Não há mais volta. Se a indústria brasileira quiser alcançar níveis de produtividade mais elevados, precisa investir em tecnologias e governança, aponta o presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Luiz Antonio Elias, em visita recente a Porto Alegre. Isso se torna ainda mais essencial em um cenário de muita turbulência e mudanças geopolíticas, inclusive em ações como o tarifaço do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e que agora começa a avançar em uma tentativa de ser revertido. “Isso nos mostra que de forma ainda mais contundente que precisamos apostar em um desenvolvimento endógeno da nossa economia e na nossa capacidade de responder à fronteira”, aponta.
Mercado Digital – O que nos espera no contexto internacional do ponto de vista da tecnologia no setor empresarial?
Luiz Antonio Elias – Temos uma indústria que precisa se atualizar para acompanhar o mercado. Vivemos um processo forte de disrupção provocada pelas tecnologias chamadas 4.0, que vão desde a microeletrônica, robotização, automação e passando pela Internet das Coisas (IoT), ou seja, há uma digitalização forte no setor empresarial. A inteligência artificial vai, de certa forma, perpassar horizontalmente todas essas camadas. Todos os planos internacionais como Estados Unidos, China, Japão apontam para um caminho de cada vez mais recursos efetivos voltados para estas temáticas. Precisamos de tecnologia, de ciência e recursos de laboratórios para, de forma endógena, resolver a condicionante desse completo chamado conhecimento-científico apropriado para o setor empresarial.
Mercado Digital – Isso significa, de fato, uma necessidade de aceleração da digitalização da indústria?
Elias – Sim, a digitalização da indústria é irreversível. Se não avançarmos, não vamos conseguir alcançar os patamares de produtividade que são exigidos no plano internacional. Precisamos chegar junto, emparelhar a nossa capacidade para que as nossas cadeias produtivas brasileiras consigamos efetivamente nos inserir com valor agregado para exportação com muita produtividade.
Mercado Digital – Isso se torna ainda mais decisivo nesse cenário de volatilidade geopolítica?
Elias – Sim, isso é muito importante. Com a derrocada do multilateralismo (enfraquecimento das organizações e acordos multilaterais globais) e as medidas como essas das tarifas impostas recentemente pelo presidente Donald Trump, precisamos ainda mais apostar no desenvolvimento endógeno e na nossa capacidade de responder à fronteira. Isso nos obriga a revisitar todas as plataformas industriais. Mas, atuar nisso exige dentro da estrutura de governo uma maior instância de governança. Um olhar forte para isso no termo federal e estadual – e aí as fundações de amparo à pesquisa são parceiros fundamentais. Há um crescimento grande de recursos do governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Finep, que são as duas pontas fortes no fomento à inovação e formação de recursos humanos, e essas pontas estão cada vez mais conectadas.
Mercado Digital – Que lições precisamos tirar o tarifaço americano e da nossa dependência de alguns mercados?
Elias – A minha avaliação é que os Estados Unidos cometeram um grande equívoco na formulação dessa política, porque foi justamente a internacionalização de cérebros, que agora estão saindo de lá, e a explosão desse comércio multilateral que fizeram com que os Estados Unidos criassem grandes cadeias globais de valor. E com o tarifaço elas estão sendo afetadas. Para o Brasil, é a oportunidade de nos desafiarmos e reorientarmos as nossas políticas, passando a olhar para alguns nichos que estavam adormecidos, como o dos materiais estratégicos (elementos químicos fundamentais para as indústrias de futuro e para os quais possuem grandes reservas) em terras raras. Nós temos aqui, por exemplo, a excelência daquilo que se precisa para o semicondutor. Isso nos permite avançar mais também no setor de alimentos. E descobrir novos mercados, como vender mais na África, Índia e a própria China.
Mercado Digital – Qual a importância de avançarmos também na formação de pessoas?
Elias – Muito grande. As escolas técnicas precisam ser revisitadas e ganhar dimensão para que a gente possa enfrentar de forma mais rápida e ágil a discussão sobre recursos humanos a serem empregados no setor industrial. Fortalecer as capacidades científicas é fundamental. O Brasil tem financiado o rearranjo na área de infraestrutura científica laboratorial. As universidades funcionam como hub importante de geração de conhecimento, mas também precisam de infraestrutura.
Mercado Digital – Você acredita que as nossas empresas estão se tornando mais inovadoras?
Elias – Com certeza. Dos projetos de subvenção que estão aprovados na nossa carteira para 2023/2024 e parte de 2025, 41% são de produtos inéditos para o mundo. Isso significa tecnologias, seja para grandes empresas ou startups, que poderão ajudar as empresas a terem um impulsionamento na pauta interna e também das exportações. Do total, 58% são inéditas para o Brasil. As empresas estão apostando e sendo desafiadas a se movimentar e inovar.
Mercado Digital – Qual ‘é a sua visão é o principal papel da Finep?
Elias – O presidente Lula tem reafirmado uma Finep como uma instituição de estado. O governo assimilou de que essa agenda de ciência, tecnologia e inovação é central para que o Brasil possa emparelhar a sua economia com o mundo e para ter capacidade de gerar conhecimento interno e reter talentos. É outro momento.