A FecomercioSP entende ser inconstitucional a retirada de benefícios tributários do Perse, cujo o prazo de vigência vai até o início de 2027. (Arte: TUTU)
Por Guilherme Dietze*
A vida do empresariado brasileiro é, sabidamente, uma verdadeira montanha-russa, cheia de aventuras, muito em razão dos desafios que o País, sobretudo o governo, impõem no dia a dia. No entanto, há desafios desnecessários — e o turismo nacional tem convivido, ao longo deste ano, com um em especial: a possibilidade do término do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), projeto de recuperação dos setores de eventos e turismo.
No apagar das luzes de 2023, o governo edita uma medida provisória (MP 1.202) que objetiva terminar o benefício da isenção do pagamento de tributos federais até 2027 para 44 setores beneficiados pela lei aprovada em 2021 (Lei 14.148). Desde o primeiro dia deste ano, as associações e empresas afetadas estão se mobilizando a todo custo para barrar essa MP, buscando a volta do programa no modelo original.
Certamente, já são centenas de milhares de reais gastos para idas semanais à Brasília, ao Congresso Nacional, em mobilizações com parlamentares, para audiências públicas, entre outras ações — recursos esses que deveriam ser direcionados a investimentos, contratações etc. Já foram três meses de muita angústia e apreensão, e o que mudou? Algumas poucas coisas, mas o impacto negativo disso é que traz ainda mais insegurança e instabilidade ao setor. Por um lado, houve a prorrogação por mais 60 dias da medida. Por outro, o governo enviou ao Congresso uma nova redação em um projeto de lei (PL 1.026), de 2024, de autoria do deputado José Guimarães (PT/CE), que diminui de 44 para 12 setores beneficiados e ainda objetiva uma volta gradual à cobrança dos impostos federais. Ao mesmo tempo, algumas empresas e associações entraram com liminares judiciais para manter o benefício do Perse que, em um primeiro momento, houve deferimento por parte dos juízes, como foi o caso do Sindetur-SP. Contudo, na segunda instância, uma decisão de suspensão da liminar de uma maneira similar aos demais casos.
Há de se deixar claro que a defesa dos direitos empresariais nas casas legislativas, tratada como lobby, é altamente devida e importante. Entretanto, há disputas inglórias e desnecessárias, até porque a Lei do Perse, de autoria do deputado Felipe Careiras (PSB/PE), foi amplamente discutida e aprovada pelo Congresso Nacional em 2021. Mudanças repentinas na regra do jogo e sem um embasamento sólido, só trazem prejuízos e mais inseguranças jurídica e econômica.
Setores altamente impactados
Qual seria o objetivo principal do governo ao enviar a MP no fim do ano passado? Reduzir a renúncia fiscal para colaborar na arrecadação e, por consequência, conseguir atingir o equilíbrio fiscal, ou o déficit zero em 2024. A Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) é, sem dúvida, totalmente favorável a pôr as contas públicas em ordem, mas não pode ser necessariamente uma força unilateral de aumentar somente a receita sem lutar, em um compasso ainda maior, para a redução de despesas e para a maior eficiência nos gastos públicos. A modernização do Estado deve ser uma política estatal, e não de governo (!).
Tampouco é razoável retirar benefícios dados — e no meio do caminho — a setores que foram altamente impactados pela pandemia. De acordo com os dados da FecomercioSP, o turismo perdeu 40% do faturamento entre março de 2020 e fevereiro de 2021, na comparação com o mesmo período anterior. Em termos absolutos, já corrigidos pela inflação, foram quase R$ 90 bilhões em perdas. Embora 2023 tenha sido um ano de muita celebração, com um crescimento nacional de quase 8%, o faturamento anual de R$ 190 bilhões ainda é inferior aos R$ 208 bilhões do exercício de 2019. Sem falar ainda que se trata de receita, e não resultado financeiro. É sabido que os custos aumentaram demasiadamente e vem afetando os ganhos nos últimos anos, não aliviando os empresários do setor.
Nesse sentido, cai por terra a argumentação posta de que os setores de eventos e turismo não precisam mais de ajuda, insinuando que os níveis de atividade já regressaram ou superaram os valores pré-pandêmicos. Outro questionamento é a respeito de a renúncia ter sido muito superior ao esperado. Em um primeiro momento, o governo falou em R$ 17 bilhões, enquanto a iniciativa privada, com estudos contratados de consultorias renomadas, indicava algo em torno de R$ 7 bilhões. Ao abrir os números, verificou-se um tamanho intermediário, de R$ 13 bilhões.
De fato, houve um número importante de empresas que aproveitou a oportunidade e mudou (ou ampliou) os códigos de atividade econômica para os que estão contemplados pela lei a fim de usufruir dos benefícios — inclusive algumas delas não têm relação alguma com o turismo. Mas cabe aos órgãos fiscalizadores o poder de investigar, verificar e punir os casos de aproveitamento indevido do Perse, não prejudicando a ampla maioria que realmente o necessita.
Insegurança econômica
A partir do momento que a MP foi editada, as empresas imediatamente passaram a revisar os planejamentos financeiros de investimentos e de quitação de dívidas, dados os compromissos contraídos durante a pandemia para manter o negócio ativo — quando, em muitos casos, estavam impossibilitados de operar — e para manter o quadro de funcionários por um tempo prolongado.
E caso o novo PL seja aprovado da maneira como está, 32 setores saem imediatamente do benefício e voltam a pagar integralmente os tributos federais, impactando agressivamente os caixas das empresas, os quais estavam planejados para outro cenário. Uma insegurança econômica sem tamanho.
O Perse, necessário essencial, tem o prazo de vigência determinado até o início de 2027. Assim, a FecomercioSP também entende que, segundo o Código Tributário Nacional (CTN), e por decisões já determinadas no Supremo Tribunal Federal (STF), é inconstitucional a retirada de benefícios tributários quando há um período determinado. Mas o Brasil é uma montanha-russa: mesmo diante de indicações claras que, judicialmente, o que estão tentando fazer é inconstitucional, não é o suficiente para acabar com a discussão. A batalha seguirá no Congresso Nacional para derrubar a MP 1.202 e alterar o texto do PL 1.026. A Federação seguirá na luta para manter o texto original do programa, com a integralidade dos setores e com a renúncia dos tributos federais até 2027. Qualquer ponto fora disso deve ser inaceitável, pois, além de não ser justo com os segmentos que mais sofreram durante a pandemia, trará consequências financeiras incalculáveis, prejudicando diretamente investimentos e potenciais contratações.
Infelizmente, serão mais meses de gastos com viagens, discussões e manutenção das incertezas para uma discussão, desnecessária e inglória, que nem sequer era para existir para o setor, o qual deveria estar focado nos próprios negócios e na operação do dia a dia; ao passo que o governo, por sua vez, deveria fazer o dever de casa ao cortar gastos e buscar formas de ampliação dos investimentos públicos para a melhoria da infraestrutura do turismo nacional, inclusive para ajudar essas empresas que estão no Perse a obter um desempenho ainda melhor.
#FICAPERSE
*Guilherme Dietze é economista e presidente do Conselho de Turismo da FecomercioSP.
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Fonte Oficial: FecomercioSP