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ARTIGO, por Marina Ferreira: “Conselhos precisarão tomar decisão com ajuda de IA”

A atuação dos conselhos de administração está passando por uma transformação silenciosa, mas profunda. Se antes bastava estar bem informado com base em relatórios técnicos e pareceres de especialistas, hoje, começa a surgir uma nova expectativa – e, em breve, uma exigência: o uso estratégico da inteligência artificial (IA) como parte do dever de diligência dos conselheiros. O dever fiduciário de um conselheiro exige que ele atue com diligência e boa-fé, tomando decisões com base em informações adequadas. Tradicionalmente, isso significava ouvir especialistas humanos, desafiar premissas e revisar relatórios. No entanto, esse padrão está mudando rapidamente. Muito em breve, será difícil alegar que uma decisão foi bem informada sem o apoio de uma IA, especialmente se empresas concorrentes já estiverem utilizando essas ferramentas como parte do processo decisório.

O valor da IA está em atuar como instrumento de provocação, revisão e enriquecimento da análise estratégica. Temos exemplos práticos disso, um conselho de uma empresa utilizou a IA para redigir, em tempo real, versões positivas e negativas de uma nota à imprensa sobre uma decisão delicada. Ao se depararem com a manchete negativa projetada pela IA, os conselheiros foram naturalmente levados a revisar suas premissas e reforçar sua análise de risco reputacional. Esse tipo de exercício evidencia como a IA pode desafiar o pensamento de grupo (groupthink), um dos riscos mais bem documentados em conselhos de administração.

Se o uso de IA parecia, até pouco tempo, algo experimental ou restrito às áreas de tecnologia, isso já não é mais verdade. Hoje, a maioria dos líderes C-level e membros de conselho com quem conversamos tem algum projeto de IA em andamento sobre sua mesa. São pilotos, POCs, diagnósticos, mapeamentos – iniciativas que mostram que a transformação está em curso. Mas, isso também traz um novo dilema: como priorizar? Quais projetos devem avançar, ser expandidos ou interrompidos? E, mais importante: com base em que critérios essas decisões estão sendo tomadas? O papel do conselho aqui não é técnico, mas estratégico: garantir que os projetos de IA estejam alinhados aos objetivos de longo prazo da empresa e que estejam sendo tratados com seriedade, não como modismos.

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Nesse novo contexto, surgem também novas perguntas sobre competência e perfil profissional. Se a IA vai transformar a forma como trabalhamos, decidimos e competimos, o capital humano passa a ser o driver central dessa jornada. É ele que define a velocidade e a profundidade da transformação. Por isso, o conselho deve se perguntar: a liderança da empresa está preparada para lidar com essas ferramentas? A organização está investindo em reskilling e formação de novos perfis críticos? Há espaço e segurança psicológica para testar, errar e aprender com a IA? E estamos contratando e desenvolvendo pessoas com a mentalidade e as competências certas? A governança de talento passa a ser tão relevante quanto a governança tecnológica.

A decisão de adotar IA não é mais sobre tecnologia ou custo – mas, sobre maturidade organizacional. Uma empresa pode comprar a melhor solução do mercado, mas se não houver processos, cultura e pessoas preparadas, os ganhos serão limitados (ou inexistentes). Cabe ao conselho levantar uma pergunta essencial: como a empresa está se preparando para isso – e como estamos preparando as pessoas para lidar com o que virá? Essa pergunta não deve ser respondida apenas pelos times de RH ou TI. Ela deve estar na pauta do comitê de pessoas, do comitê de inovação, da presidência. Afinal, não se trata mais de um projeto – e sim de um novo capítulo da estratégia corporativa.

A introdução da IA também traz uma mudança na forma de abordar problemas. Enquanto o ser humano parte de uma hipótese (“Devemos abrir uma nova loja da marca neste bairro?”), a IA opera por reconhecimento de padrões: ela cruza milhares de dados e identifica correlações que um especialista humano não perceberia. É o caso, por exemplo, de modelos que podem prever o sucesso de um IPO não apenas com base em fundamentos financeiros, mas considerando também fatores não intuitivos, como o vocabulário usado nas redes sociais, ou até a aparência dos CEOs. Por isso, uma boa decisão estratégica no conselho será, cada vez mais, o encontro entre o raciocínio causal humano e o raciocínio indutivo da IA.

PRIMEIRO PASSO – Se muitos conselhos ainda estão a margem dessa transformação, é compreensível. Existe uma percepção de que IA é técnica demais, complexa demais. E é importante ressaltar que não se espera que conselheiros programem algoritmos, e sim que compreendam como a IA pode ser usada de forma inteligente e específica para o contexto da empresa. Nesse cenário, o secretário de governança ou o time de apoio ao conselho pode (e deve) atuar como um catalisador, identificando casos de uso em que a IA possa:

Ajudar na preparação para reuniões (resumos de materiais extensos);mapear argumentos em decisões complexas; simular reações de stakeholders (clientes, mídia, reguladores);otimizar o tempo de discussão a partir de análises prévias dos temas. A pergunta-chave a se fazer é: “Onde, no nosso contexto, a IA pode ampliar a qualidade ou a eficiência do processo decisório?” A resposta a essa pergunta vem antes da escolha da tecnologia.

O conselho do futuro – mais estratégico, mais diligente e mais eficiente – começa agora. E ele começa com perguntas melhores, formuladas por pessoas preparadas para integrar o melhor dos dois mundos: o humano e o artificial.

Por fim, três mensagens-chave ficam claras:

  1. Não fique para trás: o uso de IA no conselho tende a se tornar padrão de mercado – e não usá-la pode se tornar um passivo legal ou competitivo.
  2. Pense em complementaridade: boas decisões virão do equilíbrio entre a intuição e a experiência humana com a análise robusta e imparcial da IA.
  3. Comece pelo seu dado e pela sua pergunta: a IA certa depende da realidade da sua organização. Entenda seus dados, defina o que quer responder – e só então busque a solução.

MARINA FERREIRA
Senior Client Partner da Korn Ferry, formada em engenharia na Universidade Federal do Rio de Janeiro e com passagens pelo Itaú BBA e PwC Brasil.

Fonte Oficial: https://agenciadcnews.com.br/artigo-por-marina-ferreira/

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