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ARTIGO, por Marcelo Candido de Melo: “Não transforme seu negócio num peso, muito menos para os herdeiros”

Há basicamente duas razões para montar um negócio próprio: a opção ou a falta de opção. As duas são extremamente válidas e não garantem o sucesso do empreendimento. Há histórias que começaram porque quem iniciou não viu, depois de muito buscar, outra perspectiva, outra possibilidade. A pessoa sentiu-se alijada do mercado de trabalho ou, em alguns casos, frustrada com as ofertas e possibilidades que recebia. Não se pode concluir que essa pessoa tenha mais vontade ou necessidade de quem conseguiu se estruturar.

Claro que se há uma ideia e a pessoa tem condições de pesquisar, investigar, se preparar e, além de tudo isso, ter uma identificação com o que virá a fazer, é possível que essa pessoa inicie com autoestima mais elevada, acreditando mais. Sucesso garantido? Em hipótese alguma.

Não se pode esquecer que negócio é fonte de capital, acesso a um financiamento barato pode fazer toda a diferença. Os juros no Brasil seguem extorsivos, haja capacidade empreendedora para dar resultado e pagar bancos, todo cuidado é necessário. Mas se uma boa reserva financeira ou acesso a grana faz diferença, não se pode esquecer um paralelo com o futebol.

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Telê Santana foi um dos maiores técnicos desse esporte, ainda que suas seleções não tenham sequer chegado às finais de Copa do Mundo. Se faltaram títulos, nunca faltou vontade de assistir os times treinados por ele, um respeito à bola e privilegiando a inteligência dos jogadores levou o meu São Paulo (ainda me pergunto que como, com o VAR, aquele pênalti ululante contra o Palmeiras não foi marcado…), ao bicampeonato mundial de clubes.

No centro do programa Roda Viva da TV Cultura, no início dos anos 1990, foi perguntado pelo médico e jornalista esportivo Osmar de Oliveira qual jogador escolheria para jogar no time dele, o atacante holandês Van Basten, o também atacante brasileiro Romário ou líbero italiano Franco Baresi, três dos maiores craques daquela época. Para neutralizar a diferença de idade entre eles, Oliveira propôs uma suposição, todos aos 25 anos.

Telê não titubeou quase nada, iria de Van Basten, pela completude, cabeceio, chute e inteligência no posicionamento, ressaltando claro que adoraria ter os três no time! O entrevistador daí arrancou possivelmente o que queria do técnico ao criar mais uma suposição. E se Van Basten fosse bilionário e o Romário pobre. Imediatamente ele refez sua escolha e foi de Romário, soltando a seguir a teoria do “cachorro magro”, aquele que ainda precisa, que vai atrás.

Se dinheiro faz mais dinheiro, só capital não garante negócio algum, e Telê sabia das coisas, cachorro gordo busca menos alimento! Nunca encontrei nada que dissesse que Telê foi leitor de Freud ou Lacan, mas quero crer que estava se referindo ao conceito de pulsão que Freud fez questão de diferenciar de instinto, que era mais biológico. Sendo pulsão uma força, podendo até ser constante, que busca satisfação ainda que o objeto foco dela possa variar.

Se no início Freud falava de pulsão do eu e pulsão sexual, depois de Além do princípio do prazer de 1920, passou a falar pulsão de vida, que relacionou a Eros e conectou a união, a construção, a sexualidade e ao amor, e pulsão de morte, relacionada a Thanatos e conectada a destruição, a repetição, inércia.

Somos seres pulsionantes, aliás, a psicanálise pode ser vista como a atividade que tenta garantir ao sujeito a clareza disso, a assunção das pulsões. O conceito de repetição é importante, mas fica para outro momento, para Freud, existe uma dimensão de repetição que busca a descarga absoluta, até se esquecendo do prazer. Já para Jacques Lacan o que nos move é o desejo que se apoia na falta e na relação com o outro.

E daqui volto ao título da coluna, cuidado com o lugar que coloca o seu negócio na sua vida. Seus familiares querem tirar todos os proveitos possíveis dele, posicionamento social, oportunidades e uma vida financeira boa, mas com certeza assumiriam muitas restrições quando essa tarefa, um cachorro magro demais, ou já nem tão magro, mas fixado no trabalho, ou com as pulsões desreguladas, transformasse a própria vida e na sequência a deles, num verdadeiro inferno, chegar em casa de péssimo humor, ou então num enorme vazio e ausência.

Sei de muitas histórias que nem o dono quer ir para a empresa na segunda pela manhã, ou, sádico que possa ser, vai lá apenas para descontar na equipe o que não vai bem internamente. Não há retorno financeiro que feche essa equação. Não é fácil segurar as emoções quando o risco, ou a água bate no nariz.

Empreendedores centralizadores existem aos montes, os que nem são tanto, mas não sabem fazer a transição, também. E tem os que depois de tanto reclamar do negócio e da condição que aceitaram da vida, indignam-se quando os herdeiros não têm o menor interesse pelo tal maior fruto de dedicação. Sim, seu negócio causa “ciúme” no cônjuge, num filho ou filha que preferiam amor e tempo, aos substitutos que são trazidos pelo dinheiro. Quase ninguém combina esse trade-off, e quem combina, possivelmente se arrepende no meio do caminho.

Como andam suas pulsões? E as relações com as pessoas no seu entorno pessoal? Tem tido tempo para trocar com os filhos? Que tal um cineminha com a esposa ou o marido hoje à tarde? Ou então com as crianças depois da aula? Pode dizer na empresa que foi para um compromisso muito importante!

MARCELO CANDIDO DE MELO
Escritor e psicanalista, é graduado e pós-graduado em administração pela EAESP-SP da FGV. Atuou na área de marketing de grandes empresas nacionais e multinacionais antes de empreender no mercado editorial. Sua editora alcançou bastante sucesso e foi adquirida por uma multinacional. Já escreveu 18 livros em seu nome ou como ghost-writer. Dá atenção especial à produção ficcional. Também já fez roteiro de documentário. Nos últimos anos mergulhou numa formação em psicanálise e desenvolve atividade clínica. 

Fonte Oficial: https://agenciadcnews.com.br/artigo-por-marcelo-candido-de-melo-nao-transforme-seu-negocio-num-peso-muito-menos-para-os-herdeiros/

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