Em 2015, nos fundos de casa, André Passow e sua família davam início a Magian Cacao, fábrica e loja de chocolate. O objetivo desde cedo era fazer mais que um simples chocolate, ele queria criar qualidade, barras que atravessariam o paladar, se tornando a verdadeira essência do chocolate. Em novembro de 2020, a Magian Cacao se destacou no prêmio Bean to Bar Brasil, conquistando reconhecimento nas categorias Júri Oficial e Júri Consumidor entre 37 fabricantes. Na mesma edição, a barra Ao Leite 45% foi eleita o melhor chocolate do Brasil em ambas as categorias. Dois anos depois, em 2022, a marca reforçou sua excelência no cenário brasileiro ao receber a medalha de bronze no mesmo concurso.
Empresas & Negócios – Quais são os principais desafios do atual mercado de chocolate?
André Passow – O nosso maior desafio é manter a qualidade. A grande diferença do convencional é que a gente busca as amêndoas diretamente com os produtores, então se consegue comprar uma parte do cacau que é menos de 1% da produção mundial, é aquele que é colhido no ponto certo de maturação. Esse cacau passa por todo um controle de fermentação, onde aquilo ali tem que dar certo, porque é nessa fermentação que se formam os principais precursores de aroma e sabor do cacau. Todas essas etapas têm que ser muito bem controladas para chegar num cacau de excelência. Eu costumo dizer que o principal responsável pela qualidade de um bom chocolate é o produtor de cacau. Se tu não conseguir um bom produtor que te entregue uma amêndoa de cacau com bom sabor, não tem mágica que tu possa fazer para consertar aquilo ali. No cacau convencional, o produtor entra na roça de cacau e sai derrubando fruto verde, maduro e podre, tudo que é tipo de fruta. Então ele entra, derruba tudo e faz toda uma colheita única lá, é muito mais rápido, nem faz às vezes essa fermentação, seca de qualquer jeito para entregar a amêndoa. Para ele ter vontade de fazer esse cacau de excelência, que é o nosso cacau fino, eu acho que muitas vezes a pessoa tem que gostar disso e também precisa ser muito bem premiada, remunerada. Essa semana eu paguei R$82 o quilo do cacau, enquanto a amêndoa convencional hoje está sendo vendida a R$20 o quilo. Ou seja, eu paguei 300% mais caro.
E&N – Como a empresa lida com a sazonalidade na produção de cacau e qual o impacto disso em seus produtos?
Passow – O cacau começou a subir há dois anos. Mas recentemente, principalmente nesse último mês, ele está despencando. Ele é muito ligado à produção na África, Gana e Costa do Marfim — que produzem juntos mais da metade do cacau do mundo. No início, em 2015, a gente trazia muito as amêndoas do sul da Bahia. Depois, descobrimos que as da Amazônia, lá do Pará, tinham um sabor mais suave, principalmente nos chocolates intensos, trazendo um chocolate de mais qualidade. Esse mercado é difícil de entender. Os produtores que fazem esse tipo de cacau especial não vão baixar de preço — é muito difícil achar quem consiga essa qualidade. Então, no cacau comum (commodity), talvez o preço baixe nos próximos meses, mas o fino não. Para ter noção, nesses dois últimos anos o preço chegou a subir 200% e eu quase fiquei sem cacau durante esse tempo.
E&N – Como funciona o processo de harmonização entre o cacau e outras especiarias?
Passow – Gostamos muito de harmonizar e fazer misturas principalmente com especiarias brasileiras. Por exemplo, a gente traz uma fava de baunilha do Sul da Bahia que é uma da variedade planifolia, a mesma que é chamada de Vanilla Bourbon lá de Madagascar. É um trabalho que a gente pega direto com o produtor. Outro produto que a gente usa muito também é o Kumaru, conhecido como fava tonka, baunilha brasileira, que inclusive, tenho pego de um produtor nosso de cacau. Nos últimos dois anos eu estive na fazenda dele e eu mesmo colhi os Kumarus lá e fiz a quebra deles. A gente também tem um chocolate com cristais de vinho que se formam no tanque durante a maturação do vinho, com isso temos um produtor que depois de extravasar o vinho, ele arranca esses cristais, a gente desidrata e já bota em cima da barra de chocolate. Tem uma outra barra que a gente faz com um maracujá liofilizado, então ela fica uma barra sabor maracujá. Tudo a gente tenta harmonizar com o chocolate.
E&N – Qual o papel da tecnologia no processo de produção? É possível manter a tradição artesanal?
Passow – Sim, eu considero a nossa produção artesanal. Esse método que a gente faz chocolate é um moinho de pedras, ou seja, é uma panela que fica girando durante 5 dias batendo e macerando o chocolate. Esse é um processo que se usava 200 anos atrás e que hoje as grandes indústrias não usam mais, mas é uma forma de um pequeno chocolateiro conseguir fazer seu próprio chocolate. Para nós aqui dá certo, então, a gente usa sim tecnologias, mas são máquinas básicas, nada de muito nada ultramoderno assim.
E&N – O que motivou a criação da empresa Magian Cacao em 2015?
Passow – A minha família vem do chocolate desde o meu avô. O meu avô trabalhou na Garoto até aos 70 e poucos. Meu pai chegou a trabalhar na Garoto também durante um ano, mas depois veio para Porto Alegre. Quando eu nasci em 1981, eu morava no bairro de Ipanema e meus pais tinham uma fábrica de ovos de chocolate no porão de casa, então eu nasci no meio de uma fábrica de chocolate, eu me criei com isso. Depois o meu pai fechou essa fábrica e continuou trabalhando para uma empresa que era do Espírito Santo, chamada Chocolate Vitória. Meu pai trabalhou a vida inteira com chocolate e trabalha até hoje, ele tem fábrica em Gramado, mas agora um chocolate bem comercial.
E&N – Como foi o começo do negócio?
Passow – O meu pai tem casa na Bahia e eu desde criança ia para lá. Comecei a ver esse movimento numa feira em São Paulo, era 2015. Eu vi um cara vendendo umas máquinas de cacau, daí eu achei aquilo legal e comecei a pesquisar. Nessas viagens da Bahia, comecei a trazer uns grãos de cacau e aí comecei a fazer experiências aqui em casa. Torrava o cacau no forno, quebrava com o rolo de pizza e fazia a separação com o secador de cabelo. Daí eu fui numa viagem para os Estados Unidos, trouxe um moinho bem pequeninho e comecei a fazer chocolate nos fundos de casa, inclusive estou até hoje nos fundos de casa, mas como hobby. E aí foi indo, foi crescendo. Continuei trabalhando com meu pai, desde os meus 15 anos até agora. Aí quando eu comecei a fazer esse chocolate, comecei a vender para alguns chefes de cozinha e restaurantes, onde eu notei uma grande diferença entre esses dois mercados, porque lá no meu pai eu vendia chocolate para indústria de biscoito, de alfajor, era tudo muito comercial, muito negócio.
E&N – Qual a importância de valorizar os produtores rurais?
Passow – Eu acho que primeiro precisa valorizar todo mundo, não só os produtores, todo mundo que trabalha contigo, toda a cadeia. No nosso caso, a gente valorizando eles, dando prêmios, pagando, né, 100% ou 300% a mais, ele consegue ter mais recursos para poder dar uma vida boa para todo mundo que mora lá na fazenda. Tem fazendas que moram várias famílias. Por exemplo, o meu produtor, o Robson, ele tem os lotes da fazenda que são destinados a famílias, os meeiros. Então, quanto mais eu pagar para eles, mais recursos ele tem e mais vontade o pessoal tem de fazer um cacau bom. Não adianta querer um produto bom e não pagar por isso. E assim, eu notei que nesses últimos anos, principalmente com essa alta do cacau, a vida do pessoal na roça melhorou muito. Eles chegaram a pegar no cacau convencional, R$ 30 ou R$ 60 reais no quilo. Mas se tu pegar anos atrás, o cacau era R$ 15, R$ 12 ou até R$ 10 reais.