Bárbara Kemp
Arquiteta e especialista em gestão de obras
Apesar da pressão constante de juros altos, a construção civil brasileira tem mostrado força e resiliência. A demanda por habitação, infraestrutura, varejo e saúde — especialmente fora dos grandes centros — segue firme. Mas o maior desafio hoje não é financeiro: é gestão. Em um cenário de margens apertadas, cada decisão errada cobra um preço alto. E o improviso, tão comum em muitos canteiros, está ficando caro demais para ser mantido.
O setor está se digitalizando. Drones com visão computacional, sensores de progresso, dashboards em tempo real e plataformas BIM com suporte de inteligência artificial já fazem parte da realidade de muitas obras. Mas é importante deixar claro: a tecnologia, por si só, não resolve nada. Ela só entrega valor quando existe estrutura, processo e equipe capacitada. A IA, por exemplo, não arruma bagunça — ela só funciona bem quando encontra ordem.
Na nossa experiência, o uso de plataformas digitais transformou a forma como acompanhamos obras. Com uma ferramenta própria de gestão, passamos a centralizar dados de produtividade, cronogramas e equipes em tempo real. Isso nos permitiu antecipar falhas que antes só apareciam na entrega. Tomamos decisões baseadas em padrões concretos, não em achismos. A consequência disso foi direta: menos desperdício, mais qualidade e mais controle.
Mas tudo isso só foi possível porque investimos — antes da tecnologia — em gente. Capacitação, treinamento prático e criação de uma cultura de análise de dados e governança. Sem isso, nenhuma plataforma funciona de verdade. A tecnologia é a engrenagem, não o motor.
O mesmo vale para ferramentas como o BIM, que hoje já evoluem com o apoio da inteligência artificial generativa. Elas nos ajudam a simular cenários, sugerir alternativas de layout, otimizar materiais e planejar com mais eficiência. Mas, de novo: não se trata apenas de projetar melhor, e sim de pensar estrategicamente com base em informação real.
A boa notícia é que a digitalização deixou de ser exclusividade das grandes. Empresas médias que antes operavam com planilhas e grupos de mensagens agora conseguem trabalhar com fluxos automatizados, indicadores e acompanhamento remoto. Isso não é apenas uma transformação tecnológica — é uma mudança de mentalidade. É deixar de reagir e passar a gerenciar com inteligência.
Ainda assim, a capacitação segue como um gargalo estrutural. Muitos profissionais têm receio da tecnologia, como se ela viesse substituir. Mas o objetivo é o contrário: dar mais ferramentas para que cresçam, evoluam e entreguem mais valor. A formação, no entanto, precisa ser contínua e aplicada. Teoria ajuda, mas é no dia a dia da obra que se aprende a usar uma solução de forma eficaz.
Outro ponto crítico é a segurança dos dados. Ao migrar nossa operação para plataformas digitais, passamos também a lidar com informações sensíveis — desde custos até cronogramas estratégicos. Isso exige políticas claras, níveis de acesso bem definidos e uma gestão atenta. Dados bem protegidos e bem utilizados se tornam ativos estratégicos, e não apenas “números no sistema”.
As perspectivas para os próximos anos são promissoras, mas seletivas. Os investimentos devem se concentrar em obras com retorno mais rápido e maior controle. A digitalização será um filtro natural: quem tiver dados organizados, processos padronizados e equipes preparadas sairá na frente.
A construção do futuro será mais analítica, colaborativa e conectada. Mas esse futuro só vai se materializar para quem começar agora — estruturando processos, formando pessoas e tratando a tecnologia como o que ela realmente é: um amplificador de boas práticas, e não uma solução mágica.