Qual é o órgão judicial competente para julgar a validade de contratos de prestação de serviços por parte de Pessoa Jurídica (PJ)? Quais elementos garantem a natureza civil e a não caracterização de vínculo empregatício? A quem recai o ônus da prova em caso de fraude? Todas essas relevantes questões devem ser respondidas na audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 6 de outubro, quando será discutida a pejotização — contratação de profissionais via PJ em vez de vínculo da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Essas definições terão impactos profundos para o ambiente de negócios brasileiro, com potencial de pacificar as divergências trabalhistas que se avolumam nos tribunais País afora. Contudo, também podem trazer ainda mais insegurança jurídica para a modalidade autônoma, amplamente utilizada hoje em dia.
De forma a esclarecer ao setor produtivo o que será abordado no Supremo, assim como o que pode mudar nos contratos de prestação de serviço, o Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) realizou, em 26 de setembro, uma live com grandes especialistas.
Confira a live completa:
Origem das divergências
Segundo José Pastore, presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da FecomercioSP, os novos modelos de negócio exigem regras mais flexíveis, capazes de conciliar a necessidade de competitividade das empresas com a proteção aos trabalhadores. “Temos uma realidade que vai muito além da antiga relação binária entre empresa e empregado, na qual PJs realizam funções de diversas formas, e a legislação não atende a essa complexidade”, afirmou.
Enquanto as relações laborais evoluem, o empregado e o empresário se encontram entre as vantagens da estabilidade da CLT e os ganhos econômicos dos contratos autônomos. Para Luciana Yeung, economista e professora no Insper, esse dilema é causado pela superproteção da legislação atual sobre os trabalhadores CLT, que onerou em demasia a contratação e a manutenção desses profissionais. Em contrapartida, existe o estímulo à pejotização pelos benefícios financeiros envolvidos e pela maior liberdade de atuação.
“A pejotização no Brasil é um problema pelos incentivos tributário e de renda que se impõem. Isto é, vai muito além das questões trabalhistas. É comum vermos profissionais PJs que contam com vantagens financeiras e tributárias, em detrimento do trabalhador CLT. Isso é reflexo da legislação vigente, que, ao tentar proteger o funcionário, não incentiva a contratação de celetistas, seja pelo custo para a empresa, seja pela limitação à classe trabalhadora”, apontou Luciana.
É importante destacar que a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) prevê a contratação de trabalhadores autônomos com exclusividade e de forma contínua, desde que não haja os elementos que caracterizam um vínculo empregatício.
Diferenças entre autônomo e CLT
A fraude trabalhista acontece se o prestador de serviços PJ atuar na prática cumprindo todos os requisitos que a CLT atribui ao contrato de emprego. Subordinação, habitualidade, onerosidade e pessoalidade são as características que enquadram o vínculo empregatício.
Atualmente, há muitos casos de empresas que contratam Microempreendedores Individuais (MEIs) na modalidade autônoma, mas eles acabam cumprindo jornadas como um trabalhador CLT. Segundo Otávio Pinto e Silva, professor de Direito do Trabalho e de Seguridade Social na Universidade de São Paulo (USP), essa prática, além de fraudulenta, desvirtua o propósito inicial do MEI.
“O MEI surgiu com a ideia de oportunizar o empreendedorismo individual. No entanto, existem muitas situações em que a categoria é contratada pelas empresas como se fosse um trabalhador comum, subordinado e com horários predefinidos. Isso se caracteriza como uma fraude trabalhista. Se o negócio tem a necessidade de um trabalhador em tempo integral, deve contratá-lo no formato CLT. A contratação do MEI ou de qualquer outro regime autônomo precisa ser entendida pelas empresas como uma prestação de serviços específica e sem qualquer vício trabalhista. Não se pode confundir terceirização com pejotização”, ponderou Silva.
Apesar das regras estabelecidas, segundo Estêvão Mallet, advogado e integrante do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da FecomercioSP, nem sempre é fácil distinguir essa relação. “Na prática, onde temos colaboradores que prestam serviços de diferentes formas e locais, inclusive em outros países por meios virtuais, é difícil distinguir essa relação. São novos desafios que estamos lidando ainda com uma legislação da década de 1940. Por isso que a decisão do Supremo é fundamental para pacificar essa modalidade. O impacto para as empresas poderá ser muito grande”, afirmou.
Em prol do ambiente de negócios
A FecomercioSP defende a modernização das relações laborais como caminho essencial para o desenvolvimento do País. Atualizar o tratamento jurídico para as formas de contratação, segundo a Entidade, significa reduzir a informalidade, ampliar as oportunidades de trabalho e trazer mais segurança jurídica às partes, evitando litígios e fortalecendo a autonomia privada como espaço legítimo de construção de consensos.
Segundo Ivo Dall’Acqua Júnior, presidente em exercício da Federação, “estamos diante de uma profunda insegurança jurídica: o que está em jogo é o equilíbrio entre a autonomia do trabalhador e a necessidade de proteção legal. São questões que definem o futuro das relações de trabalho e apontam para o desafio fundamental da liberdade de escolha versus a imposição de vínculos”, concluiu.
A modernização trabalhista não implica perda de direitos, mas a adaptação do Brasil a um cenário econômico dinâmico, em que empresas precisam de condições para crescer e inovar, enquanto trabalhadores merecem vínculos formais, estáveis e protegidos. Além disso, de acordo com Dall’Acqua Júnior, as novas gerações da força de trabalho nem sempre manifestam preferência pela forma celetista para essas relações, encaminhando-se para novos arranjos que permitam mais liberdade e flexibilidade do que a função subordinada.
Acompanhe todas as discussões sobre a pejotização e da audiência pública no STF na página do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho.