Por Jorge Matsumoto e Gisela da Silva Freire*
A modernização das formas de contratação no Brasil não pode retroceder. A crescente adoção da prestação de serviços por meio de pessoa jurídica — a chamada “pejotização” — tem se mostrado uma realidade concreta e legítima do mercado de trabalho brasileiro, exigindo reflexões técnica, jurídica e econômica, livres de estigmas ideológicos.
A percepção da elevada carga tributária sobre a folha de salários e os limites da CLT quanto à adoção de formas contratuais mais flexíveis tem levado diversas empresas, em especial dos setores dos Serviços e do Comércio, a buscarem alternativas compatíveis com a realidade econômica atual, com amplo potencial de geração de oportunidades de trabalho e renda.
Cenário econômico e realidade empresarial
A interpretação muitas vezes enviesada da CLT pelo Judiciário Trabalhista — ainda que sob o argumento de proteção ao trabalhador — e o peso dos encargos estão entre os fatores que impulsionaram a modernização das relações laborais promovida pela Reforma de 2017. A partir dela, foram incorporadas ferramentas que permitem aos negócios adotarem formas contratuais alternativas capazes de propiciar competitividade e sobrevivência econômica, especialmente nos setores do Comércio e dos Serviços. Precarização? Não necessariamente. A contratação por meio de CNPJ proporciona mais agilidade, flexibilidade para lidar com demandas sazonais e redução de custos — fatores decisivos para os negócios que operam com margens estreitas e em mercados altamente voláteis.
Profissionais qualificados também encontram, nessa forma contratual, a liberdade para negociar valores, horários e clientes, sem as amarras impostas pelo vínculo celetista. Essa realidade não representa uma fuga da lei, mas uma reação à sua defasagem diante de uma economia cada vez mais digital, dinâmica e globalizada. Nem toda relação laboral se encaixa na CLT. Ainda assim, há grande resistência a esse modelo por parcela do Judiciário Trabalhista, que enxerga a contratação de pessoas jurídicas sob a óptica da fraude, mesmo quando não comprovados os elementos típicos da relação de emprego.
É preciso uma regulação equilibrada, que reconheça a diversidade dessas relações e permita que empresas atuem com segurança jurídica e competitividade. Bem por essas razões, acompanha, com atenção e responsabilidade, os debates sobre a pejotização que tomaram conta do Judiciário, acirrando a polarização de teses entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior do Trabalho (TST).
A legalidade da pejotização: julgamentos e teses
O STF está desempenhando um papel central e relevante na consolidação jurídica da contratação por PJ. Diversas decisões e teses foram firmadas no sentido de reconhecer a validade dessa forma de contratação, desde que não caracterizada fraude ou simulação de vínculo empregatício:
- Tema 725/STF: declarou lícita a terceirização entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social, mantendo-se a responsabilidade subsidiária da empresa contratante;
- ADPF 324: reconhece a constitucionalidade da terceirização irrestrita de atividades, incluindo as atividades-fim;
- ADC 48 e ADI 5.625: validam os contratos civis de prestação de serviços em setores específicos (como salões de beleza e transportadores autônomos de carga), desde que atendidos os requisitos legais.
Atualmente, tramita no STF o Tema 1.389 da Repercussão Geral, que trata da competência da Justiça do Trabalho para julgar fraudes em contratos civis e da licitude da contratação de autônomos e prestadores de serviços por pessoas jurídicas à luz dos precedentes acima.
Para prevenir decisões conflitantes sobre o tema e contribuir para a segurança jurídica, a Suprema Corte determinou a suspensão nacional de todos os processos que discutem essa matéria, até o julgamento definitivo, cujo pronunciamento vinculará todas as instâncias do Poder Judiciário. A iniciativa busca pacificar a questão e oferecer alguma previsibilidade para as empresas e para os profissionais, diante do aumento de passivos trabalhistas, mesmo em situações contratuais legítimas e amparadas por fundamentos jurídicos sólidos.
Panorama estatístico: crescimento das demandas
Os números demonstram o aumento significativo das reclamações constitucionais relacionadas à contratação de PJs. Dados do STF indicam que, em 2017, foram distribuídas apenas 28 reclamações constitucionais discutindo vínculo de emprego. Em 2025, esse número já chega a 498 — um aumento de 1.678% em apenas oito anos, reflexo da crescente insegurança jurídica enfrentada por empresas e da judicialização excessiva das relações contratuais firmadas entre pessoas jurídicas.
As questões atingem diretamente o cotidiano de vários setores, que têm adotado modelos de contratação diversos da CLT, de forma responsável e legítima, por considerá-lo mais adequado e por oferecer mais liberdade, autonomia e melhor remuneração pelos serviços prestados. É fato, contudo, que ainda que se beneficiando das vantagens oferecidas pelo modelo de contratação por pessoa jurídica, alguns desses profissionais recorram ao Judiciário, após o encerramento do contrato, para reivindicar as proteções celetistas, sob alegação de fraude contratual mesmo tendo celebrado o instrumento sem qualquer vício de consentimento, reserva mental, coação ou simulação que pudesse comprometer suas validade e eficácia jurídicas.
Desafios processuais: segurança jurídica e competência
Quando a validade desses contratos é questionada perante o Judiciário, um dos principais impasses é a definição da competência para julgamento desses casos: Justiça do Trabalho ou Justiça comum? A indefinição quanto a esse ponto contribui para ampliar a insegurança jurídica e fomenta a judicialização. E foi justamente o crescimento expressivo das reclamações constitucionais envolvendo a discussão sobre vínculo de emprego que levou o STF a determinar a suspensão nacional dos processos que discutem a pejotização e encaminhar a formulação de uma tese de repercussão geral com efeito vinculante, com o objetivo de decidir se vínculos formais, como associação ou prestação de serviços, podem ser reclassificados como emprego, nos moldes do que dita a CLT.
A definição da modalidade contratual deve ocorrer em um ambiente de liberdade econômica, considerando a natureza da demanda por serviços e elegendo-se, dentre as diversas hipóteses contratuais válidas, aquela que melhor se adapte à realidade fática. Para cada tipo de relação laboral, há um adequado instrumento contratual, ao qual as partes devem se vincular com base no princípio da boa-fé objetiva, tal como se dá nas relações civis em geral. As condições ajustadas como fruto da autonomia privada devem ser respeitadas, afastando-se a presunção automática de fraude na contratação de serviços por PJ. Trata-se, sim, de uma opção legítima que pode atender, de forma eficiente e equilibrada, aos interesses de ambas as partes: contratantes e contratados.
Por uma regulação realista e inclusiva
O que se espera dos atores sociais é contribuir para um ambiente regulatório equilibrado, sem retrocessos, no qual as empresas possam prosperar e os profissionais tenham autonomia para escolher a forma em que se dará a prestação de serviços.
Em uma conjuntura de negócios minimamente competitiva — seja no contexto interno, seja no contexto externo —, é fundamental que a solução do Tema 1.389 pela Suprema Corte e seus reflexos nos diversos setores da economia não sejam percebidos como mais um fator de desestímulo à atividade empresarial. Isso se soma aos entraves já diuturnamente encarados pelas empresas, como a pesada oneração da folha de pagamento, a ainda elevada carga tributária, a guerra tarifária na importação e exportação, os juros altos, a inflação persistente e o câmbio desfavorável, entre outros fatores que desafiam a sustentabilidade da atividade produtiva no Brasil.
É tempo de reconhecer que a realidade do trabalho mudou — e a legislação precisa acompanhar essa transformação. Cabe aos Poderes da República garantirem as condições para que o País avance, superando os conceitos laborais da década de 1940 e adotando marcos regulatórios compatíveis com as dificuldades e os ensejos do presente. Só assim o Brasil poderá ocupar, com protagonismo, o seu lugar na história que se escreve agora.
* Jorge Matsumoto e Gisela da Silva Freire são membros do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da FecomercioSP.
Artigo originalmente publicado no portal JOTA em 10 de julho de 2025.
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Fonte Oficial: https://www.fecomercio.com.br/noticia/o-modelo-pj-em-foco-modernizacao-das-relacoes-de-trabalho-sob-uma-perspectiva-pragmatica