A menos de três meses da entrada em vigor da Reforma Tributária e com a expectativa de adesão ao modelo da NFS-e nacional, apenas 392 municípios realizam emissões efetivas, revelando um cenário de incerteza e corrida contra o tempo para empresas e profissionais do setor digital.
O Brasil se prepara para uma das maiores transformações fiscais desde a criação do SPED. Considerada um dos pilares da Reforma Tributária sobre o consumo, a Nota Fiscal de Serviço Eletrônica Nacional (NFS-e) — instituída pela Lei Complementar nº 214/2025 — entrará em vigor no dia 1º de janeiro de 2026. A promessa é clara: padronizar o emaranhado de sistemas municipais para simplificar e garantir que dados do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) sejam apurados uniformemente em todo o território brasileiro. A realidade, porém, é mais complexa do que o papel sugere.
Segundo dados da Receita Federal, divulgados em setembro de [ANO ATUAL – verificar a data de divulgação real], 3.200 dos 5.570 municípios brasileiros formalizaram adesão ao padrão nacional, cobrindo cerca de 80% da população. No entanto, apenas 392 cidades já realizam emissões efetivas. O restante segue em estado de indefinição — especialmente para empresas de soluções digitais, contadores e contribuintes que atuam em múltiplas localidades.
Estamos no meio de uma transição sem manual. As regras mudaram, mas o tabuleiro ainda está sendo desenhado. Municípios definindo seu emissor ou trocando de provedor, novas notas técnicas de NFS-e, empresas buscam definições, tentam testar sistemas e o tempo corre mais rápido que os orçamentos. O desafio não vem da inação, mas das incertezas de um modelo em construção e em tempo real.
Um mosaico de sistemas que chega ao fim
Atualmente, cada um dos 5.570 municípios brasileiros pode adotar seu próprio modelo de emissão da NFS-e, com regras, layouts e códigos distintos, ainda que todos baseados na Lei Complementar nº 116/2003 (ISS). Essa multiplicidade gera custos de conformidade elevados e reduz a competitividade, principalmente para empresas que prestam serviços em várias localidades.
A NFS-e nacional pretende unificar esse cenário, substituindo os sistemas locais por um formato único e compartilhado em âmbito federal. A expectativa é que isso traga simplificação, transparência e eficiência operacional, tanto para contribuintes quanto para administrações públicas.
Municípios poderão manter seus portais próprios, desde que compartilhem dados com a plataforma nacional. A não adesão ao padrão poderá acarretar suspensão de transferências voluntárias da União e restrições de participação na arrecadação do IBS, segundo a legislação vigente.
Impactos e riscos para o mercado digital
Embora a promessa de simplificação seja atraente, a transição exige adaptação técnica e tributária intensa. Com a padronização, os serviços passam a ser classificados pela Nomenclatura Brasileira de Serviços (NBS), substituindo códigos locais.Erros de enquadramento podem gerar rejeição de notas, autuações fiscais e até perda de créditos tributários.
Além disso, a migração para o novo ambiente nacional exige maior detalhamento de informações obrigatórias para determinadas operações, como nos serviços de exportação. Haverá também um aumento na complexidade operacional para plataformas digitais que conectam a emissão de notas e meios de pagamento no âmbito da Reforma Tributária, pois elas precisarão solicitar um maior número de dados e informações do tomador de serviços no destino. O ponto de atenção é o eventual atrito na jornada do consumidor em marketplaces, que decidem sua estratégia em um clique.
O desafio não é apenas técnico, mas estratégico. Empresas precisam rever fluxos, reclassificar serviços e adaptar integrações em tempo real. Quem deixar para revisar seus impactos para a última hora, provavelmente não estará pronto em janeiro.
Pontos de atenção destacados:
- Classificação correta da NBS – A correspondência entre os códigos da LC 116/2003 e a NBS ainda exige análise cuidadosa para evitar erros de tributação.
- Migração gradual dos municípios – Municípios estão migrando paulatinamente, alguns adotando adesão por regime de tributação, iniciando com empresas do Simples Nacional, Lucro Presumido e Lucro Real. Durante o processo, em alguns casos, prazos estão sendo postergados devido a desafios como lentidão na comunicação ou instabilidade no ambiente do fisco em períodos de pico (início do mês), buscando evitar impactos nas emissões de notas fiscais das empresas.
- Novos campos obrigatórios – Operações que passam a demandar maior número e detalhamento de informações no ambiente nacional, comparado ao solicitado anteriormente pela prefeitura emissora local. Ex: Exportações de serviços, que exige o preenchimento de novos grupos de informações adicionais da NFS-e nacional.
- Impacto em plataformas digitais – Modelos de marketplace e economia de influência devem se adaptar para reportar mais dados sobre o tomador de serviços no destino.
- Monitoramento diário dos municípios – Cada cidade define seu próprio ritmo de adesão; empresas nacionais precisam acompanhar para garantir conformidade em todas as localidades.
O cenário da adesão municipal
Embora os números indiquem que 80% da arrecadação nacional já está coberta pelos municípios conveniados, o avanço ainda é desigual. Muitas cidades aderiram formalmente, mas não iniciaram a emissão real pelo sistema nacional.
Além do desafio técnico, há também uma questão política e cultural: parte dos municípios teme perder autonomia e controle sobre a arrecadação direta, o que afeta a velocidade da adoção.
O que vem pela frente
A implantação da Reforma Tributária com a NFS-e nacional representa um divisor de águas na tributação de serviços no Brasil. Mais do que uma mudança de sistema, trata-se de uma reformulação estrutural na forma como o país enxerga, formaliza e fiscaliza suas operações de serviços.
A NFS-e nacional é a espinha dorsal da Reforma Tributária na prática. Ela redefine o relacionamento entre prestadores, tomadores e governos municipais. É o momento de transformar complexidade em eficiência e incerteza em vantagem competitiva.
Por: Victória Sanchez é Chief Product Officer da NFe.io
Fonte Oficial: https://www.contabeis.com.br/artigos/73364/reforma-tributaria-nfs-e-nacional-com-baixa-adesao-municipal/