Uma sondagem produzida pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) revela que apenas 6% dos pequenos negócios têm conhecimento avançado sobre a Inteligência Artificial (IA). A pesquisa, realizada com 300 Micro e Pequenas Empresas (MPEs) do varejo paulistano, busca traçar um panorama sobre a maturidade do tema entre esses negócios e entender de que forma a regulação da tecnologia pode afetar o setor.
De acordo com a sondagem, apenas 24,4% das MPEs utilizam soluções de IA atualmente. Os principais obstáculos à adoção da tecnologia são a falta de conhecimento técnico e as preocupações com segurança e proteção de dados, apontados por 29,2% e 15,2% das pequenas empresas, respectivamente. Entre as médias, os porcentuais foram semelhantes: 29,3% e 18,7%, respectivamente.
Mais da metade (58,7%) ainda não utiliza IA ou tem planos de adotá-la. Entre os negócios com menos de 50 funcionários, esse porcentual sobe para 62,4%. O dado, além de indicar a necessidade de ampliar a oferta de informação e capacitação sobre as possibilidades que a ferramenta oferece, reforça a importância de uma regulação equilibrada, capaz de garantir segurança sem frear o avanço tecnológico.
“É um cenário que evidencia a necessidade de políticas de fomento e de uma regulação proporcional que não imponha barreiras excessivas à inovação”, comentou Kelly Carvalho, economista e assessora do Conselho de Economia Digital e Inovação da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), durante o seminário O Marco Regulatório da Inteligência Artificial e suas Implicações para Setor Produtivo, realizado na última sexta-feira (24), na sede da Entidade, em São Paulo.
No evento, Kelly apresentou os resultados da sondagem da FecomercioSP a parlamentares da Comissão Especial sobre IA na Câmara dos Deputados, além de representantes de empresas do Comércio e dos Serviços e especialistas convidados.
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Marco legal da IA deve ser construído com o setor produtivo à frente
Adoção de IA pelas MPEs
Entre os negócios que já utilizam IA, a ferramenta é citada com mais frequência na geração de conteúdo, como textos, imagens e vídeos (22%), e no uso em chatbots ou assistentes virtuais (15,6%). Já recursos mais sofisticados, como reconhecimento de imagem ou voz (7,6%) e monitoramento de fraudes (6,8%) permanecem pouco explorados.
Para 48,4%, a IA deve impactar especialmente as áreas de Marketing e Vendas e Atendimento ao Cliente (25,6%). Cerca de 40% dos negócios acreditam que a tecnologia vai transformar funções, exigindo novas habilidades.
Apesar das barreiras técnicas e do baixo nível de conhecimento, 44% das pequenas empresas veem na IA oportunidades de crescimento. Mas para que a tecnologia seja usada em todo o seu potencial, é fundamental que haja segurança jurídica e um ambiente que estimule o seu desenvolvimento. Por isso, 46,4% dos empreendedores defendem uma regulação equilibrada, que promova a inovação sem deixar de garantir proteção e segurança.
Flexibilidade e atenção às MPEs
Na avaliação da FecomercioSP, é necessário que as MPEs recebam uma abordagem específica no Projeto de Lei (PL) 2.338/2023, que cria o marco legal da IA. “Precisamos de uma legislação que trate essas empresas de forma diferenciada, sem ser muito onerosa e que reconheça as suas limitações, inclusive de recursos financeiros”, explicou Kelly.
Caio Lima, sócio da VLK Advogados, citou estimativas de que, neste ano, cerca de 80% dos pequenos negócios planejam integrar chatbots para atendimento ao consumidor em áreas estratégicas. Ele ressaltou, entretanto, que é preciso ter atenção aos efeitos do marco legal. “De fato, vemos que, para pequenas e médias empresas, pode ser um diferencial para fazer mais com menos pessoas, mas temos que observar os impactos regulatórios”, ressaltou.
Segundo Lima, embora grandes empresas atuem como provedoras de IA e Pequenas e Médias empresas (PMEs), como usuárias, muitas das últimas fornecem serviços para as primeiras — e a aplicação de regras iguais de governança pode dificultar essas operações. “Se a governança for exatamente a mesma, isso pode dificultar as ofertas das PMEs.”
No mesmo sentido, a deputada federal Adriana Ventura (Novo/SP), vice-presidente da Comissão Especial de IA da Câmara dos Deputados, ressaltou que os dados do levantamento produzido pela FecomercioSP reforçam o entendimento de que é preciso flexibilidade. Segundo ela, não se pode “exagerar na dose”. Adriana defendeu uma regulação mais principiológica e menos prescritiva, permitindo espaço para que as empresas possam se adaptar. “Tudo o que engessa não é bom para o País”, concluiu.
Embora o texto do projeto tenha avançado, alguns dispositivos seguem na direção oposta a essas necessidades, impondo obrigações que podem dificultar a adesão dos pequenos negócios à tecnologia.
Confira, a seguir, os pontos que merecem atenção das MPEs e as sugestões da Entidade para aprimorar o texto.
Objeto e âmbito
O PL prevê normas de governança em IA muito amplas, que acabam impondo exigências desproporcionais às pequenas empresas.
É necessário ajustar o texto para garantir que as obrigações direcionadas às MPEs sejam compatíveis com o porte desses negócios — especialmente quando se tratar de aplicações de baixo risco.
Proposta: inserir uma cláusula de proporcionalidade que reduza obrigações para MPEs com IA de baixo risco.
Governança e avaliação de riscos
No texto, estão previstas a criação de categorias de risco, regras de governança, exigência de avaliação de impacto e registro de sistemas de alto risco.
Para MPEs e Microempreendedores Individuais (MEIs), essas obrigações podem criar custos elevados e mais complexidade para atender às exigências de governança e aos relatórios técnicos.
Proposta: criar uma faixa simplificada para MPEs, com obrigações reduzidas e modelo de autoavaliação guiada.
Transparência e explicabilidade
Outra preocupação com os efeitos da regulação está nos artigos 7º e 8º do PL, que obrigam que o usuário seja informado quando interage com uma IA e que sejam oferecidas explicações compreensíveis sobre decisões automatizadas.
Essas exigências provocariam alto custo de conformidade e exigências técnicas difíceis de atender entre as MPEs que usam IA simples (como chatbots e triagem).
Proposta: permitir modelos padronizados de transparência e FAQs (do inglês Frequently Asked Questions, ou “Perguntas Frequentes”) simplificados desenvolvidos pela autoridade competente.
Responsabilidade civil e sanções
Ao estabelecer responsabilidade civil por danos causados por IA e sanções administrativas, o projeto também afeta as MPEs, que contam com estruturas jurídica e financeira menores. O projeto prevê a aplicação de sanções que podem variar de 2% do faturamento a R$5 milhões.
Proposta: prever safe harbor e teto de sanções específicos para MPEs, além de incluir etapas educativas antes de multa.
Fomento e ‘sandbox’ regulatório
O projeto também prevê instrumentos de fomento e a criação de ambientes de teste (sandbox) para inovação e regulação experimental da tecnologia.
No entanto, há o risco de que esses espaços sejam dominados por grandes empresas, em razão dos altos requisitos técnicos e de capital necessários para participar.
Proposta: criar trilha Sandbox MPE, com mentoria, requisitos simplificados e priorização de projetos de pequenas empresas.
Representantes do Congresso e do mercado discutem regulação
Além de Adriana, o evento contou com a participação da deputada Luísa Canziani (PSD/PR), presidente da comissão, e dos deputados Aguinaldo Ribeiro (PP/PB), relator do projeto, Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL/SP) e David Soares (União/SP), titulares do colegiado.
Samanta Santos de Oliveira, DPO do Mercado Livre, e Caroline Rocabado, DPO and Privacy Governance Lead da Dasa, além de representantes da FecomercioSP, como o presidente em exercício da Entidade, Ivo Dall’Acqua Junior; o presidente do Conselho de Economia Digital e Inovação, Andriei Gutierrez e o consultor de proteção de dados da FecomercioSP, Rony Vainzof, também estiveram presentes.
Além dos impactos para MPEs, o seminário discutiu como o marco legal da IA deve envolver o setor produtivo e buscar equilíbrio entre proteção de direitos e incentivo à inovação no Comércio e nos Serviços.
Os dados e as propostas da Federação para a regulamentação da IA (confira aqui) também foram entregues à deputada Adriana.
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Fonte Oficial: https://www.fecomercio.com.br/noticia/pequenas-empresas-precisam-de-flexibilidade-e-incentivo-para-aproveitar-oportunidades-da-ia