Caminhar pelo Centro de São Paulo é uma experiência de imersão profunda nas contradições que definem o Brasil. Em cada esquina, a arquitetura histórica nos lembra das histórias de um passado grandioso, enquanto a vibrante cena cultural e gastronômica pulsa com a energia do presente. No entanto, sob essa camada de efervescência, repousa uma ferida social abjeta: a brutal desigualdade que empurra milhares de pessoas para a invisibilidade das ruas, em um cenário que clama por nosso olhar e nossa ação.
Não é um acaso. Dados recentes apontam que o estado de São Paulo concentra 43% da população em situação de rua do país. Essa estatística alarmante não é apenas um número. É a materialização de um tecido social esgarçado, onde a falta de acesso à moradia, saúde, educação e ao emprego se torna um ciclo vicioso de exclusão. O Centro da cidade, como coração da metrópole, acaba por espelhar essa realidade de forma mais intensa e dolorosa.
Buscar soluções para encarar esse desafio exige que pensemos além do óbvio. Soluções meramente higienistas, que buscam apenas ‘limpar’ o espaço público, são tão ineficazes quanto cruéis. Elas ignoram a humanidade por trás da vulnerabilidade e atacam o sintoma, não a causa. A verdadeira transformação do Centro passa, necessariamente, por uma abordagem integrada, fundada em uma tríade indissociável: Dignidade, Zeladoria e Criatividade.
DIGNIDADE – O primeiro pilar, e o mais fundamental, é o da Dignidade Humana. Isso se traduz em políticas públicas robustas e coordenadas de inclusão social. Precisamos garantir segurança, não apenas o importantíssimo enfrentamento à criminalidade, mas também seus aspectos alimentares, trabalhistas e de moradia. Precisamos de acesso universal à saúde física e mental, de educação que abra portas e de oportunidades de emprego que devolvam a autonomia.
Iniciativas como o Plano Ruas Visíveis, do governo federal, que apoia cooperativas de catadores, são exemplos de esperança, mostrando que é possível gerar renda e inclusão simultaneamente. Em paralelo, vem a zeladoria com pertencimento. Uma iluminação pública eficiente, calçadas acessíveis que convidem ao caminhar e uma limpeza urbana constante não são apenas questões estéticas. São gestos que comunicam cuidado, respeito e a ideia de que aquele espaço pertence a todos. Um ambiente bem cuidado estimula o senso de comunidade e apropriação, tornando-se um catalisador para a convivência harmônica. A acessibilidade, aqui, é palavra-chave: calçadas transitáveis e um transporte público eficiente são a espinha dorsal de uma cidade verdadeiramente democrática.
Finalmente, a economia criativa e vibrante. O Centro já é um caldeirão de cultura. Por que não transformá-lo oficialmente em nosso polo de inovação? A região tem vocação para abrigar agências de publicidade, estúdios de design, startups e toda a gama de profissões que florescem no terreno da criatividade. Para isso, é crucial criar um ambiente de negócios favorável, com menos burocracia e mais incentivos, que atraia investimentos e gere empregos de qualidade. Ao mesmo tempo, políticas que estimulem a moradia no Centro podem adensar a região com vida, criando um ecossistema dinâmico onde as pessoas vivem, trabalham e se divertem.
BASE – É preciso ressaltar sempre que esses três pilares não funcionam isoladamente. São engrenagens de um mesmo motor. A inclusão social confere a base humana para que a economia floresça. Uma economia vibrante gera os recursos e as oportunidades para aprofundar a inclusão. E a zeladoria cria o palco digno para que essa transformação aconteça. Revitalizar o Centro de São Paulo é mais do que um projeto urbanístico. É um pacto civilizatório.
É a chance de provarmos a nós mesmos que somos capazes de enxergar o outro, de tecer solidariedade em meio ao concreto e de construir um futuro em que o coração da nossa maior cidade não seja lembrado pela ferida, mas pela força de sua pulsação inclusiva e cheia de esperança.
ANDRÉ NAVES
Defensor público federal, formado em Direito pela USP, é especialista em Direitos Humanos, Inclusão Social, mestre em Economia Política pela PUC/SP e doutor em Economia pela Princeton. Autor dos livros Caminho, a Beleza é Enxergar (2023) e Beethoven Enxergou o Luar (2025). É também embaixador do Instituto Fefig. www.andrenaves.com
Fonte Oficial: https://agenciadcnews.com.br/artigo-por-andre-naves-a-esperanca-no-coracao-da-metropole/