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ARTIGO, por Vitoria Saddi: “O impacto das tarifas de Trump na economia brasileira”

A discussão sobre tarifas comerciais é antiga, e ganhou novos contornos em 2025 com a reintrodução de barreiras tarifárias pelos Estados Unidos sob o governo Trump. Para compreender essa decisão e seus efeitos sobre economias como a brasileira, é fundamental revisitar dois marcos teóricos: a teoria das vantagens comparativas, de David Ricardo, e a exceção conhecida como ‘indústria nascente’.

David Ricardo, economista britânico (1772-1823), defendia que os países deveriam se especializar na produção daqueles bens em que são relativamente mais eficientes – ou seja, com menor custo de oportunidade. Essa especialização, segundo ele, maximiza a eficiência global e traz benefícios para todos por meio do livre comércio. Ricardo foi um forte opositor das Corn Laws – tarifas protecionistas aplicadas ao trigo importado na Inglaterra – por considerar que tais barreiras favoreciam uma minoria de produtores locais às custas de toda a população, que acabava pagando mais por alimentos básicos. Sua visão influenciou decisivamente a abolição das Corn Laws em 1846 e moldou a tradição liberal do comércio internacional.

Apesar dos argumentos em favor do livre comércio, existe uma exceção historicamente aceita: a proteção temporária à chamada indústria nascente. Essa ideia propõe que setores industriais jovens, ainda não competitivos em relação aos rivais estrangeiros, precisam de tempo e proteção para se desenvolver, reduzir custos e alcançar escala. Uma vez maduros, esses setores poderiam competir internacionalmente sem a necessidade de tarifas. Esse argumento é frequentemente invocado por países em desenvolvimento, mas também pode ser usado por economias avançadas quando enfrentam desindustrialização ou ameaças geopolíticas.

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AJUSTE ESTRUTURAL – Em abril de 2025, o governo Trump reintroduziu tarifas sobre uma ampla gama de produtos industriais e agrícolas importados pelos Estados Unidos. A justificativa central foi a tentativa de reduzir o déficit comercial estrutural do país. Desde 2010, o Passivo Externo Líquido (PEL) americano cresceu de forma preocupante, ultrapassando os US$ 27 trilhões em 2024. Esse quadro reflete uma crescente dependência dos EUA de capitais estrangeiros para financiar seu consumo e seus desequilíbrios fiscais. As tarifas foram, portanto, apresentadas como um instrumento de ajuste estrutural: reduzir importações, incentivar a produção doméstica (o chamado reshoring) e proteger setores considerados estratégicos para a segurança nacional e tecnológica dos EUA.

Ainda que o Brasil não estivesse entre os principais alvos das tarifas de Trump, os efeitos sobre a economia brasileira foram significativos. Setores como aço, alumínio, carne e alimentos processados foram diretamente prejudicados. Com a imposição de tarifas, esses produtos irão perder competitividade no mercado americano, o que deverá afetar as exportações brasileiras e pressionar negativamente o crescimento econômico e o emprego. Embora alguns exportadores devam buscar redirecionar seus produtos para outros mercados, como Ásia e União Europeia, a transição é complexa e exige adaptação logística e comercial.

Os efeitos indiretos também são amplos. A incerteza internacional aumentou a volatilidade no câmbio, o que levou à valorização do dólar e ao encarecimento de produtos importados no Brasil. Essa dinâmica poderá pressionar a inflação interna e exigir maior cautela da política monetária. Além disso, empresas brasileiras com grande exposição ao mercado americano sofreram perdas na bolsa de valores, enquanto indústrias que dependem de insumos dos EUA registraram aumento de custos, afetando sua margem de lucro.

Diante desse cenário, o Brasil foi compelido a adotar uma postura mais estratégica em sua política comercial. Entre as respostas possíveis estão a intensificação das negociações diplomáticas bilaterais, a diversificação de mercados e produtos, o fortalecimento do Mercosul e o incentivo à inovação tecnológica. Além disso, políticas industriais de médio e longo prazo passaram a focar em agregar valor às exportações, com o objetivo de reduzir a dependência de commodities e aumentar a resiliência diante de choques externos.

As tarifas de Trump em 2025 reabriram um debate clássico entre livre comércio e protecionismo. Enquanto os princípios de Ricardo seguem relevantes, o caso americano mostra como preocupações estruturais – como déficits externos persistentes e desindustrialização – podem justificar políticas de exceção, como a proteção à indústria nascente. Para países como o Brasil, o desafio é responder com inteligência, adotando medidas que combinem defesa de interesses nacionais com inserção competitiva no comércio global.

VITORIA SADDI
Country manager no Brasil da VT Markets. Atuou em cargos estratégicos e de liderança no JP Morgan, Roubini Global Economics, Salomon Brothers e Queluz Asset Management em Nova York, Londres e São Paulo. Foi economista-chefe para a América Latina no Citibank. Como professora, lecionou na University of Southern California. Mestre em economia pela FGV-SP e doutora em economia pela University of Southern California.

Fonte Oficial: https://agenciadcnews.com.br/artigo-por-vitoria-saddi-o-impacto-das-tarifas-de-trump-na-economia-brasileira/

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