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Habitat para a Humanidade reforma casas na Capital

São 14h do dia 18 de julho quando o jato executivo da Embraer vindo da Bolívia abre o trem de pouso e corta o céu chuvoso de Porto Alegre. As turbinas rugem enquanto ele desce até sumir por detrás do muro de concreto que envolve a pista do Aeroporto Salgado Filho.

Essa é uma das aeronaves que os moradores da Vila Nazaré, localizada do outro lado do muro, veem, e principalmente ouvem, pousar ou decolar todos os dias. O bairro e o aeroporto vivem histórias opostas. Para a ampliação da pista do Salgado Filho realizada em 2022, moradores da localidade foram removidos para outros bairros da Capital. As 70 famílias que restaram sofrem com ausências, como a de saneamento básico, coleta de resíduos e até energia elétrica. Ao contrário do asfalto perfeito que cobre a extensão de 3,2 quilômetros de pista do Salgado Filho, o solo da vila é de terra batida, facilmente transformada em barro pela chuva que cai.

A enchente de 2024 aprofundou a diferença. Ali, a água chegou a atingir cerca de dois metros e demorou 28 dias para baixar completamente. O aeroporto levou cerca de um semestre para superar a inundação. A Vila Nazaré, no entanto, ainda luta para se reerguer, meses após o baque. Ali, predominam casas mistas de madeira e alvenaria, muitas completamente danificadas, apodrecidas e com riscos estruturais. 

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Esse foi o cenário em que a Habitat para a Humanidade Brasil, organização da sociedade civil presente em mais de 70 países, encontrou o bairro. Com escritórios em São Paulo, Recife e Pará, a entidade trabalha em todo o território brasileiro nas áreas de edificação e reforma de casas, construção de cisternas no semiárido e na luta política por direitos habitacionais. No pós-enchente, em Porto Alegre e na região metropolitana, a Habitat mapeou as áreas mais vulneráveis atingidas pela água, ainda em 2024, e buscou financiamento para efetuar reparos emergenciais em habitações. 

Em abril deste ano, a ONG anunciou a parceria com a Nestlé para reformar 30 casas na Vila Nazaré. Além da localidade, foram efetuadas obras no bairro Asa Branca, também na capital, e na Vila Cachoeirinha, em Eldorado do Sul, financiadas por outras empresas. 

O processo até a seleção das casas que receberão os reparos não é fácil. A  Coordenadora Construtiva da Habitat, Luciana Macário, explica que inicialmente assistentes sociais da organização e parceiros executores – membros das empresas contratadas para realizar as obras – visitam as casas e realizam um levantamento das principais necessidades. Depois, todas essas informações são levadas a um comitê de seleção.

“Ali, a gente vai priorizar as famílias mais vulneráveis e os serviços estruturais que possam fazer aquela família continuar de forma segura dentro da casa”, aponta Macário. Engenheira de formação, ela mora em Recife, mas acompanha de perto melhorias habitacionais e reparações emergenciais realizadas no Brasil inteiro. 

Outro papel do comitê de seleção é adequar as obras ao valor repassado pelo financiador. Gustavo Arruda, engenheiro da construtora Integrar, uma das parceiras executoras que atua na Vila Nazaré, considera isso um desafio. “Muitas vezes não é possível atender famílias com casas muito danificadas”, diz ele. “O valor repassado para a reforma de cada casa é muito baixo, então às vezes uma casa está tão precária que ele não faria quase nada de mudança. Então o comitê decide usar o dinheiro em intervenções que modifiquem ao máximo o cenário de casas”, explica. 

Segundo Luciana Macário, as reparações emergenciais promovidas pela Habitat focam em quatro áreas básicas: telhado, instalações elétricas, piso e reboco das paredes. Para ela, mesmo com a ansiedade das famílias, o trabalho de escuta e levantamento das necessidades é bastante rico. “Quando essa necessidade da família não casa exatamente com a nossa prioridade técnica, a gente tenta mostrar à família o que é melhor para a seguridade da casa e das pessoas dentro dela”, aponta a engenheira.

Uma das casas reformadas pela Habitat na Vila Nazaré foi a de Tamara dos Santos Rodrigues, de 21 anos, liderança comunitária da região. Em uma manhã de maio de 2024, quando acordou, ela ouviu gritos que avisavam que um alagamento começara. À tarde, a água já cobria toda a Vila e Tamara se abrigava na casa de seu irmão, onde passaria os próximos dias.

Na parceria entre Habitat e Nestlé, sua casa recebeu reparos na rede elétrica, pintura, forro e telhado. Como todos os outros moradores das 30 casas reformadas, ela pôde continuar ali, vivendo e acompanhando a reforma de perto. Tamara avalia que a obra promovida pela Habitat não contemplou a parte que ela mais desejava: um vaso sanitário e uma pia para um segundo banheiro que ela havia construído pouco antes da enchente. 

As equipes responsáveis pelas reformas estão acostumadas a viver com angústias como essa. O orçamento bruto repassado pela Nestlé para cada casa da Vila Nazaré foi de R$ 13.500, o que não permitia reparos mais complexos ou que casas que sofressem algum risco estrutural fossem reformadas.

“Somos recompensados pela melhora de vida nas famílias, no entanto, muitas vezes a sensação é de que estamos colocando um pequeno curativo em uma pessoa completamente ferida”, compara Gustavo Arruda, da Integrar. Além disso, ele lembra que outras famílias também ficam na defensiva com relação aos critérios para as obras. “Sempre somos compreensivos, entendendo que elas passaram por muitos traumas e que esses desejos são dignos. Esse contato com as pessoas é a parte mais desafiadora e a mais gratificante ao mesmo tempo, sem dúvidas”, arremata. 

A engenheira Luciana Macário, da Habitat também percebe um saldo positivo na iniciativa. “Eu espero que a gente tenha ajudado as famílias a acreditar que podem continuar morando ali; que não precisam se transferir”, diz ela. 

É o que espera Tamara. Os aviões ainda decolam e pousam ruidosos do outro do lado muro. O chão batido ainda vira lama em dias chuvosos. A falta de coleta seletiva e saneamento ainda fustiga as esquinas da Vila Nazaré. Vizinhos ainda buscam formas de financiar reconstruções de suas casas. Mesmo assim, suas raízes estão ali e sua luta à frente da associação de moradores continua. “Se Deus quiser”, pede ela, “vamos conseguir o usucapião e continuar morando aqui.”

Fonte Oficial: https://www.jornaldocomercio.com/cadernos/empresas-e-negocios/2025/09/1219345-habitat-para-a-humanidade-reforma-casas-na-capital.html

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