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A ascensão do nacionalismo e as armas nucleares

Por José Goldemberg*

Armas nucleares têm um poder destruidor sem paralelo na história da humanidade. Só para dar um exemplo recente, a completa destruição de Gaza exigiu o uso de cerca de 40 mil toneladas de TNT (uma média de 50 toneladas de explosivos por dia durante dois anos). Duas bombas atômicas tipo Hiroshima teriam destruído Gaza em 30 segundos. A área de Gaza é metade da área da cidade de Campinas ou um dos bairros populosos da cidade de São Paulo.

As duas superpotências (Estados Unidos e União Soviética), que venceram a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), entenderam claramente o poder das armas nucleares e no período mais crítico da “Guerra Fria” desenvolveram artefatos ainda mais poderosos e em maior número. Inglaterra, França e China seguiram o mesmo caminho.

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Em meados da década dos 60, havia no mundo mais de 70 mil bombas nucleares ameaçando o mundo civilizado de completa destruição. A contaminação radioativa da atmosfera aumentou tanto com os testes nucleares realizados, que deu origem a uma enorme pressão, não só do movimento antinuclear no mundo todo, mas dos próprios dirigentes das superpotências para limitar a proliferação das armas nucleares.

O Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) de 1970 foi assinado por 189 países (exceto o Paquistão) e representou um dos maiores sucessos do multilateralismo ao tentar resolver um problema que ameaçava todos os países do mundo.

O TNP reconheceu como estados nucleares os países que possuíam armas nucleares em 1967 (Estados Unidos, União Soviética, Inglaterra, França e China), que se comprometeram a desativar a longo prazo seus arsenais nucleares, o que não ocorreu. Os demais países se comprometeram a não desenvolver armas nucleares e foi criada a Agência Internacional de Energia Atômica para fiscalizar as atividades de todos nessa área. Contudo, o número de ogivas nucleares dos Estados Unidos e União Soviética que era de cerca de 35 mil em cada um deles em 1985 caiu para cerca de 5 mil em 2025.

Desde 1970 apenas quatro países não nucleares conseguiram obter armas nucleares: Índia, Paquistão, Coreia do Norte e Israel, usando uma de duas estratégias:

  1. Não aderindo ao TNP, como fez o Paquistão ou a Coreia do Norte, que aderiu, mas abandonou o tratado em 2003, isolando-se completamente; e
  2. Mantendo suas atividades nucleares clandestinas, como fizeram Índia e Israel.

A África do Sul produziu armas nucleares, mas desativou seu programa nuclear após o fim do apartheid.

Outros países tentaram desenvolver armas nucleares, como o Iraque, com resultados desastrosos, que foi a invasão do país pelos Estados Unidos. O Irã está seguindo esse caminho até hoje e está sofrendo por isso, não só severas sanções econômicas, como também pesados bombardeios de suas instalações nucleares, além do assassinato de seus cientistas nucleares.

Brasil e Argentina, que também iniciaram programas clandestinos para obter armas nucleares na década dos 80, abandonaram esses projetos em 1992. Como os programas estavam em estágio preliminar, não chegaram a ser objeto de sanções explícitas, como o caso do Irã, mas suas importações eram monitoradas de perto pelas autoridades americanas.

No seu conjunto, portanto, o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares teve apenas um sucesso relativo em evitar a proliferação nuclear.

Com o fim da União Soviética em 1992, porém, o consenso que se formou em 1970 com a assinatura do TNP se dissipou. O que se viu foi uma ascensão do unilateralismo e nacionalismo extremado. Um exemplo é o esforço da Rússia de reconquistar a sua influência nos países da Europa Oriental (principalmente a Ucrânia), perdida pelo avanço da aliança ocidental liderada pelos Estados Unidos na sua área de influência.

A paz americana durou mais de 70 anos e teve aspectos positivos, como a criação do Banco Mundial, da Organização Mundial de Comércio e de outras instituições. Garantiu aos países da Europa um “guarda-chuva” protetor contra possíveis ataques nucleares, mas também levou à guerra do Vietnã e Afeganistão e a regimes totalitários na América Latina e outros continentes.

A eleição de Trump nos Estados Unidos e sua ênfase no excepcionalismo do seu país e da “paz pela força” está reforçando o nacionalismo no mundo. Muitos países voltaram a acreditar que só a posse de armas nucleares poderia garantir sua soberania. Esse é o caso de Ucrânia, Polônia, Alemanha, Egito, Arábia Saudita e Japão, entre outros.

Até aqui no Brasil alguns mal informados e/ou saudosistas propõem que o País modifique a Constituição de 1988, que veda o desenvolvimento de armas nucleares, e abandone o TNP e outros compromissos internacionais.

Esse não é o caminho certo nem para o Brasil nem para outras nações. Um mundo com 30 ou 40 países com armas nucleares e eventualmente grupos terroristas seria um mundo muito inseguro e pior do que o que temos hoje, que certamente levará a governos totalitários e aventuras militares em prejuízo ao atendimento prioritário de desenvolvimento e bem-estar das suas populações.

* José Goldemberg é presidente do Conselho de Sustentabilidade da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP)ex-secretário de Ciência e Tecnologia da Presidência da República no governo Collor (1990-1992).

Artigo originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo em 17 de novembro de 2025.

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Fonte Oficial: https://www.fecomercio.com.br/noticia/a-ascensao-do-nacionalismo-e-as-armas-nucleares

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