimizar a utilização dos escassos recursos públicos.
Novas tecnologias e metodologias estão no foco do mercado de seguros
O mercado segurador brasileiro tem avançado significativamente na incorporação de tecnologias e metodologias inovadoras para lidar com a crescente frequência de desastres climáticos. O uso de sensoriamento remoto, imagens de satélite e automação de vistorias tem ampliado a capacidade técnica das seguradoras, melhorando a agilidade na regulação de sinistros e a precisão na precificação de riscos.
Ferramentas de Inteligência Artificial e modelos preditivos também vêm sendo aplicados na subscrição de riscos, prevenção a fraudes e regulação de sinistros, fortalecendo a base técnica e a eficiência operacional do setor. Para apoiar esse avanço, a CNseg desenvolve o Hub de Inteligência Climática, iniciativa voltada à produção e integração de dados sobre riscos físicos e impactos de eventos extremos.
“Previsto para lançamento ainda em 2025, o Hub reunirá análises, relatórios e ferramentas de apoio à decisão, fortalecendo a capacidade do setor de avaliar vulnerabilidades, precificar riscos e ampliar a resiliência climática”, afirma a diretora de Sustentabilidade da Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNseg), Claudia Prates.
Nesse contexto, a CNseg tem conduzido o debate sobre a criação do Seguro Social de Catástrofe, uma solução já adotada, com diferentes modelos, em diversos países, e atualmente em discussão no Brasil. O instrumento possibilita a formação de uma base ampla e diversificada de segurados, condição que viabiliza a precificação mais equilibrada, o compartilhamento dos riscos e a oferta de coberturas a custos acessíveis.
Além disso, a diretora destaca que, no Plano Nacional de Adaptação, o mecanismo cumpre não apenas a função de auxílio emergencial, mas também fomenta a disseminação da cultura do seguro e da gestão de risco, fortalecendo a confiança e a compreensão da população sobre produtos e serviços já existentes.
Complementarmente, o setor tem avançado em iniciativas regulatórias e estruturais. A Resolução CNSP nº 473/2024 instituiu critérios para classificação de produtos sustentáveis no Registro Eletrônico de Produtos (REP) da Susep, representando um marco para a transparência e o estímulo à inovação sustentável no mercado.
Já a Taxonomia de Seguros Sustentável, em desenvolvimento pela CNseg, orientará a identificação de produtos e investimentos que contribuam efetivamente para a adaptação e mitigação climática. “Essas iniciativas, em conjunto, reforçam a transformação em curso no mercado segurador, um setor cada vez mais tecnológico, preventivo e alinhado à agenda nacional de adaptação climática, preparado para apoiar governos e comunidades na construção de uma economia mais resiliente e sustentável”, acrescenta Claudia.
Economista destaca impacto de gargalos logísticos
O cenário atual do seguro rural no Rio Grande do Sul reflete um contexto de crescente vulnerabilidade do setor agropecuário frente aos impactos das mudanças climáticas e aos desafios estruturais relacionados à logística. É o que defende o economista, diretor do Instituto do Meio Ambiente e professor da Escola de Negócios da Pucrs, Augusto Alvim.
Para o especialista, do ponto de vista estrutural, a persistência das deficiências logísticas reduz a competitividade e a resiliência do agronegócio gaúcho. “A precariedade das estradas, a limitação de armazenagem e transporte e os custos elevados de escoamento da produção. Soma-se a isso o ainda reduzido uso de irrigação em culturas agrícolas sensíveis à seca, o que deixa o Estado especialmente vulnerável às oscilações climáticas”, afirma.
Diante dessa deficiência, a frequência crescente de secas e enchentes no Rio Grande do Sul tem provocado impactos diretos tanto na precificação quanto na disponibilidade das apólices de seguro rural. As seguradoras operam com base em modelos de risco, e, diante de eventos climáticos mais intensos e recorrentes, o custo tende a aumentar significativamente. Isso se traduz em prêmios mais elevados, já que o risco é percebido como maior. Em algumas regiões e culturas específicas, onde a incidência de perdas é mais alta, observa-se inclusive redução da oferta de cobertura.
“Certas seguradoras passam a evitar operar nesses territórios ou limitam as modalidades de seguro disponíveis”, revela. Segundo Alvim, o histórico recente de indenizações, especialmente nas safras afetadas por estiagens e enchentes, tem levado as seguradoras a revisarem seus parâmetros de precificação, aplicando franquias maiores e condições mais restritivas. Isso afeta diretamente a acessibilidade do seguro para pequenos e médios produtores, que acabam ficando sem alternativas de proteção financeira.
“Com a alta probabilidade de sinistros, as seguradoras elevam os prêmios ou simplesmente reduzem a oferta de apólices, tornando o produto inacessível ou pouco atrativo. Esse quadro é agravado pelo baixo nível de subvenção pública e pela limitação de produtos”, diz o economista. No caso dos produtores familiares, o desafio é ainda maior. Muitos deles não têm histórico formal de crédito, carecem de assistência técnica e possuem pouca familiaridade com instrumentos financeiros complexos, o que os mantém à margem do sistema de seguro rural.
Alvim também ressalta que os eventos extremos também têm comprometido a capacidade de pagamento e de investimento dos produtores. Esse quadro resultou no ciclo de endividamento que se observa hoje, o qual reduz o acesso ao crédito e fragiliza a sustentabilidade econômica das propriedades. “Isso resulta na baixa cobertura do seguro rural, tanto em termos de adesão quanto de abrangência das apólices. Muitos produtores ainda consideram o seguro um custo adicional, e não um instrumento de gestão de risco, o que se soma à limitada oferta de produtos adequados às diferentes realidades regionais e produtivas”, avalia.
O especialista acrescenta ainda que superar esses desafios exige uma abordagem integrada: políticas públicas que garantam estabilidade ao Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), estímulos à inovação em produtos e serviços financeiros, investimentos em infraestrutura, em pesquisa e ampliação das tecnologias de irrigação e manejo da água. “A construção de um sistema agropecuário mais resiliente passa também por fortalecer o seguro rural como pilar estratégico da política agrícola e de adaptação climática do Rio Grande do Sul”.
Sobre o corte de recursos do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), Alvim avalia que quando há atrasos ou contingenciamentos orçamentários, a contratação de seguros diminui, enfraquecendo o sistema como um todo. Em paralelo, o aumento do risco climático pressiona a necessidade de aprimorar a modelagem de dados meteorológicos e zoneamentos agrícolas de risco climático (Zarc), para uma melhor precificação e aderente às condições reais de cada microrregião.
*Ana Esteves é jornalista formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). Atuou como repórter setorista de agronegócios no Jornal do Comércio, Correio do Povo e Revista A Granja. Hoje, atua como assessora de imprensa e repórter freelancer. Também é graduada em Medicina Veterinária pela Ufrgs.