O perfil da consumidora brasileira está mudando e o varejo precisa prestar atenção. Um fenômeno silencioso, mas crescente, vem preocupando especialistas em comportamento financeiro: o aumento expressivo da participação feminina em plataformas de apostas online. Se antes elas eram protagonistas da responsabilidade financeira, hoje estão cada vez mais expostas a um universo de risco e compulsão que pode comprometer o consumo consciente e o equilíbrio doméstico.
Historicamente, as mulheres sempre foram vistas como mais responsáveis financeiramente. O economista Muhammad Yunus, vencedor do Nobel da Paz em 2006, criou o Grameen Bank com foco em microcrédito para mulheres pobres, por acreditar que elas demonstravam maior comprometimento com o retorno do investimento e com o bem-estar da família.
Segundo dados do próprio Grameen Bank, 97% dos empréstimos concedidos são para mulheres (num universo de 10,75 milhões de clientes), o que reforça a confiança depositada nelas como agentes de transformação econômica. Essa reputação fez das mulheres pilares do consumo consciente, especialmente em segmentos como moda, beleza, alimentação e educação.
No entanto, o envolvimento crescente com apostas online pode estar desviando recursos antes destinados ao consumo no varejo, colocando em risco esse protagonismo histórico. A compulsão por jogos, embora historicamente associada aos homens, vem crescendo entre mulheres, com impactos emocionais e financeiros ainda pouco discutidos.
Dados recentes do Instituto Locomotiva revelam que 47% dos apostadores brasileiros são mulheres, especialmente entre 18 e 39 anos, com ensino superior e pertencentes à classe média. Esse perfil contraria o estereótipo do apostador masculino e aponta para uma mudança cultural significativa.
O Banco Central (BC) também acendeu o alerta. De janeiro a março, os apostadores destinaram até R$ 30 bilhões por mês às bets, disse o secretário-executivo do BC, Rogério Lucca, em abril, durante sessão na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Bets do Senado. O valor poderia estar circulando no varejo.
Para o varejo, o alerta é claro: há uma nova concorrência pelo bolso da consumidora. O dinheiro, que antes era investido em produtos e serviços, está sendo canalizado para plataformas de apostas, muitas vezes sem retorno.
Além disso, o varejo perde não apenas receita, mas também a conexão emocional com a cliente, que passa a buscar adrenalina e recompensa imediata em ambientes digitais gamificados, em vez da experiência de compra física ou online. Outros tempos…
O varejo brasileiro sempre contou com a mulher como sua principal aliada, mas agora, ela está sendo seduzida por um mercado que oferece promessas rápidas e perigosas. Entender esse novo comportamento é essencial para conscientizar a consumidora e preservar o papel que ela sempre desempenhou: o de protagonista da economia doméstica, como Yunus já reconhecia há décadas.
SANDRA TAKATA
Jornalista, presidente do Instituto Mulheres do Varejo, LinkedIn Top Voice, palestrante, coordenadora e coautora do livro Mulheres do Varejo – Mulheres que Constroem a História do Varejo no Brasil.
Fonte Oficial: https://agenciadcnews.com.br/artigo-por-sandra-takata-mulheres-nas-apostas-um-novo-desafio-para-o-varejo/