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Rio Grande do Sul lidera a produção de vinho natural

Patrícia Lima, especial para o JC*

O vinho natural, também chamado de mínima intervenção, ganha força no Rio Grande do Sul e já movimenta produtores e apreciadores. Porto Alegre sedia, nos dias 1º e 2 de novembro, a sexta edição do Vinho no Vila Flores, feira dedicada exclusivamente a esse estilo, que reunirá 24 vinícolas gaúchas. O movimento acompanha uma tendência mundial: a área de uvas orgânicas cresceu mais de 50% na última década e o mercado global de vinhos orgânicos deve triplicar até 2030.

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Vila Flores tem uma feira dedicada exclusivamente ao vinho natural, que já se consolidou e vai para sua sexta edição nos próximos dias 1 e 2 de novembro


Marcelo Curia/Divulgação/JC

Uma tendência que muita gente acredita ser nova chega para sacudir o universo de quem aprecia vinho. Tem quem ame e dedique sua fidelidade a esse estilo. E tem quem odeie e rejeite com todas as forças. E tem o pessoal que simplesmente gosta de apreciar a bebida e se interessa pelas novidades que entregam qualidade. No ar, permanece a questão: o que é, afinal, o vinho natural sobre o qual tanto se fala? É moda passageira ou veio para ficar? É coisa de gente natureba? É caro? Vale a pena provar?

As respostas passam ao largo da costumeira grenalização dos apreciadores – ou dos detratores – mais apaixonados. Como se trata de vinho, um organismo vivo que se origina da natureza e do trabalho humano, as certezas são sempre movediças. O que não se pode negar é que, sim, produzir e consumir vinho chamado de natural virou uma tendência crescente em todo o mundo.

No Rio Grande do Sul, principal estado produtor de vinhos do Brasil, a moda vem pegando rapidamente. Mais e mais produtores se dedicam ao que também se chama de vinho com mínima intervenção, fazendo surgir a cada dia novas vinícolas e rótulos inesperados – não se tem dados oficiais compilados, mas a imensa maioria dos produtores nesse estilo está em terras gaúchas.



Evento contará com a participação de 24 expositores com seus vinhos autorais


Marcelo Curia/Divulgação/JC

Até uma feira dedicada exclusivamente ao vinho natural, a Vinho na Vila Flores, já se consolidou e vai para sua sexta edição nos próximos dias 1 e 2 de novembro, em Porto Alegre, com a presença confirmada de 24 expositores. A Capital, aliás, lidera o movimento do vinho natural no Estado também pelos seus produtores. As vinícolas urbanas, localizadas na cidade, têm especial aptidão para apostar nesse estilo, com novos rótulos lançados a cada safra.

De acordo com um levantamento feito no ano passado pela Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV), a área plantada com uvas orgânicas no mundo cresceu mais de 50% na última década, com destaque para países produtores tradicionais na Europa como França, Espanha, Itália e Alemanha. Dados do Transparency Market Research, instituto americano de pesquisas mercadológicas, revelaram que o mercado de vinhos orgânicos no mundo atingiu a cifra de US$ 11 bilhões em 2020 – a perspectiva para 2030, segundo o mesmo instituto, é de um faturamento de US$ 30 bilhões.

Em contrapartida, estimativa da mesma OIV revelou que a produção global de vinho convencional (não-orgânico ou que, ao menos, não usa este apelo comercial) seria a menor dos últimos 64 anos. Em cenas inéditas, a França, produtor dos vinhos mais prestigiados do mundo, destruiu cerca de 4% dos seus vinhedos no ano passado. Queda no consumo e mudanças climáticas são os principais argumentos que explicam essa queda.

O Brasil entrou no debate sobre o vinho natural com a criação da Feira Naturebas, há 13 anos, em São Paulo. O evento começou pequeno, com 20 produtores e pouco mais de 100 participantes. Em 2025, na 13ª edição, a Feira recebeu 180 produtores de todo o mundo e mais de 3 mil visitantes, considerada a maior do gênero na América Latina.

Após conhecer o evento paulistano, o vinhateiro e paisagista Paulo Backes, que produz vinho natural em Porto Alegre, viu a oportunidade de organizar movimento semelhante por aqui, para reunir os produtores gaúchos e tornar esse estilo de bebida mais conhecido.

Assim nasceu o Vinho no Vila Flores, feira de vinhos naturais e autorais que ocorre no complexo cultural localizado no conjunto arquitetônico de três prédios, projetado por José Lutzemberger em 1925, no coração do Quarto Distrito. A sexta edição deve receber 24 produtores, todos gaúchos. Desde 2022, a feira já recebeu aproximadamente 2,5 mil visitantes. Backes explica que o evento não recebe lojas ou importadoras justamente para possibilitar o encontro entre produtores e consumidores.

Nessa troca, o vinho autoral com mínima intervenção fica mais conhecido e os vinhateiros têm a oportunidade de comercializar sua produção. “A feira tem limite de público e de expositores. Queremos manter esse caráter intimista em que as pessoas podem conhecer mais sobre o nosso trabalho e aprender a apreciar esse estilo de vinho”, afirma.

 

Vinho natural: confusão até no nome

Bebida com mínima intervenção possível conquista paladares


Katiuska Salles/Divulgação/JC

Mas, afinal, o que é vinho natural? A polêmica já começa por aí. É um conceito nebuloso, que encontra variadas resistências e contestações. Vinho é um produto natural na sua origem, elaborado a partir de uma fruta, a uva, insumo que não pode ser fabricado em laboratório. Ao mesmo tempo, não surge espontaneamente: a intervenção humana é decisiva para transformar o fruto da natureza em bebida. O que se convencionou chamar de “vinho natural”, nos nossos tempos, é aquele que sofre a mínima intervenção enológica e industrial possível.

O vinho pode sofrer numerosos tratamentos em seu processo de produção em escala industrial. Desde o cultivo do vinhedo, no qual se usam defensivos agrícolas, até a fermentação e finalização, são muitas as estratégias possíveis para adaptar a bebida resultante ao gosto do mercado e dos consumidores e até para corrigir eventuais defeitos. São dessas intervenções enológicas, comuns na fabricação, que os produtores naturais querem fugir quando preparam os seus rótulos.

Mesmo com as controvérsias, uma das ações banidas dos vinhos ditos naturais é unanimidade: o uso de leveduras selecionadas é proibido. Para que o mosto das uvas vire vinho é essencial o trabalho dos micro-organismos que transformam o açúcar da fruta em álcool. Nos cachinhos de uva colhidos no vinhedo vêm uma variedade de fungos nativos daquele ambiente em que a planta vive.

Nos processos industriais, a uva passa por uma assepsia química que elimina todos esses micro-organismos nativos e, depois da prensagem, é adicionada ao líquido uma levedura selecionada para fazer a fermentação. Existe uma grande variedade de leveduras disponíveis no mercado, cada uma capaz de aportar aromas e características distintas aos vinhos. Nos naturais, essa eliminação das leveduras autóctones não acontece e a fermentação ocorre justamente com elas, que também são chamadas de leveduras selvagens ou indígenas, por estarem presentes naturalmente no terroir.

No passado, desde antes do período romano, já era assim que se fazia vinho. As leveduras presentes no vinhedo sempre foram responsáveis pela fermentação. Isso mudou quando a fabricação de vinhos ganhou escala e processos industriais, com a necessidade de padronização do vinho a ser comercializado.

Por outro lado, é difícil, mesmo para o pessoal do vinho natural, fugir de outra intervenção enológica: a adição de sulfitos. São eles que fazem a assepsia do mosto e que controlam a proliferação dos fungos e bactérias. Ao final, quando o vinho está pronto, o sulfito segue com seu papel sanitizante e conservante. É difícil – mas não impossível – fazer vinho sem ele. Por isso, a turma dos naturais preconiza o uso mínimo dessa substância, somente o necessário para conservar a bebida e evitar que ela estrague após engarrafada.

 

Sem legislação, produtores experimentam limites

Paulo Backes diz que método natural começa no vinhedo


Paulo Backes/Arquivo Pessoal/JC

Não existe, no Brasil, uma legislação ou normativa que regulamente os processos de vinificação e os insumos permitidos em um vinho considerado natural. Cada produtor faz do seu jeito. Aliás, essa regulamentação não existe na maioria dos outros países produtores do mundo.

O único a estabelecer regras foi a França, cujo governo reconheceu, em 2020, a categoria de Vin Méthode Nature (vinho de método natural), impondo um conjunto de regras que devem ser seguidas pelos vinhateiros. Entre as principais, a obrigatoriedade da colheita à mão, a fermentação com as leveduras selvagens e o limite de sulfito em 30 miligramas por litro.

É esse conjunto de normas que guia o pessoal do vinho de método natural por aqui. O produtor Paulo Backes, da Monte Vinhos de Autor, comenta que nem sempre é possível encontrar uvas orgânicas, mas a turma sempre busca a fruta proveniente de vinhedos sadios, em que o uso de defensivos é pouco ou nenhum.

Segundo ele, a sanidade das uvas e suas condições de amadurecimento determinam a qualidade do vinho. “Com uma uva perfeita, sem podridões, com acidez alta e colhida no ponto certo de maturação, nem precisamos adicionar sulfito, geralmente. Por isso, esse vinho de método natural começa a ser feito no vinhedo, que exige o máximo de cuidado”, explica.

Método natural versus produção industrial: quem é quem

Resultado do processo de produção expressa mais as características da uva


BRENO BAUER/JC

Quem está acostumado a beber vinho produzido em escala industrial, especialmente aqueles feitos em grandes quantidades, vai se surpreender ao provar um vinho natural. Pode ser uma surpresa ou um estranhamento. O certo é que é impossível ficar indiferente à turma da mínima intervenção. E, se a bebida for bem elaborada, a chance dessa tendência ganhar mais um adepto é grande.

No final das contas, o que importa para a maioria dos consumidores é o prazer no momento de beber uma taça de vinho. Os adeptos do vinho convencional vão argumentar, com razão, que com maiores controles enológicos, a qualidade do resultado fica assegurada. O consumidor que já formou o seu gosto corre menos risco de se decepcionar – a menos, claro, que o vinho esteja estragado na garrafa.

Já o vinho natural é imprevisível. Como ele não tem interferências enológicas como a clarificação e a filtragem e usa leveduras do próprio vinhedo e do ambiente, sem adicionar o fermento selecionado, o resultado expressa com muito mais fidelidade as características da uva e do local onde ela é cultivada.

Herança familiar reinventada em Porto Alegre

Ana Maria e Caio, proprietários da Cantina Mincarone, querem crescer sem ultrapassar 30 mil garrafas anuais


BRENO BAUER/JC

Como toda família que se originou na imigração italiana, os primeiros Mincarone cultivavam uva e produziam seu próprio vinho na Serra Gaúcha – hábito abandonado na segunda metade do século XX, quando se transferiram para Porto Alegre. Em 1974, o patriarca, saudoso das coisas do campo, adquiriu uma propriedade na Lomba do Pinheiro para ser uma espécie de refúgio, onde ele podia criar seus cavalos de corrida. Nesse local escondido da zona rural da Capital funciona, desde 2017, a Cantina Mincarone, projeto dos herdeiros que busca o resgate da arte ancestral de fazer vinhos do jeito mais natural possível, explorando o potencial das uvas.

Os responsáveis por essa aventura enológica são a jornalista Ana Maria e o filho, o fotógrafo Caio Mincarone, que em 2025 produziram 12 mil garrafas de mais de 20 rótulos na estrutura de 150 metros quadrados, montada nos galpões da propriedade. Desde o começo, o objetivo é fazer vinhos com a menor intervenção possível, para que a bebida expresse as características das uvas e do local de onde vêm, sem padronização. “Não filtramos, não clarificamos e só adicionamos o mínimo de sulfito quando absolutamente indispensável. Além disso, optamos por uvas orgânicas ou de cultivo biodinâmico, com as leveduras nativas dos vinhedos. A cada safra, temos bebidas diferentes. Esse é o espírito do vinho natural”, explica Caio.

Além da vinificação na propriedade, mãe e filho também cultivam vinhedos na Lomba do Pinheiro. Como são jovens, as videiras locais ainda não produzem, mas as perspectivas são boas para os próximos anos, já que variadas cepas estão sendo testadas. Uma das mais aguardadas é a italiana nebbiolo, uva de difícil cultivo, mas que já provou se dar bem nessa região.

Além de ser uma convicção, o vinho natural também é uma tendência de consumo a ser explorada, conforme os Mincarone. “O vinho natural combina com um estilo mais leve, menos extraído e com menor teor alcoólico, que tem agradado os consumidores mais jovens, que querem conhecer produtos fora do padrão industrial”, afirma Ana Maria. O futuro da vinícola, segundo os proprietários, é crescer de forma paulatina nos próximos anos, sem jamais ultrapassar as 30 mil garrafas anuais, número que ainda permite que a qualidade e o estilo de intervenção mínima sejam preservados.

 

Vinhos imponderáveis se escondem em casarão

Paulo Backes diz que método natural começa no vinhedo


Paulo Backes/Arquivo Pessoal/JC

Em uma tarde quente de 2016, o fotógrafo e paisagista Paulo Backes foi a uma feira orgânica em Porto Alegre e chegou em casa carregando uma caixa com 50 quilos de uva. “Vou fazer um vinho”, anunciou ele. O que parecia uma invenção meio maluca se tornou o projeto sólido de um apaixonado. Nascia ali a Monte Vinhos de Autor, cuja sede fica em um casarão no Centro Histórico da Capital. Desde aquela primeira caixa de uvas, a ideia sempre foi fazer vinho com mínima intervenção, seguindo os métodos ancestrais de vinificação, sem padrões ou estratégias industriais. “Sempre estive muito ligado à natureza, pelo trabalho como paisagista, e isso me mostrou que o caminho é a busca pela saúde do planeta e das pessoas. O vinho também está inserido nisso”, explica.

Além dessa busca pela sustentabilidade em todo o processo produtivo, desde o vinhedo até a garrafa, outro aspecto conquistou Backes desde que conheceu o vinho natural: o imponderável. “Com métodos naturais de vinificação e mínima intervenção, a gente nunca sabe com certeza o que vai dar, já que a uva e o terroir de onde ela vem se expressam sem amarras. O vinhateiro atua justamente para que essa expressão seja a mais verdadeira possível, com qualidade. O resultado tem sempre um aspecto imponderável, o trabalho da natureza”, afirma.

A Monte produz uma média de 3,7 mil garrafas por ano, com tiragens de 300 a 500 garrafas de cada rótulo. O barato de Backes é experimentar, então ele sempre tem muitos rótulos no portfólio. Em uma das grandes salas do casarão onde mora, recebe os interessados para degustações, despertando a curiosidade de cada vez mais gente.

Essa curiosidade, aliás, fez com que Backes e o sócio conhecessem a Feira Naturebas, em São Paulo, pioneira na divulgação do vinho natural no Brasil, e se inspirassem para organizar um evento nos mesmos moldes em Porto Alegre. Nasceu assim a feira Vinho no Vila Flores, dedicada exclusivamente a essa tendência.

 

Grandes produtores estão atentos à mínima intervenção

Miolo Wild Gamay é elaborado pelo método ancestral


Miolo/Divulgação/JC

Apesar de estar majoritariamente concentrada entre os pequenos, a onda do vinho natural já chegou nos grandes produtores no Rio Grande do Sul. As gigantes Chandon e Miolo são exemplos de que é possível produzir vinhos de grande qualidade e apelo comercial com vinhedos cultivados em formato sustentável ou com intervenções enológicas mínimas.



Chandon Névoa das Encantadas não tem açúcares


Chandon/Divulgação/JC

O caso mais emblemático é a Miolo, que está na quinta safra do Miolo Wild Gamay, tinto elaborado pelo método ancestral de maceração carbônica de cachos inteiros, fermentação espontânea com leveduras selvagens e sem adição de sulfitos. As uvas são cultivadas na Campanha Gaúcha, terroir em que a Gamay, de origem francesa, vem se adaptando bem. Para Adriano Miolo, diretor Superintendente da Miolo Wine Group, tecnologia e conhecimento são fundamentais para permitir um projeto como este. “O importante é saber compreender o terroir e andar com a natureza”, destaca.

Projetos com pegada sustentável também se destacam quando o assunto é espumante. O Chandon Névoa das Encantadas, elaborado sem adição de açúcar, 100% com a uva chardonnay, é um deles. Práticas regenerativas são aplicadas no vinhedo próprio da empresa em Encruzilhada do Sul, com manejo inteligente do solo, uso de adubos orgânicos e proteção da biodiversidade. A propriedade em que estão as videiras preserva 38 hectares de vegetação nativa remanescente e 50 hectares de reserva legal, além de integrar a Rota dos Butiazais, um projeto inédito de resgate e replantio da espécie nativa do Bioma Pampa, ameaçada de extinção.

 

Alma que sai de dentro das garrafas

O médico cardiologista Rubem Kunz (esquerda) investiu para ter sua própria vinícola na cidade de Taquara


Rubem Kunz/Arquivo Pessoal/JC

O interesse do médico cardiologista Rubem Kunz por vinhos começou cedo, nas férias com os avós, que apreciavam a bebida e escapavam provas generosas aos netinhos. Com um dos tios mais próximos, experimentou rótulos de todo o mundo, o que despertou o paladar e a curiosidade do jovem para esse universo sensorial. Já adulto e estabelecido em sua profissão, seguiu nutrindo seu interesse pelo assunto com leituras e provas. Até que, em 2014, um amigo montou uma estrutura para beneficiar uvas e fazer suco. Era o empurrão que faltava para o apreciador virar produtor.

As primeiras vinificações ocorreram pelo manual tradicional, o método mais controlado aplicado à fabricação. No entanto, à medida que ia descobrindo as particularidades de cada lugar de onde as uvas eram trazidas, aumentava o anseio e a curiosidade pela tipicidade. Ao conhecer mais profundamente os vinhos naturais, com mínima intervenção, descobriu um universo repleto de novas sensações. “Desde então, faço vinho da forma mais intuitiva possível, com todo o conhecimento técnico aplicado, claro. Mas brinco que não fiz uma vinícola, fiz um ateliê, em que se evidencia a criatividade. Gosto de uma frase de um vinhateiro francês que diz que quando se abre uma garrafa, espera-se encontrar alguém dentro. Espero que me encontrem nas nossas”, afirma Kunz.

Depois de vinificar na estrutura do amigo durante três anos, Kunz passou a investir na sua própria vinícola em Taquara, onde mora. Seguindo uma tradição portuguesa de batizar os negócios com o nome dos lugares em que estão, nasceram os Vinhos da Rua do Urtigão.

Anualmente, saem da tal rua cerca de quatro mil garrafas de espumantes, brancos e tintos – alguns dos quais já reconhecidos e premiados, feitos com uvas de variadas partes do Rio Grande do Sul, como a Serra Gaúcha, a Serra do Sudeste e a Campanha. As intervenções enológicas, quando ocorrem, são mínimas mesmo. No máximo nove miligramas de sulfito, quando muito, mas a maioria dos rótulos não leva nem isso. O que sobra é a dedicação do vinhateiro, que mergulha no potencial das uvas para sua própria alma saia de cada garrafa. Cerca de 60% da venda é feita em lojas especializadas nos principais mercados do País e também em restaurantes em cidades como Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo. O restante é venda direta ao consumidor, principalmente nas feiras dedicadas ao vinho natural.

 

Expressão aromática que passa longe da padronização

Carlo de Leo levou a produção da garagem de casa para a Cave Poseidon


Patrícia Lima/Especial/JC

Quando resolveu fazer vinhos na garagem de casa, na Zona Sul de Porto Alegre, em 2019, o dentista Carlo de Leo não levava em conta conceitos como mínima intervenção ou vinificação ancestral. Até fazia testes com métodos naturais, mas acabava optando pela fórmula consagrada no mercado, como seleção das leveduras, filtragem e clarificação, quando era o caso.

No entanto, conforme foi provando as bebidas elaboradas com as leveduras selvagens e com baixa ou nenhuma adição de sulfito, foi percebendo uma diversidade instigante. “Comecei a achar os padrões aromáticos dos vinhos feitos com fermento selecionado muito previsíveis, a coisa toda perdia um pouco da diversão”, afirma de Leo, ao explicar por que converteu inteiramente sua produção para o método natural.

Hoje, a Cave Poseidon tem oito rótulos, todos com perfil natural. A produção, de três mil garrafas por ano, deve aumentar para quatro mil na safra de 2027, mas nada muito além disso, por enquanto. Tudo para garantir que o estilo de mínima intervenção siga fazendo com que a expressão mais original das uvas seja preservada e valorizada.

Para prosperar dentro dessa proposta de vinificação, cada etapa precisa de cuidado extra. No vinhedo, a sanidade das uvas deve ser perfeita – o que vai garantir vinho de qualidade sem necessidade de aditivos para corrigir os defeitos. Com matéria-prima trazida de diferentes regiões do Estado, o transporte também é decisivo e, nesse caso, é feito obrigatoriamente em veículos refrigerados, com horários controlados para colheita, carga e descarga.

É com uvas em perfeito estado de conservação, provenientes de vinhedos orgânicos, biodinâmicos ou em que foi empregado o mínimo de defensivos, que se faz um bom vinho de mínima intervenção. “Estou sempre em busca do melhor resultado para fazer vinhos surpreendentes, que fujam do óbvio”, assegura.

Apesar de adotar o método mais natural de vinificação em seus rótulos, de Leo não se considera um ativista do assunto. Tanto que prova e consome todos os estilos. Está em busca, como vinhateiro, de qualidade e da expressão mais autêntica do terroir.

*Patrícia Lima é jornalista natural de Rio Grande, formada na Universidade Católica de Pelotas, especialista em Estudos de Jornalismo pela UFSC e mestre em Literatura pela Ufrgs. Lançou, com Luís Augusto Fischer, o livro Inquéritos em contraste: crônicas urbanas de Simões Lopes Neto (Edigal, 2016). Em 2025 publicou, pela Editora Capítulo 1, o livro de crônicas Os Limas pelo Mundo, em que conta as aventuras das viagens que faz com seu pai.

Fonte Oficial: https://www.jornaldocomercio.com/cadernos/empresas-e-negocios/2025/09/1219472-rio-grande-do-sul-lidera-a-producao-de-vinho-natural.html

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