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Regulação digital em prol da inovação

Por Rony Vainzof*

A dinâmica de poder global é representada por tecnologias emergentes que funcionam como infraestrutura de competitividade: Inteligência Artificial, semicondutores, redes ultrarrápidas, computação quântica, biotecnologia, dados e cibersegurança. Esses vetores determinam, cada vez mais, a posição dos países na disputa geoeconômica.

O Global AI Index da Tortoise (2024/2025) sintetiza esse movimento ao medir o compromisso e a capacidade de 83 países em desenvolver e aplicar IA. A liderança de Estados Unidos, China, Cingapura e Reino Unido indica onde o futuro está sendo construído, enquanto o Brasil, na 30ª posição, evidencia o tamanho do desafio competitivo que enfrentamos em termos de investimento, inovação, implementação, talento, infraestrutura, pesquisa e estratégia governamental.

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Esse contexto exige repensarmos e reconfigurarmos a regulação digital, analisando pontos de convergência e tensão entre marcos legais e políticas públicas voltadas à inovação. No paradigma contemporâneo, a regulação deixa de ser apenas “freio” que limita condutas para assumir também o papel de “motor” capaz de orientar investimentos, estruturar incentivos e oferecer segurança jurídica, elementos essenciais para um ambiente propício ao avanço tecnológico e ao desenvolvimento socioeconômico, sem perder de vista a garantia de direitos fundamentais.

A definição do momento ideal para regular tecnologias emergentes, seja ex ante ou ex post, está no coração do trade-off entre inovação e proteção de direitos.

No modelo ex post, a regulação só surge após a tecnologia demonstrar, na prática, seus impactos sociais e de mercado. Isso reduz o risco de frear inovações ainda pouco compreendidas e garante que as regras sejam baseadas em evidências reais. O ponto crítico é que a intervenção tardia pode cristalizar monopólios e danos relevantes a direitos fundamentais. Já no modelo ex ante, salvaguardas são definidas e prescritas desde o início no próprio desenho ou uso das tecnologias, com grande risco de engessar investimentos e impor custos prematuros, além de criar normas rapidamente superadas pela velocidade da evolução tecnológica (obsolescência regulatória).

Diversas economias buscam calibrar esse trade-off. A União Europeia acaba de lançar a proposta do Digital Omnibus, iniciativa que revisa, entre outros, o Regulamento Geral de Proteção de Dados e o AI Act para simplificar o arcabouço digital e reduzir custos regulatórios (busca gerar até €5 bilhões em economia administrativa até 2029), reconhecendo que o excesso de normas vem prejudicando competitividade, conforme relatórios Draghi e Letta. Os Estados Unidos mantêm abordagem pró-inovação e baixa intervenção, com regulação setorial e fragmentada, distribuída entre reguladores como FTC, FCC, SEC e FDA e legislações estaduais como o California Consumer Privacy Act, priorizando fluidez de mercado e evitando rigidez que possa comprometer seu domínio tecnológico. A China, por sua vez, adota intervenção intensa, alinhando tecnologia a objetivos estatais, inclusive com exigências amplas de dados e supervisão algorítmica, muitas vezes em detrimento de liberdades individuais nos moldes ocidentais.

No Brasil, a trajetória regulatória inclui o Marco Civil da Internet (2014), com sua importante abordagem principiológica para regular a Internet, e a Lei Geral de Proteção de Dados (2018), que alinhou o país às melhores práticas internacionais e viabilizou a geração de valor a partir da circulação responsável de dados pessoais. A aprovação do ECA Digital, em 2025, representa outro importante e inovador avanço na proteção de crianças e adolescentes online, embora sua efetividade dependa de ajustes regulatórios, institucionais e operacionais ainda em curso.

Nesse momento, duas agendas são centrais para o futuro do país: cibersegurança e inteligência artificial.

EUA e China lideram o Global AI Index da Tortoise (2024/2025), enquanto o Brasil ocupa a 30ª posição, o que evidencia o tamanho do desafio competitivo que o país enfrenta em termos de investimento, inovação, talento, infraestrutura, pesquisa e estratégia de governo

Em cibersegurança, cresce o consenso sobre a necessidade de novo marco para fortalecer resiliência nacional, com foco em infraestruturas críticas, serviços essenciais e uma entidade central de coordenação, lacuna já apontada como risco elevado pelo TCU. No campo da IA, o desafio é equilibrar proteção e competitividade. Antes de nova lei, é essencial aprofundar a aplicação dos marcos já existentes (Código Civil, CDC, LGPD, Marco Civil da Internet), que oferecem instrumentos relevantes. Medidas pontuais, como a contenção de deepfakes eleitorais pelo TSE e o agravamento de penas para uso de IA em violência psicológica contra mulheres, mostram respostas calibradas. Entretanto, uma regulação excessivamente prescritiva, sem políticas públicas estruturantes, pode ampliar desigualdades e comprometer nossa inserção na economia digital global.

A agenda regulatória nacional para IA exige cautela em ao menos três pontos: análise robusta do impacto regulatório do futuro Marco de IA para evitar desalinhamentos com o Plano Brasileiro de IA; preservação do treinamento de modelos (input) diante de debates sobre direitos autorais, convergindo para práticas como fair use (EUA) e exceções de text and data mining (UE); e tratamento autônomo do Redata, dada a centralidade dos data centers para outras tecnologias, além da IA.

Como aponta Jonathan B. Wiener, professor da Duke University School of Law, regular tecnologias emergentes exige avaliação empírica de impactos reais, custos, efeitos colaterais e alternativas. Normas pesadas ex ante podem deslocar inovação para outros mercados. Por isso, ganha força o conceito de Regulação Adaptativa, que ajusta regras à medida que evidências emergem, com foco em gestão de riscos e não em versões rígidas do princípio da precaução.

Para que a regulação opere como vetor de competitividade, o Brasil precisa de um Plano de Nação capaz de alinhar prioridades, coordenar esforços e direcionar recursos. É indispensável uma visão de longo prazo que transcenda ciclos eleitorais; a articulação entre governo, academia e setor privado; e foco em vantagens comparativas como biotecnologia, energia renovável e diversidade de dados.

Regulação não é inimiga da inovação, mas a má regulação é. Cada nova obrigação precisa ser avaliada pelo seu custo, impacto real na proteção de direitos e externalidades. A reconfiguração da regulação digital é peça-chave para reposicionar o Brasil no tabuleiro tecnológico global.

* Rony Vainzof é diretor da Fiesp, consultor em Proteção de Dados da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) e Sócio do VLK Advogados.

Artigo originalmente publicado no jornal Valor Econômico em 8 de dezembro de 2025.

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Fonte Oficial: https://www.fecomercio.com.br/noticia/regulacao-digital-em-prol-da-inovacao

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