Calma lá, não adianta marcar uma sessão extra com seu psicanalista ou sair em busca de um se tem alguma decisão importante a tomar à frente dos seus negócios. O título é verdadeiro, porém não direto. Se precisa de uma resposta rápida, melhor desistir!
No entanto não tenho nenhuma dúvida que o divã é lugar ideal de onde podem se partir as melhores decisões para um empresário ou executivo. E afirmo isso sem ser corporativista ou defender uma postura centralizadora e ditatorial. O Santos não será salvo pelo Neymar e você não resolverá as questões da sua empresa sem uma equipe capaz de se entregar e entregar o melhor de si.
O espaço perfeito de onde se dirigir uma empresa é a sala de reuniões, bem como o melhor lugar para se vencer um jogo de futebol é sobre a grama, natural e bem cuidada de preferência, executando-se o que foi combinado e tendo a visão do técnico ou técnica para alterar o que não está dando certo no campo. Cabe ainda a ressalva que não estou defendendo reuniões enfadonhas e sem foco, muito menos aquelas que são apenas palco para o show de alguém.
SCHREBER – Não há menções de Freud ao atendimento a pessoas do mundo empresarial. No caso Schreber, que ele não atendeu diretamente, mas escreveu um dos relatos mais importantes, chega a se referir ao protagonista como presidente, mas era porque Daniel Paul Schreber era um importante jurista alemão que foi presidente do Tribunal de Apelação de Dresden. Esse caso foi fundamental para se falar sobre psicose paranoica, depois retomado por Lacan para reforçar a questão da foraclusão do Nome-do-Pai, conceito que parece complexo, é, mas pode ser entendido, no contexto desta coluna, como a exclusão ou rejeição radical do que permite a inclusão na estrutura psíquica da pessoa, de elementos da ordem simbólica e da regulação do desejo, dificultando assim a relação com a realidade e produzindo alucinações e delírios.
Quem nunca saiu de uma sala de reuniões perto do fechamento de um ciclo quando a meta está distante e o líder parece que perdeu a conexão com o concreto e delira? Diante da ameaça de perder posição de mercado, bônus, o próprio emprego, não é simples manter a sanidade. Não tenho dúvida alguma da enorme pressão que envolve as pessoas no mundo dos negócios. A economia e os mercados são capazes de trazer ventos e tempestades nos momentos mais indesejáveis. E mapear essa realidade e traçar soluções é uma capacidade rara, mesmo com toda a inteligência artificial a ajudar e a ameaçar.
Muitas vezes se apela às consultorias externas, mas defendo que um líder, na verdade uma diretoria analisada, pode até não garantir a liderança de mercado, mas que possibilita um ambiente mais saudável, afirmo com segurança. Todos sofrerão menos, mais próximos ao inevitável da existência humana.
É mesmo assim inevitável sofrermos? A psicanálise acredita que, espero que Freud nem seus mais sérios discípulos me excomunguem, no nosso processo constitutivo no mínimo daremos conta da nossa incompletude e precisamos aprender a lidar com o vazio, e que assumir nosso próprio desejo não é tão simples quanto parece, além de precisarmos do outro para nos constituirmos como indivíduos, e tantos outros conceitos importantes que não cabem por aqui. Isso causa sofrimento.
A receita para essa e outras condições decorrentes das interações com os seres que nos cuidaram, ou não, e outros que cruzam nossos caminhos não é tão objetiva quanto um remédio a ser tomado em doses corretas. E a medimentalização excessiva nas empresas está em todos os níveis. É preciso lidar com o que não conseguimos dar conta ao longo da vida e o quanto disso nem sequer está na nossa consciência.
HARMONIA – Quem se dispõe a passar por um processo analítico abre as portas de um caminho que permite maior alinhamento das expectativas, busca mais efetiva pelos reais desejos, maior enfrentamento de frustrações e uma interação mais madura com os outros. Apenas esses elementos já fariam uma baita diferença no ambiente de trabalho. Com isso em algumas pessoas, fica mais viável compor equipes complementares e capazes de funcionar perto da maior harmonia.
O publicitário Júlio Ribeiro em seu livro Fazer Acontecer, tinha um capítulo que falava sobre os chefes “Branca de Neve”, aqueles que faziam questão de se rodear com anões para não ver sua posição ameaçada. Quem já não teve um desses ou olhou para aquele homem ou aquela mulher na entrevista com medo de serem uma ameaça pessoal? As pessoas crescem, deixam de acreditar em histórias e contos de fada, mas nem sempre amadurecem. E isso é mais comum do que se gostaria.
No ambiente empresarial isso é um enorme desafio. Quem se deita no divã também está mais propício a ouvir críticas e ser confrontado. Não precisa nem colocar na porta da tal sala de reunião a frase o oráculo de Delfos: “Conhece-te a ti mesmo”, mas toda empresa precisa ter um Sócrates, se jogador, dando passes de calcanhar para alguém chutar para o gol, se filósofo, estimulando as pessoas a se conhecerem. E exemplo que vem de cima é mais fácil ser seguido.
MARCELO CANDIDO DE MELO
Escritor e psicanalista, é graduado e pós-graduado em administração pela EAESP-SP da FGV. Atuou na área de marketing de grandes empresas nacionais e multinacionais antes de empreender no mercado editorial. Sua editora alcançou bastante sucesso e foi adquirida por uma multinacional. Já escreveu 18 livros em seu nome ou como ghost-writer. Dá atenção especial à produção ficcional. Também já fez roteiro de documentário. Nos últimos anos mergulhou numa formação em psicanálise e desenvolve atividade clínica.
Fonte Oficial: https://agenciadcnews.com.br/artigo-por-marcelo-candido-de-melo-diva-o-melhor-local-de-onde-se-dirigir-uma-empresa/