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Conselho Superior de Direito estuda o panorama da aplicação da Lei


Palavras de significado aparentemente impenetrável aos leigo, que têm em comum o fato de serem diretrizes teóricas que orientam a aplicação das leis, impactando profundamente a vida das pessoas no dia a dia (Imagem: Edilson Dias)

Consequencialismo, Jurisdição Constitucional e Neoconstitucionalismo. O que essas palavras de significado aparentemente impenetrável aos leigos têm em comum é que, sendo diretrizes teóricas que orientam a aplicação das leis, impactam profundamente a vida das pessoas no dia a dia. Esse foi o tema central da reunião de outubro do Conselho Superior de Direito da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP).

O Conselho formou uma comissão de estudo para analisar essas três correntes de pensamento jurídico e os respectivos efeittos no funcionamento da sociedade para, ao fim, propor ajustes e alternativas. O grupo foi constituído por Pedro Simon, que coordenou os trabalhos, Dircêu Ramos, Marilene Rodrigues, Rubens Leite e Juliana Bastos, juristas e membros do conselho. 

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“O objetivo da apresentação é receber as contribuições dos demais conselheiros e consolidar um posicionamento a esse respeito”, informou Simon. “O texto que emergir deste debate será encaminhado à Câmara dos Deputados, ao Senado, ao Superior Tribunal Federal e até à Presidência da República”, completou Ives Gandra Martins, presidente do Conselho. 

Consequencialismo
 
Cada vez mais adotada, essa linha de pensamento defende a adequação das decisões judiciais aos efeitos práticos que produzem na realidade. “É a abordagem que busca uma ‘justiça transcendente’, flexibilizando a norma técnica com vistas ao bem-estar”, resumiu Simon, citando um conceito do próprio Gandra Martins. É inspirada nas teorias econômicas do Direito e no utilitarismo moral e ganhou força no Brasil com a inclusão dos artigos 20 a 22 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), de 2018, exigindo dos julgadores que avaliem as consequências de suas decisões.

Por um lado, o modelo contribui para agregar mais eficiência e racionalidade nas decisões, conciliando fatores econômicos e sociais, e para segurança jurídica, por possibilitar a modulação dos efeitos de novos entendimentos. Por outro, sua aplicação indiscriminada abre espaço ao subjetivismo judicial, que desloca a interpretação da Lei para aspectos individuais do julgador e possíveis pressões externas, e ainda implica no enfraquecimento do contraditório e da ampla defesa, princípios basilares da Justiça. 

Jurisdição Constitucional
 
Corrente que valoriza a força normativa da Constituição e o protagonismo judicial, encorajando a atuação criativa do juiz. Evoluiu a partir do Direito Natural e, em um passo seguinte, criou a separação de Poderes para proteger os direitos fundamentais da atividade legislativa. Embora tenha historicamente contribuído para a concretização de direitos fundamentais, seu uso desmedido pode levar ao ativismo judicial e a um perfeccionismo constitucional, isto é, o cacoete de constitucionalizar todos os aspectos da vida social — o que, ao fim e ao cabo, “transforma a Constituição em irrelevante”, de acordo com o constitucionalista Dieter Grimm.

É importante salientar que o controle de constitucionalidade não é obrigatório nas democracias, mas é meramente uma questão cultural. “Há muitos países que não têm esse dispositivo, mas são mais democráticos que o Brasil, que tem o STF, o tribunal mais poderoso do mundo”, comparou o coordenador do estudo, citando Holanda, Nova Zelândia e Suíça. “Já no Reino Unido a tradição é a supremacia do parlamento”, exemplificou. 

No Brasil, foi adotado o modelo de controle misto, que não sendo nem o difuso nem o concentrado, é ora uma coisa, ora outra. O estudo enfatiza, no entanto, que mais constitucionalização não redunda em mais democracia. 

Neoconstitucionalismo
 
Como desdobramento do conceito de supremacia judiciária derivado do modelo brasileiro de jurisdição constitucional, tem-se a teoria Neoconstitucionalista, que defende que a Suprema Corte tem três papéis fundamentais: o contramajoritário, capaz de ir contra resoluções do Congresso que considere ilegais; o representativo, capaz de substituir o Poder Legislativo na função de representar a vontade popular quando considere necessário; e o iluminista, capaz de impulsionar o progresso social e a própria civilização, quando considerar que o sistema político está emperrado. 

Embora existam casos em que se justifiquem decisões nesse sentido, esta é uma linha de pensamento que confere carta branca para decidir de forma totalmente subjetiva a quem nem sequer foi escolhido por voto popular. Quando o Direito ocupa todo o espaço do debate político, há o risco de paralisar a governabilidade e deslegitimar as instituições representativas. “Quanto mais o Judiciário age politicamente, tanto mais os políticos buscam o Judiciário para utilizá-lo como instrumento contra suas derrotas no Legislativo ou no Executivo”, definiu Gandra Martins.

Recomendações e propostas
 
Com base na apresentação produzida pela comissão de estudo do Conselho Superior de Direito, os demais membros poderão compartilhar suas contribuições, que serão consolidadas em um posicionamento oficial. O objetivo final é aperfeiçoar o sistema constitucional brasileiro por meio de institutos de previsibilidade, transparência e equilíbrio entre os Poderes. A consolidação da democracia brasileira exige redimensionar a função do STF, garantindo que o Judiciário atue como guardião da Constituição — e não como seu único intérprete. “A estabilidade institucional depende de um Judiciário técnico e moderado, que atue com prudência e deferência às instâncias democráticas, preservando a harmonia entre justiça, segurança jurídica e governabilidade”, conclui o documento. 

Novo Código Eleitoral
 
A reunião de outubro também foi palco de uma análise preliminar do Projeto de Lei Complementar (PLP) 112/2021, que cria um novo Código Eleitoral, com quase mil artigos. Recém-aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, o texto da Reforma Política foi resumido pelo jurista Adilson Dallari, membro do Conselho Superior de Direito, que separou seus principais dispositivos em três categorias: os pontos pacíficos, as questões que não deveriam ser polêmicas e as que merecem debate. 

Como exemplo de artigos de entendimento pacificado, Dallari citou o voto 50% distrital e 50% proporcional, além da questão da fidelidade partidária do candidato eleito, uma vez que a Constituição condiciona a eleição à filiação a um partido e que a campanha é realizada em um conjunto indissociável candidato-legenda. Dentre as questões que não deveriam ser polêmicas, o jurista elencou a redução do número de deputados e senadores, algo que desagrada o Congresso, mas parece bastante razoável aos eleitores. “Talvez pudéssemos substituir a quantidade pela qualidade, à medida que o cuidado na escolha ganharia espaço”, concluiu Dallari. 

Já a categoria dos temas em que há espaço para discussão é mais numerosa. Dentre os exemplos citados por Dallari estão o fim das coligações múltiplas, ou seja, entre partidos diferentes em cada Estado; a exigência de um mínimo de eleitos para a continuidade de um partido; a inconstitucionalidade do financiamento de campanhas por Pessoas Jurídicas (PJs); e a instituição de mandatos de cinco anos. Por fim, o jurista lembrou que o assunto da Reforma Eleitoral está intimamente ligado à questão da constitucionalidade, já que, no artigo 1º tem-se que “todo poder emana do povo, que o exerce através de seus representantes eleitos”.  “Reconhece-se, portanto, a posição subalterna do Judiciário”, concluiu. 

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Fonte Oficial: https://www.fecomercio.com.br/noticia/conselho-superior-de-direito-estuda-o-panorama-da-aplicacao-da-lei

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