As mudanças no setor elétrico são uma das mais amplas atualizações regulatórias das últimas décadas
Por Cristiane Cortez e José Goldemberg*
As mudanças no setor elétrico introduzidas pela Lei 15.269/25 são uma das mais amplas atualizações regulatórias das últimas décadas, redefinindo regras, responsabilidades e mecanismos de mercado. Resultado da conversão da Medida Provisória (MP) 1.304/25, a nova norma altera 21 leis e busca modernizar o marco legal do setor elétrico e do gás natural, com foco em segurança energética, modicidade tarifária e eficiência sistêmica.
A abertura total do mercado livre é um dos pilares da lei, estabelecendo etapas para que todos os consumidores de baixa tensão possam escolher o próprio fornecedor de energia — os industriais e comerciais, a partir de novembro de 2027, e os demais, após um ano. Para garantir estabilidade durante a transição, foi criado o serviço de suprimento de última instância, fiscalizado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), assegurando atendimento em situações emergenciais. A norma também redefine o conceito de autoprodutor e ajusta critérios de equiparação, trazendo mais clareza às responsabilidades dos agentes.
No campo econômico, a lei promove ajustes na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), impondo um teto para despesas repassadas aos consumidores, com valores de 2025 atualizados pelo IPCA, além de novos critérios de rateio que reduzem distorções entre níveis de tensão e consumidores dos ambientes regulado (ACR) e livre (ACL).
A norma também introduz medidas concorrenciais para enfrentar pendências de liquidação no mercado de curto prazo, permitindo que recursos recuperados sejam direcionados à redução de tarifas. Ao mesmo tempo, regulamenta o armazenamento de energia, incluindo baterias e soluções hidráulicas, reconhecendo o seu papel estratégico para a flexibilidade e a confiabilidade do sistema. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) passa a ter atribuições ampliadas nesse campo, conduzindo estudos e atividades relacionadas ao armazenamento hidráulico.
No setor de gás natural, a lei fortalece a atuação da Pré-Sal Petróleo S/A (PPSA) e da Petrobras na gestão do gás da União, além de aprimorar regras de comercialização e incentivar o aproveitamento da produção nacional. Os vetos presidenciais revelam que grande parte das apreensões das entidades, como a FecomercioSP, foi atendida, mas outras — como postergação de descontos tarifários, prorrogação de térmicas a carvão e amplitude de incentivos fiscais — continuam como pontos de atenção. A compensação aos geradores afetados por cortes de geração (curtailment) por razões elétricas, por meio de veto parcial, foi limitada apenas ao período entre setembro de 2023 e novembro de 2025, condicionada à desistência de ações judiciais.
Importante lembrar que, recentemente, a Lei 15.235/25, conversão da MP 1300/25, com mudanças na tarifa social, projetam um impacto de R$ 3,6 bilhões anuais para o custo da CDE, recaindo, assim, sobre os outros consumidores do ACR. A isenção da CDE para parte do CadÚnico e os descontos para unidades rurais igualmente fortalecem a inclusão social e estimulam atividades produtivas. É positivo o rateio dos custos da geração nuclear entre todos os consumidores do Sistema Interligado Nacional (SIN). Já a repactuação das dívidas de hidrelétricas tende a melhorar as finanças de geradoras e favorecer investimentos, mas pode afetar o custo da energia e a renovação de concessões.
De modo geral, as novas leis promovem avanços importantes ao modernizarem a estrutura regulatória, ampliarem a liberdade de escolha dos consumidores e aprimorarem instrumentos de planejamento e tarifação. Ainda assim, a efetividade dependerá diretamente da regulamentação complementar e do acompanhamento contínuo dos reflexos econômicos e operacionais no setor elétrico brasileiro.
* José Goldemberg é ex-ministro do Meio Ambiente e presidente do Conselho de Sustentabilidade da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP); Cristiane Cortez é assessora do mesmo Conselho.
Artigo originalmente publicado no jornal Diário do Comércio em 16 de dezembro de 2025.
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Fonte Oficial: https://www.fecomercio.com.br/noticia/mercado-livre-para-todos-como-fica-a-energia-no-brasil