Realizado no dia 26 de novembro, na sede da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), o 7º Congresso de Direito Tributário do Codecon/SP consolidou-se como um fórum essencial para os debates técnico e democrático sobre o futuro do sistema tributário nacional. O evento, que marcou os 22 anos do Conselho Estadual de Defesa do Contribuinte de São Paulo (Codecon/SP), criado com base na Lei Complementar 939/2003, reafirmou o papel do órgão como protagonista na melhoria da relação entre Fisco e contribuintes, servindo de espaço vital para a discussão de políticas públicas e tributárias.
Com foco na implementação da Reforma Tributária, prevista pela EC 132/23 e regulamentada pela Lei Complementar 214/25, o congresso reuniu juristas, contadores, autoridades fiscais e líderes empresariais em torno de um alerta unânime: a transição para o novo sistema, com o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), traz riscos concretos de aumento da complexidade, possível elevação da carga tributária e mais centralização do poder decisório, com a possibilidade de gerar mais insegurança e litígios antes de cumprir a promessa de simplificação.
Márcio Olívio da Costa, presidente do Codecon/SP, vice-presidente da FecomercioSP e presidente do Conselho de Assuntos Tributários da Entidade, explicou a importância do diálogo entre os órgãos fiscais, os contribuintes e o Congresso Nacional para a formulação de um sistema que reflita os anseios da sociedade. “Toda Reforma Tributária, antes de ser técnica, deve ser humana. Não haverá sucesso do novo sistema se não pensar nas pessoas. Quando há espaço para ouvir, há espaço para prosperar. São Paulo é um grande exemplo disso com o Codecon, respaldado pelo Código de Direitos, Garantias e Obrigações do Contribuinte [LC 939/03], e com a implementação do Programa de Estímulo à Conformidade Tributária [Nos Conformes], instituído pela Lei 1.320/2018. São iniciativas que proporcionaram mais diálogo, mais transparência e mais simplicidade”, apontou.
Risco da complexidade e poder centralizador
Os especialistas enfatizaram que o período de transição, com a coexistência dos regimes antigo e novo até 2033, período que entra integralmente em vigência o novo modelo, criará um “labirinto” para contribuintes e fiscos. “Substituímos um sistema imperfeito, mas conhecido, por outro ainda mais complexo”, avaliou Ives Gandra da Silva Martins, jurista e presidente do Conselho Superior de Direito da FecomercioSP.
A perda de autonomia dos entes federativos emergiu como preocupação central. Mary Elbe Queiroz, presidente do Centro Nacional para a Prevenção e Resolução de Conflitos Tributários (Cenapret), e Luciano Garcia Miguel, diretor-geral do Contencioso e Consultoria Tributária da Secretaria da Fazenda de São Paulo (Sefaz/SP), apontaram que o Comitê Gestor do IBS, com predominância da União, concentrará poder, reduzindo drasticamente a capacidade de Estados e municípios legislarem e decidirem. “É um projeto claro de centralização. Teremos voz, mas com poder de voto minoritário”, afirmou Miguel.
Extinção de incentivos e impactos regionais
Simone Rodrigues Costa Barreto, sócia do Aires Barreto Advogados e professora no Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), analisou a extinção dos incentivos estaduais que geram competência entres os Estados e a criação do Fundo de Compensação, alertando para um grave efeito colateral: as empresas instaladas no Norte, no Nordeste e no Centro-Oeste podem migrar para o Sul e o Sudeste, esvaziando regiões e reduzindo o consumo local. Ela também destacou a ausência de compensação para benefícios do ISS e explicou a distinção entre regimes específicos (que ajustam a tributação) e diferenciados (que reduzem a carga, mas com revisão quinquenal), defendendo que “serviços profissionais deveriam estar entre os específicos, e não nos diferenciados”.
Em linha com a discussão, Tathiane Piscitelli, sócia do Heleno Torres Advogados e professora na FGV/SP, avaliou os regimes diferenciados como principal instrumento de justiça tributária da reforma, por atenuarem a regressividade. Ela explicou que as reduções de 60% e 100% seguem um critério de essencialidade — abrangendo saúde, educação, alimentação e outros itens básicos —, mas que a lista precisa de coerência técnica.
Com a uniformidade, segundo Tathiane, elimina-se a possibilidade de incentivos estaduais ou municipais, reduzindo a capacidade local de atrair investimentos estratégicos, como datacenters e projetos de energia limpa.
Tensão federativa e futuro do contencioso
No painel sobre o futuro do contencioso, Robson Maia Lins, sócio do escritório Barros Carvalho Advogados e professor na PUC/SP e no Ibet, alertou que a retirada das regras processuais do IBS e da CBS durante a tramitação é um “gatilho” para litígios. Já Argos Campos Ribeiro Simões, presidente do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (TIT/SP), órgão paritário de julgamento dos processos administrativos tributários da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo (Sefaz/SP), ressaltou os riscos da perda da pluralidade interpretativa e da dupla fiscalização por entes diferentes.
Os desafios operacionais e o papel da tecnologia
A urgência da adaptação tecnológica das empresas para 2026 foi outro eixo do debate. O advogado Paulo César Teixeira Duarte Filho defendeu o investimento em sistemas para controle de fluxo de caixa e conformidade. Alessandra Heloise Vieira, tax director do Mercado Livre, por sua vez, compartilhou que grandes empresas já orientam parceiros menores, inclusive na decisão crítica entre permanecer no Simples Nacional ou migrar para o lucro real — cuja escolha impactará a geração de créditos tributários na cadeia. Ou, ainda, optar por permanecer no regime tributário do Simples, adotando o regime híbrido apenas para determinadas operações.
Transição tributária e Acordo Paulista
Os dispositivos de transação tributária e o Acordo Paulista podem ser o caminho para resolver conflitos fiscais? Essa pergunta foi respondida por Eduardo Perez Salusse, doutor em Direito Constitucional e Processual Tributário pela PUC/SP, e Danilo Barth Pires, subprocurador-geral do Estado de São Paulo — Contencioso Tributário-Fiscal.
Segundo eles, o novo sistema tributário (IBS, CBS e Imposto Seletivo — IS) precisa ir além de regras claras, com mecanismos para reduzir o contencioso e dar previsibilidade.
Para Salusse, transação tributária é uma solução consensual alinhada com a Constituição e a eficiência. Ele salientou a necessidade de uniformização de regras pelo Comitê Gestor do IBS e de ajustes, como mais clareza sobre honorários, agilidade com precatórios e critérios transparentes.
Já Pires apresentou o Acordo Paulista como instrumento de conformidade e desjudicialização, explicou o grau de recuperabilidade como base para descontos e parcelamentos e alertou que a classificação é dinâmica, exigindo atenção dos contribuintes.
Uma reforma que exige nova postura profissional
Encerrando o congresso, Tácio Lacerda Gama, professor na PUC/SP e presidente do Instituto de Aplicação do Tributo (IAT), refletiu sobre a nova era digital. Ele argumentou que a advocacia e o Judiciário operam em um ambiente radicalmente transparente, onde “teses fracas não sobrevivem” e a credibilidade técnica é o ativo principal. “O que nos trouxe até aqui talvez não nos leve adiante”, sintetizou, defendendo uma postura profissional de rigor e clareza para navegar no sistema guiado por precedentes.
Ao longo dos painéis, ficou claro que o sucesso da reforma depende de mais do que a nova legislação. São necessários ajustes na governança, robustez técnica e um diálogo federativo verdadeiro. O 7º Congresso do Codecon/SP, ao fomentar esse debate crítico e plural, cumpriu com excelência a sua missão de defender o contribuinte e buscar avanços para um sistema tributário mais justo e eficiente para todos.
“O contribuinte é o financiador do Estado, que produz riqueza, gera empregos e oportunidades e entrega parte do fruto do seu trabalho para que o Poder Público cumpra a sua missão constitucional. E, por isso, tem o direito de ser tratado com respeito, clareza, equilíbrio e segurança jurídica. O Codecon/SP, instituído pela Lei Complementar 939/2003, nasceu dessa visão e se transformou, ao longo de sua história, em um dos maiores símbolos de maturidade institucional de que São Paulo dispõe. E serve de exemplo para o Brasil, como promotor do debate, que transforma, a antes conturbada relação entre Fisco e contribuinte, em um diálogo em pé de igualdade, que coloca todos na mesma mesa para pensar, em conjunto, as melhores decisões para o País”, finalizou Costa, da FecomercioSP.