*Por Everton Werlang
No ecossistema brasileiro de startups, é comum encontrar fundadores que dominam perfeitamente as nuances técnicas de seus produtos e desenvolvem estratégias comerciais sofisticadas, mas tropeçam em aspectos básicos da gestão financeira. Essa deficiência não é apenas um problema operacional, é um fator de risco que pode comprometer toda a trajetória do negócio.
Depois de acompanhar a estruturação financeira de mais de 150 startups, observo um padrão claro: os negócios que conseguem escalar de forma sustentável são aqueles que investem na construção de três fundamentos financeiros desde os estágios iniciais. Não se trata de criar controles burocráticos, mas de estabelecer pilares que sustentarão todas as decisões estratégicas futuras.
O primeiro fundamento é a adoção de um sistema ERP adequado às necessidades do negócio. Muitos fundadores resistem a essa etapa por considerarem o investimento desnecessário nos primeiros meses de operação e/ou por não saberem operá-lo adequadamente. Essa percepção é equivocada e cara. Um ERP não é apenas um software de gestão, é o sistema nervoso central que garante a confiabilidade de todas as informações financeiras do negócio.
Sem um sistema adequado, startups operam com dados fragmentados e planilhas desatualizadas. Quando chega o momento de tomar decisões críticas, como definir preços ou apresentar resultados para investidores, o negócio se vê sem base confiável para sustentar suas escolhas. Muitas vezes nem percebe que está operando com dados incorretos até que uma auditoria exponha as fragilidades da estrutura.
O segundo fundamento essencial é a estruturação de processos padronizados para pagamentos e recebimentos. Startups frequentemente operam no caos financeiro: pagamentos liberados todos os dias, em horários aleatórios, consumindo tempo excessivo dos gestores e impedindo uma visão clara e previsível do fluxo de caixa.
A solução passa pela criação de rotinas estruturadas. Em vez de liberações diárias e caóticas, estabelece-se um cronograma fixo, com pagamentos feitos uma ou duas vezes por semana, em datas predeterminadas. O responsável financeiro organiza todas as pendências, prepara os pagamentos e apresenta um relatório consolidado para aprovação. O gestor analisa e aprova de uma só vez.
Essa padronização libera tempo valioso do fundador, que deixa de ser interrompido constantemente para aprovações pontuais, e cria previsibilidade no fluxo de caixa. Além disso, permite negociações mais eficazes com fornecedores, já que o negócio passa a ter uma visão clara de seus compromissos.
O mesmo princípio se aplica aos recebimentos. Padronizar datas de emissão de notas fiscais e alinhar o calendário de recebimentos com o de pagamentos são práticas que transformam o fluxo de caixa de um quebra-cabeça diário em uma ferramenta de planejamento estratégico.
O terceiro fundamento é a organização do plano de contas gerencial e a construção de relatórios financeiros confiáveis. Aqui reside uma das principais armadilhas para fundadores: a crença de que conceitos financeiros básicos são intuitivos. Na prática, 90% dos empreendedores não sabem distinguir adequadamente custos de despesas – uma diferenciação importante para calcular a margem bruta do negócio.
Essa confusão conceitual não é apenas acadêmica. Sem a separação correta entre custos diretos e despesas operacionais, torna-se impossível construir um demonstrativo de resultados confiável. A margem bruta, resultado da receita líquida menos os custos diretos, é uma das métricas mais importantes para avaliar a saúde de qualquer negócio. Startups que calculam essa métrica incorretamente tomam decisões equivocadas sobre preços e estratégias de crescimento.
A construção de relatórios gerenciais vai além do DRE. O fluxo de caixa é fundamental para entender não apenas quanto o negócio ganha ou gasta, mas quando essas movimentações acontecem. Descasamentos entre recebimentos e pagamentos podem gerar crises de liquidez mesmo em organizações lucrativas.
Um aspecto crucial frequentemente ignorado é a necessidade de se respeitar a sequência desses três passos. É muito mais difícil construir orçamentos confiáveis sem dados históricos organizados. Indicadores sofisticados são inúteis se calculados sobre bases inconsistentes. Tentar pular etapas invariavelmente resulta em retrabalho caro e demorado.
Muitos fundadores argumentam que podem organizar suas finanças internamente, economizando recursos para outras prioridades. Essa lógica ignora dois custos importantes: o tempo do fundador e o custo dos erros. Cada hora dedicada ao aprendizado de conceitos contábeis é uma hora subtraída do desenvolvimento do produto e do negócio. Mais grave ainda é o risco de decisões incorretas baseadas em informações não confiáveis.
O ecossistema brasileiro de startups tem potencial para gerar empresas verdadeiramente transformadoras. Mas isso só será possível se nossos empreendedores compreenderem que uma estrutura financeira sólida não limita a criatividade, ela a potencializa, fornecendo a base segura necessária para que fundadores possam tomar riscos calculados e perseguir oportunidades ambiciosas. A questão não é se sua startup precisa desses fundamentos, mas quando você vai implementá-los.
*Everton Werlang é PMO da Triven.
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Fonte Oficial: https://startupi.com.br/primeiros-passos-financeiros-toda-startup-deve-dar/