Enquanto as populações urbanas crescem significativamente – a ONU estima que, em 2050, o planeta terá 10 bilhões de pessoas, sendo que dois terços delas estarão vivendo em cidades –, muitos desses centros não estão preparados para as mudanças demográficas que eles viverão em breve. Os desafios variam entre os continentes e as dinâmicas dos países, mas alguns deles são compartilhados entre todas elas, como os gargalos de infraestrutura, por exemplo.
Luis Castiella, CEO da SmartCities Latam, elenca ao menos três desses desafios comuns às cidades. O primeiro deles é propriamente demográfico, porque, ainda que as metrópoles estejam crescendo em ritmo acelerado, os traçados originais das ruas, avenidas, além da própria estrutura urbana delas seguem os mesmos padrões de um século atrás.
“E isso gera problemas práticos em áreas como mobilidade, emprego, moradia e segurança, por exemplo”, explicou durante reunião realizada pela Frente Empresarial pela Modernização do Estado (Feme) do Conselho de Sociologia, Economia e Política (CSESP) da FecomercioSP.
Desde os anos 1970, a população urbana brasileira é maior que a rural. Hoje, o IBGE estima que 87% dos brasileiros estejam em áreas consideradas urbanas.
O segundo impacto é de ordem política: Castiella tem se debruçado sobre dados que mostram como o cotidiano das cidades tem efeitos significativos sobre as eleições nacionais dos países. Isso acontece por uma miríade de motivos, que vão desde a presença mais intensa de grupos distintos habitando o mesmo espaço até o compartilhamento desses problemas.
“Se você olha os números da última eleição presidencial na Argentina, isso é claro: nas áreas urbanas onde houve mudanças, ainda que pequenas, na política local, os votos mudaram em relação ao resto do país. É muito interessante de notar e necessário compreender melhor”, analisou Castiella, que também dirige a Escuela de Gobierno e Ciudades Inteligentes da Argentina.
O terceiro desafio – que Castella acredita ser uma oportunidade também – é de ordem econômica. Quanto mais gente habita zonas urbanas, mais a tendência de crescimento de produtividade, ainda que às custas dos impactos anteriores, e é o resultado dessa dinâmica que determina como as cidades lidam com os elementos do futuro.
O economista Antônio Lanzana, que preside o CSESP, agregou a essa análise alguns elementos que, no caso do Brasil, são especialmente marcantes, como a falta de mão de obra qualificada que abunda nas áreas urbanas ou os gargalos ambientais, por exemplo.
“É por isso que o tema das cidades inteligentes será cada vez mais relevante. Se, por um lado, os benefícios de adotar esse tipo de gestão são muitos, como a melhoria do trânsito, a redução de poluição e o uso inteligente do sistema de transportes, por outro há problemas que, no Brasil, teremos que solucionar com agilidade para termos condições de gerir melhor nossas zonas mais povoadas”, disse.
Mas do que se trata, no limite, de uma cidade inteligente?
Para Sergio Sgobbi, diretor de Relações Institucionais e Governamentais da Associação das Empresas Brasileiras de TIC (Brascomm), que também esteve na reunião da Frente, um elemento central do debate é a conectividade, isto é, a capacidade das administrações locais coletarem, manusearem e produzirem decisões eficientes a partir do escopo de dados que elas gerenciam.
“O mais importante é que esse processo gere benefícios, isto é, que os atores envolvidos na conjuntura urbana tenham melhorias na maneira como vivem a partir dessa estratégia”.
Mais do que isso, a estrutura de conexão aponta para outro elemento essencial: o que se pode produzir com essa informação qualificada? Para ele, a resposta são os aplicativos para smartphones. “Mas, no Brasil, as informações tendem a ficar retidas, ao contrário de experiências como a de Londres, na Inglaterra, por exemplo, onde esses dados são abertos”.
Castiella, por sua vez, acredita que uma cidade inteligente é, antes de tudo, a capacidade de tomar decisões de forma ágil e eficiente na gestão urbana, “até porque existem os problemas e os dilemas. Os primeiros são difíceis de resolver, mas há ferramentas à mão. Os segundos são muito mais complexos, exigem uma série de capacidades. Um exemplo de dilema é o fato do crescimento não significar sempre desenvolvimento, por exemplo”, explicou.
Então, “as cidades inteligentes são aquelas que conseguem lidar melhor com esses dilemas, quando não resolvê-los”.
Os rankings internacionais costumam apontar exemplos da Ásia, sobretudo, quando se fala neste conceito, como Singapura ou Shenzen, na China, mas há novos projetos em curso em diferentes continentes, como em Cairo, no Egito, que está deslocando toda a sede política do país para uma área chamada “Nova Cairo”, ao lado da cidade antiga, ou até na América Latina, como iniciativas no Rio de Janeiro, no Brasil, ou em municípios do Uruguai. “Esses novos modelos são interessantes porque já nascem pensando na digitalização desses novos grandes centros, mas também nos aspectos de sustentabilidade que, como eu dizia, dizem respeito a dilemas contemporâneos”, disse. “Sem contar que elas atraem muitos talentos de outras partes dos países”.
O Brasil, porém, ainda enfrenta dilemas – para usar o conceito de Castiella – significativos. Um deles é a própria conectividade, como aponta Sgobbi. Apenas 18% das cidades brasileiras possuem leis relacionadas à conectividade, como regras relacionadas à infraestruturas de telefonia ou de acesso à Internet. “É um número ruim, mas, por outro lado, esses municípios estão cobrindo a maioria da população do País, principalmente nas capitais. Há muito o que fazer, mas também tivemos avanços importantes”, afirmou ele.
Números do IBGE apontam que 17 cidades brasileiras concentram cerca da 70% da população, o que, para Sgobbi, significa que há uma capacidade de produzir respostas efetivas para problemas locais dessas áreas, mas que se estendem também a níveis regionais e até nacionais.