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Espero que os carros autônomos não peguem Brasil de surpresa, diz Ling

Carros autônomos já são uma realidade em cidades como San Francisco, na Califórnia (EUA) onde a Waymo opera com uma frota de táxis autônomos, com presença crescente na mobilidade local — em 15 meses, passaram de 0 a 22% de participação entre os meios de transporte. Hoje, a empresa realiza mais de 150 corridas semanais.

É uma perspectiva que deve ganhar projeção rápida em outros países, a questão é: será que o Brasil está preparado para mais essa revolução?

Na opinião de Anthony Ling, diretor da Évora S.A. e criador do site Caos Planejado, não. “O Brasil nunca fez essa reflexão sobre o papel do carro na mobilidade de uma forma madura”, argumenta. Em entrevista ao Better Future, podcast do Jornal do Comércio, Ling fala sobre o impacto dessa nova modalidade e como ela torna ainda mais desafiadora a realidade dos sistemas coletivos de transporte nas cidades.

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Mercado Digital – Depois de tantos anos, chegou, finalmente, o momento dos carros autônomos?

Anthony Ling — Por incrível que pareça, sim. Muitos de nós crescemos com essa visão do de futuro, de carros dirigindo sozinho. Lá por 2016, 2017 era um assunto que estava muito quente. E como demorou alguns anos para acontecer, parece que saiu um pouco da mídia, mas hoje é um dos assuntos mais transformadores para o mundo dos transportes. E espero que não nos pegue de surpresa aqui no Brasil. A Waymo (empresa da Alphabet que opera carros autônomos), já tem cerca de um terço de todas as corridas de aplicativos na região de San Francisco sem motorista. A gente vê o quanto isso já é parte do dia a dia e da realidade de centenas de milhares de pessoas. E essas empresas estão fazendo lançamentos muito agressivos nos Estados Unidos, agora que a tecnologia já está mais testada.

Mercado Digital – O Brasil está preparado para os carros autônomos?

Ling – O Brasil ainda não se deu conta do tamanho do impacto. Existe uma teoria de que, a cada grande revolução do transporte, a mancha urbana (dimensão da ocupação urbana de uma cidade) tem um aumento significativo de extensão. Imagina que, inicialmente, as pessoas andavam a pé ou a cavalo. Depois começaram a ter bondes que expandiram as manchas urbanas, depois carros que expandiram ainda mais. Se a gente tem uma viagem ultra barata, como as que são feitas por um carro elétrico sem motorista, é possível que as nossas cidades passem a ter um crescimento urbano muito mais espalhado no território, o que é ineficiente do ponto de vista de provisão de infraestrutura e, também, afeta os sistemas de transporte coletivo.

Mercado Digital – O que deveríamos estar fazendo como sociedade em relação ao impacto dessa tecnologia nas nossas cidades?

Ling — Primeiro, precisamos aumentar o nível de consciência, porque se isso já está operando com centenas de milhares de pessoas, não vai levar mais de alguns anos para chegar no Brasil. Até porque, por mais que seja necessário fazer testes, essas empresas têm tecnologias com as quais conseguem acelerar o processo de lançamento em novas cidades. Temos que entender qual é o papel do automóvel nas nossas cidades, porque, infelizmente, o Brasil nunca fez essa reflexão de uma forma madura. Um tema que a gente discute muito no Caos Planejado é que as nossas cidades foram planejadas para quem anda de carro, sendo que o carro é um veículo individual, particular, exclusivo, normalmente voltado para a população de renda mais alta. Ao longo dos anos, foram feitos muitos investimentos em infraestrutura para aumentar a capacidade viária e, assim, colocarmos mais carros na rua. Isso destruiu o tecido urbano das nossas cidades. E deixamos de incentivar todas as outras formas de transporte.

Quando a gente tem uma mega avenida para carros, certamente quem anda de ônibus, a pé ou de bicicleta sabe que é o ambiente mais hostil de todos para usar qualquer outra forma de transporte que não seja o carro. Se a gente tiver uma entrada de carros autônomos, é possível que no momento que a gente veja os carros andando totalmente vazios, a gente perceba o quão idiota é a gente fazer essa infraestrutura em benefício de um privado.

Mercado Digital  Muita vezes, atribuímos a solução para as cidades no uso da tecnologia. Mas, na maioria das vezes, a resposta está em fazer bem o que deve ser feito.

Ling – Sem dúvida. Essa narrativa das Smart Cities vem crescendo. Acho que até talvez a gente já tenha até tenha passado o boom disso. Muitos gestores públicos ficam seduzidos por essas ideias e investem recursos altos na adoção dessas tecnologias. Mas, para mudar a nossa cidade, a gente não precisa de nada tecnológico. Basta olhar quais são os maiores problemas, como o fato de termos uma parcela grande da população vivendo em habitações precárias, sem saneamento. Calçadas esburacadas, planos cicloviários parados. Aliás, a implantação de ciclovias para incentivar o transporte ativo e a arborização, por exemplo, são coisas bem básicas em termos tecnológicos. É muito mais uma questão de conscientização, priorização e de governança.

Mercado Digital – O que te levou a criar o Caos Planejado?

Ling — O Caos Planejado foi a evolução de um blog pessoal que eu tinha lá na época da faculdade. Eu me formei em arquitetura e urbanismo em 2011 e, por volta de 2009, comecei a me interessar muito por urbanismo e, na época, não tinha muitos veículos cobrindo o urbanismo de uma forma acessível para um estudante ou para um leigo. Existiam algunms papers, livros acadêmicos e a gente tinha a cobertura jornalística, que dificilmente conseguia captar alguns conceitos mais complexos — o urbanismo. Comecei a escrever como uma forma de estudar, para ter um repositório, como um exercício de aprendizado. Em 2014, decidi que era o momento de chamar outras pessoas para escrever ao meu lado, com uma linha editorial mais clara, voltada para ser essa plataforma sobre urbanismo e cidades com uma linguagem acessível que eu gostaria de ter acesso se eu fosse um estudante ou um leigo. 

Fonte Oficial: https://www.jornaldocomercio.com/colunas/mercado-digital/2025/09/1216742-espero-que-os-carros-autonomos-nao-peguem-brasil-de-surpresa-diz-ling.html

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