Por três meses, 84 estabelecimentos de São Paulo testaram soluções tecnológicas gratuitamente. O resultado? Mais de R$ 500 mil investidos, 500 horas economizadas em gestão, R$ 300 mil de faturamento adicional — e um aprendizado inesperado sobre por que a inovação falha na prática.
O Fogo Alto, programa desenvolvido pela Abrasel em parceria com a FabLab e apoiado por empresas como iFood, Comgás, Rational, Zig, Vox, Unilever Food Solutions, Bidfood e Bom Gourmet, nasceu de um dado alarmante: a vida média de restaurantes no Brasil é de apenas 3,9 anos. “A ideia surgiu quando vi esse número. Muitos empresários investem suas economias ou pegam empréstimos e não veem resultado, porque os estabelecimentos fecham antes”, explica Gabriel Pinheiro, diretor de marketing e inovação da Abrasel São Paulo e um dos idealizadores da iniciativa.
A proposta era simples: conectar startups com soluções validadas a bares e restaurantes que precisam de ferramentas para melhorar gestão, faturamento e atendimento. Mais de 140 startups se inscreveram. Dez foram selecionadas em um demo day realizado na sede do iFood, onde patrocinadores e representantes da indústria votaram nas propostas mais promissoras. O programa comprou os serviços dessas startups para oferecê-los gratuitamente aos estabelecimentos participantes.
“Zeramos o CAC delas, dando cliente e dinheiro no bolso. Foi um laboratório vivo”, conta Carlos Keiichi, cofundador do Fogo Alto. Dos 180 restaurantes inscritos inicialmente, 100 responderam ao chamado. Mas, no meio do caminho, algo começou a travar.
O choque de realidade: por que a inovação falha?
No papel, tudo parecia perfeito. As ferramentas eram boas, os restaurantes tinham dores reais, e as soluções vinham de graça. Mas a implementação não avançava como esperado. “Fomos entendendo que as ferramentas estavam falhando não pela qualidade da ferramenta, mas pelo ambiente onde ela estava sendo inserida”, diz Pinheiro.
Foi aí que a equipe do Fogo Alto começou a mapear o que chamou de estruturas ocultas — barreiras invisíveis, culturais e comportamentais que impedem a inovação de prosperar. “São coisas que a olho nu a gente não enxerga. Muitas vezes, são questões grandes e culturais que impactam o dia a dia do empresário”, explica Gabriel.
Para entender essas estruturas, o programa desenhou o Círculo do Fogo, um modelo que descreve a jornada de inovação em três etapas: Adesão, Aderência e Autonomia — o triplo A.
O triplo A: a jornada da inovação
Adesão é o sim inicial. Aquele momento de empolgação em que o empresário conhece a solução, se entusiasma e fecha negócio. Mas nem sempre esse sim é verdadeiro.
“Muitas vezes, em uma feira ou no meio de outras pessoas, o empresário não quer parecer que não é inovador. Ele dá um sim simbólico, que se perde no dia a dia”, diz Pinheiro. Outras barreiras nessa fase incluem: problema mal definido (o dono acha que precisa de marketing, mas o real gargalo está na operação), traumas de implantações anteriores, timing ruim (a solução é apresentada em dezembro, quando o restaurante está sobrecarregado), risco financeiro percebido, custo da mudança operacional e desconfiança em compartilhar informações sensíveis.
Aderência é a etapa mais crítica — e onde o Fogo Alto travou inicialmente. É o momento de implementação, quando é preciso energia vital para fazer o negócio funcionar. Treinamentos, ajustes operacionais, resistência da equipe. “A gente estava dando de graça, a solução foi baseada na dor do restaurante. Não fazia sentido não funcionar. E aí vimos uma quebra ali na aderência”, relembra Keiichi.
As estruturas ocultas dessa fase são brutas: sobrecarga mental e operacional (o dono já faz compras, pagamentos, RH, marketing), ausência de executor (não há ninguém disponível para tocar a implementação), resistência da equipe, ausência de método ou repertório para absorver a novidade, modelo mental limitante e fragmentação da responsabilidade.
Autonomia é quando a solução entra na rotina. O restaurante não precisa mais do suporte constante da startup, a ferramenta vira parte do dia a dia e os funcionários ensinam os novos colegas. Mas chegar aqui não é garantia de permanência. Estruturas ocultas como alta rotatividade (a equipe treinada sai, e ninguém sabe mais usar), valor despercebido pela equipe, erosão da rotina (a inovação é abandonada aos poucos), descontinuidade dos dados e estagnação pós ganho inicial ainda podem fazer tudo desmoronar.
O que funciona: alavancas de inovação
Nem tudo é obstáculo. O programa também identificou as alavancas de inovação — fatores que aceleram a adoção e o sucesso das soluções.
Simplicidade funcional está no topo da lista. Quanto mais fácil de usar, maior a chance de virar hábito. Presença de um agente ativador — alguém dentro do restaurante que abraça a mudança e puxa a implementação — é fundamental. Urgência visível (quanto mais rápido a solução resolve um problema crítico, melhor), compatibilidade cultural (a ferramenta precisa fazer sentido dentro da realidade operacional do estabelecimento), impacto rápido e observável (resultados que aparecem logo geram adesão) e encaixe na rotina existente (a inovação não pode exigir que o restaurante vire do avesso) são outros fatores decisivos.
“O que estamos vendo são soluções que realmente entraram na operação dos estabelecimentos. A inovação só faz sentido quando vira resultado na ponta”, afirma Pinheiro.
As startups que fizeram a diferença
Cinco startups se destacaram ao longo do programa, demonstrando capacidade de superar as estruturas ocultas e gerar resultados concretos. Elas foram premiadas durante o iFood Move, feira de alimentação que concentra as principais inovações do setor na América Latina.
A Repediu desenvolveu uma plataforma de CRM focada no relacionamento entre estabelecimentos e clientes, ajudando na fidelização e em campanhas automatizadas. A CVRec trouxe uma solução de recrutamento e seleção que utiliza bots inteligentes no WhatsApp para automatizar e agilizar contratações — uma dor crônica do setor. A Falaê transforma dados operacionais e de atendimento em insights para a gestão estratégica dos donos de estabelecimentos.
A Faceponto oferece uma plataforma completa de gestão de RH, abrangendo controle de ponto, escalas, jornada, onboarding e rotinas administrativas de equipe. E a Cheaf.AI criou um assistente virtual com inteligência artificial que gerencia reservas e filas de espera por meio de chatbot integrado ao WhatsApp.
Profissionalização é urgente
O setor de food service no Brasil é marcado pelo empreendedorismo por necessidade, não por oportunidade. “Grande parte das pessoas que começam a atuar no setor empreendem por necessidade. Muitas das decisões são tomadas por improviso, sem muita gestão profissional”, observa Pinheiro.
O resultado é um cenário em que 1,3 milhão de CNPJs ativos no país operam sem real clareza sobre quanto ganham. “Vamos parar de falar que o empreendedorismo no Brasil é solitário. No final do dia, a gente só precisa normalizar falar sobre alguns assuntos — como as dificuldades que você passa no seu negócio”, diz Carol Paiffer, investidora e fundadora do hub Dinastia.
Há também o paradoxo de Baumol: setores menos dependentes de mão de obra prosperam com automação, mas o food service depende da hora humana, e as margens vão se apertando cada vez mais. “O setor tinha a possibilidade de continuar crescendo mesmo sem gestão. Mas isso acabou. Cada vez mais o setor exige profissionalismo para fazer com que o negócio prospere, entendendo que produtividade não é trabalhar mais, mas trabalhar melhor”, ressalta Pinheiro.
Um legado que vai além dos números
Dos 100 estabelecimentos iniciais, 84 conseguiram inovar de forma efetiva. Os 16 que não conseguiram aderir às soluções foram fundamentais para mapear as dificuldades e estruturas ocultas. O programa gerou mais de 80 resultados em mídia, economizou 500 horas de gestão e gerou R$ 300 mil de faturamento adicional nos estabelecimentos participantes.
Mais do que números, o Fogo Alto deixa um legado de aprendizado. As estruturas ocultas mapeadas não são exclusivas do food service — elas aparecem em diversos setores, em empresas de todos os tamanhos. “A gente conseguiu, de uma maneira muito visual, diagramar e falar o que é inovação e quais são os passos em qualquer ambiente, setor. Todo mundo que passou por isso vai se identificar”, afirma Pinheiro.
Inovação não é sobre ter a melhor ferramenta. É sobre entender o ambiente, reconhecer as barreiras invisíveis e construir pontes reais entre tecnologia e operação. “Precisamos nos juntar de forma eficiente e estratégica para atuar em parceria e provocar bons resultados para todos”, conclui Carol Paiffer.
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Fonte Oficial: https://startupi.com.br/demo-day-fogo-alto-inovacao-vencer/