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Reforma Tributária inaugura uma nova contabilidade empresarial

A promulgação da Emenda Constitucional (EC) 132/2023, a chamada Reforma Tributária sobre o consumo — com regulamentação inicial prevista na Lei Complementar (LC) 214/2025 —, representa, muito mais do que uma mudança na forma de cobrar impostos, o início de uma transformação estrutural na contabilidade das empresas brasileiras. Conceitos fundamentais, ensinados há décadas em salas de aula e utilizados no dia a dia dos negócios, como “receita bruta” e “receita líquida”, perderão a razão de ser para fins tributários principais.

Com o objetivo de debater os caminhos da contabilidade frente ao novo sistema, o Conselho Estadual de Defesa do Contribuinte de São Paulo (Codecon/SP) recebeu Renata de Cássia Andrade, conselheira representante da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), e Isaías Coelho, pesquisador sênior no Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getulio Vargas (NEF/FGV), em reunião ocorrida na última quarta-feira (24), na sede da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP).

A grande mudança contábil reside no método de apuração: a não cumulatividade estabelece que o imposto pago em uma etapa da cadeia de produção ou comercialização pode ser abatido (creditado) nas etapas seguintes. Em outras palavras, o contribuinte só paga imposto sobre o valor que realmente agregou ao produto ou serviço, evitando que um tributo seja cobrado em cima de outro (o famoso efeito cascata).

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Mas como esse cálculo “por fora” do imposto vai impactar a contabilidade empresarial? Segundo Renata, os especialistas discordam sobre a matéria. “Os que defendem a não inclusão argumentam que a reforma retira os tributos indiretos do custo. Logo, IBS e CBS não seriam incluídos na receita bruta, pois não deveriam transitar pelo resultado. Seriam contabilizados como ativo se recuperáveis ou custo se não recuperáveis. Os débitos e créditos do IBS e da CBS transitariam apenas por contas patrimoniais, sem transitar o crédito por estoque, nem o débito por receita. IPI e ICMS-ST, calculados por fora, não aparecem na Demonstração do Resultado do Exercício (DRE), tampouco são dedutíveis na declaração de Imposto de Renda (IR). O mesmo deveria ser aplicado para o IBS e a CBS”, ressaltou a representante da Fiesp.

Entretanto, para os tributaristas que defendem a inclusão, o IBS e a CBS a serem recolhido (isto é, o que não for crédito nas entradas) entraria como redutor de receita bruta, como ocorre com ICMS, Cofins, PIS e ICMS. “O recolhimento afetaria o fluxo de caixa, que não é controlado em contas patrimoniais. O raciocínio pela não inclusão somente se aplicaria para IBS e CBS recuperável [ativo]”, ponderou Renata.

O fim da distinção entre receitas bruta e líquida

Segundo Coelho, as certezas de como o novo sistema funcionará e como isso afetará a contabilidade nas empresas serão sanadas durante o período de transição (de 2026 a 2033), mas acredita que antigos conceitos não farão mais sentido. “A contabilidade da empresa não será afetada pelo novo sistema, pois acompanhará a sua simplicidade. O IBS e a CBS não deveriam compor a base de cálculo da receita bruta das empresas. No novo sistema, os negócios apresentarão as receitas efetivas. Não existirão mais os conceitos de receitas bruta e líquida”, afirmou o pesquisador da FGV.

Esse é, talvez, o impacto mais significativo e simbólico da reforma para a contabilidade prática. E para entender isso, é preciso voltar ao sistema atual.

Sistema pré-reforma

Receita bruta de vendas: é o valor total das vendas, sem qualquer dedução.

Receita líquida de vendas: é a receita bruta menos itens como descontos incondicionais, devoluções, impostos diretamente incidentes sobre a venda (como ICMS, PIS e Cofins) e abatimentos.

A apuração dos impostos atuais, especialmente o ICMS, o PIS e a Cofins, está intrinsecamente ligada ao valor dessas receitas. A empresa precisa segregar esses valores para calcular corretamente o imposto a pagar. A contabilidade, portanto, é obrigada a manter essa distinção detalhada.

No novo sistema

Com a unificação dos tributos e a adoção do método de destinação-mercadoria, a base de cálculo do IBS e da CBS será, essencialmente, o valor agregado em cada operação. Simplificando, o imposto devido será calculado sobre o preço de venda, com direito a crédito pelo imposto pago na compra dos insumos, materiais e serviços.

Nesse contexto, a contabilidade não precisará mais segregar a “receita bruta da receita líquida” para apurar o principal imposto sobre consumo. O que importará para o Fisco será o valor da operação de venda e o valor das operações de compra para encontrar a base de cálculo (o valor agregado).

Essa simplificação também vai garantir que o imposto pago não seja retido pelo governo e sua alíquota usada como barganha para a guerra fiscal. “O governo federal não terá acesso ao dinheiro recolhido pelo IBS e pela CBS, pois o sistema fará a distribuição automática entre Estados e municípios. As empresas também não precisarão pagar imposto duplicado, porque a devolução [do crédito] será em tempo real. Por isso a guerra fiscal e as brigas judiciais para ter direito ao crédito vão acabar”, afirmou Coelho.

A Reforma Tributária, quando plenamente implementada, poderá trazer um respiro para a contabilidade empresarial, mas ainda precisa ser mais bem discutida e pacificada para refletir a flexibilização prometida. Ao eliminar a complexidade de múltiplos tributos e a necessidade de distinções — como receitas bruta e líquida para fins fiscais —, a reforma pavimenta o caminho para uma escrituração mais lógica e eficiente, bem como menos propensa a erros.

Segundo Márcio Olívio Fernandes da Costa, presidente do Codecon/SP — e do Conselho de Assuntos Tributários da FecomercioSP —, o órgão voltará a abordar o tema, que é de fundamental importância para o futuro da contabilização empresarial e para definir o protagonismo dos profissionais contábeis durante a transição entre sistemas.

Modernização do processo administrativo tributário

O grupo de trabalho do Codecon/SP deu andamento aos debates para a formulação de um anteprojeto de lei a fim de reformar a Lei 13.457/2009, que dispõe sobre o processo administrativo tributário no Estado de São Paulo. André Felix Ricotta de Oliveira, ex-juiz contribuinte do Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) da Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo (Sefaz/SP) e presidente da Comissão de Direito Tributário e Constitucional da OAB-Pinheiros, apresentou contribuições para tornar o texto do anteprojeto moderno, eliminando os pontos que geram questionamentos no Judiciário.

A expectativa é que o grupo de trabalho avance rapidamente na consolidação desse anteprojeto, que será submetido ao Codecon/SP para deliberação antes de seguir como proposta ao Executivo e ao Legislativo.

Revogação de benefícios do Nos Conformes

O Codecon/SP, em atendimento à deliberação aprovada, entregou, no dia 16 de setembro, um ofício ao secretário-executivo Rogerio Campos (em substituição ao secretário Samuel Kinoshita). O documento expressa profunda preocupação coma recente revogação de benefícios do programa Nos Conformes, formalizada pelo Decreto 69.808/2025 e pela Portaria SER 45/2025. O ofício ressalta que essas medidas prejudicam a competitividade das empresas e ferem a segurança jurídica dos contribuintes regulares, que representam a maioria.

Durante o encontro, também destacou-se a necessidade urgente de regulamentação dos dispositivos pendentes da Lei Nos Conformes, em especial a autorregularização fiscal para contribuintes classificados como A+ antes da aplicação de multas. Além disso, foi reforçada a recomendação para a tramitação da Lei Orgânica da Administração Tributária (LOAT). Campos, por sua vez, reconheceu o valor da legislação paulista, que serve de exemplo para outros Estados e para o governo federal. Informou ainda que o Fisco está realizando estudos para reformular os procedimentos simplificados de liberação de créditos de ICMS e ressarcimento no âmbito do Nos Conformes. Por fim, o conselho reafirmou a importância de um esclarecimento formal do Fisco à sociedade, ressaltando que a Lei Nos Conformes é um grande feito construído em parceria e não pode ter seus avanços perdidos.

7º Congresso Codecon

No dia 26 de novembro, na sede da FecomercioSP, acontecerá a 7ª edição do Congresso Codecon, com a presença de autoridades públicas, juristas, acadêmicos e outras figuras importantes. O evento colocará em pauta as perspectivas para o sistema tributário brasileiro nos próximos anos, especialmente o papel do Codecon/SP na conformidade tributária valorizando o bom contribuinte e enfrentando a contumácia. A grade de palestras será divulgada em breve. Acompanhe todas as novidades na página do Codecon/SP.

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Fonte Oficial: https://www.fecomercio.com.br/noticia/reforma-tributaria-inaugura-uma-nova-contabilidade-empresarial

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