Promovido pela Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) e Universidade de Brasília (UnB), em comemoração aos 20 anos da Agência, o II Seminário Celso Furtado de Política Industrial foi encerrado nesta sexta-feira, 19/9. O encontro reuniu especialistas no campus da UnB em debates sobre a reindustrialização do país e o potencial brasileiro no setor produtivo, com ênfase na capacidade científica e empresarial.
Ao longo do dia, autoridades, especialistas e pesquisadores analisaram a realidade da indústria brasileira em tempos de modernização tecnológica, transição energética e redesenho da geopolítica mundial, entre outros cenários.
A relevância estratégica da indústria e a necessidade de articulação entre universidades, setor empresarial e políticas públicas para impulsionar o desenvolvimento nacional foi um dos primeiros assuntos levados a debate, no painel “A indústria brasileira no contexto da nova geopolítica: BRICs, protecionismo e guerras tarifárias”.
Segundo o professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Clélio Campolina, o papel central da indústria frente aos desafios atuais exigem, mais do que nunca, a participação dos diferentes atores. “A indústria é o carro chefe no desenvolvimento do país porque ela é a matriz tecnológica para todas as demais atividades. Você não tem uma árvore moderna sem indústria, você não tem serviços modernos sem indústria”, observou.
A presença das universidades nessa articulação foi apontada como essencial para a modernização da indústria nacional. Para o professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Célio Hiratuka, a educação, porém, também não está isenta de se adaptar ao cenário de profundas transformações trazidas pela globalização que alterou a geografia da produção, do comércio e do investimento inovativo no mundo. Mudanças que, apontou, “impõem desafios complexos à produção brasileira, que vão além de questões cambiais ou de políticas internas”.
Política monetária e indústria
No painel “Política monetária e fiscal e o desenvolvimento industrial”, o secretário-executivo do Ministério do Planejamento e Orçamento, Gustavo José de Guimarães, destacou a evolução do sistema monetário brasileiro nos últimos anos, com ênfase na implementação do Pix pelo Banco Central.
Guimarães ressaltou, no entanto, a importância de uma articulação eficaz da política monetária voltada à indústria. “Precisamos de uma estratégia que vá além do ajuste fiscal. É fundamental manter o equilíbrio das contas, mas sem abrir mão de medidas de segurança jurídica e de políticas estruturais que garantam estabilidade ao país no curto, médio e longo prazos. Afinal, não há crescimento potencial sem investimento”, alertou.
Recuperação de competitividade
Sob o tema “O desempenho atual da indústria brasileira e os caminhos para a neoindustrialização”, o terceiro painel do seminário trouxe diagnósticos sobre a situação do setor e propostas para a recuperação da competitividade.
Para professor e diretor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Frederico Rocha, o primeiro desafio é a definição clara dos objetivos da política industrial, que nem sempre convergem.
“O primeiro desafio da política industrial está em seus objetivos: sociais, econômicos e ambientais. Muitas vezes, eles entram em conflito, especialmente quando falamos de descarbonização”, afirmou, antes de enfatizar o papel do Estado na transição verde. “A descarbonização exige capacidades estatais robustas e uma burocracia autônoma e tecnicamente qualificada, capaz de formular e executar políticas eficazes.”
O secretário de Desenvolvimento Industrial, Inovação, Comércio e Serviços do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Uallace Moreira (foto), por sua vez, concentrou sua análise no processo de desindustrialização vivido pelo país nas últimas décadas.
“A desindustrialização brasileira não foi um processo natural, mas resultado de escolhas políticas feitas nos anos 80 e 90”, observou. Como resposta, Moreira defendeu iniciativas recentes, como a Nova Indústria Brasil. “A NIB representa um esforço concreto de diálogo com o setor privado, elaboração de relatórios e investimentos para recuperar nossa capacidade produtiva”.
A trajetória de perda de espaço da indústria no país foi igualmente lembrada pelo professor e coordenador da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Nelson Marconi. “O que vemos é uma economia que perdeu densidade industrial ao longo das últimas décadas, ao mesmo tempo em que setores de serviços mais sofisticados ganharam espaço. Isso exige uma política industrial consistente, capaz de recuperar a competitividade da indústria de transformação e aproveitar as oportunidades da nova economia.”
Sustentabilidade
Os desafios e as oportunidades da transição energética e do desenvolvimento de uma indústria sustentável no país foram igualmente levados a debate no Painel “Janelas de oportunidades: transição para uma indústria verde”.
A oficial Nacional de Gestão de Programas na Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), Mayra Juruá, abriu a discussão destacando os obstáculos da transição para uma economia sustentável. “A transição para uma economia sustentável intensifica fragilidades estruturais já existentes, mas a ação climática é crucial para enfrentá-las”.
A especialista também alertou que a descarbonização isolada não garante desenvolvimento. “Importar tecnologias limpas pode reduzir emissões, mas também ampliar a dependência tecnológica de longo prazo”. O Brasil, porém, prosseguiu, tem potencial estratégico “para avançar na maioria dos setores verdes, combinando avanço tecnológico, descarbonização e resiliência climática.”
A importância de avaliações oriundas de comandos especializados no tema foi observada pelo professor de Economia da UnB, Jorge Madeira. Ele ressaltou a necessidade de análises críticas e pragmáticas e a relevância de lideranças capacitadas que entendam a preocupação ambiental como assunto consolidado. “É preciso multiplicar a percepção da sustentabilidade como um caminho seguro e sem volta. Isso depende de lideranças bem-preparadas e de organizações que incorporem a questão ambiental em sua agenda estratégica”.
Estratégias dependem, porém, de regras claras para serem planejadas. De acordo com a secretária de Economia Verde do MDIC, Julia Cortez, normas e estratégias bem definidas são necessárias para orientar o setor privado e garantir credibilidade e segurança aos investimentos.
“Para transformar a indústria, é preciso apoio financeiro na fase inicial, permitindo que novos produtos alcancem escala de mercado sem depender exclusivamente de dinheiro público”, analisou.
O papel do planejamento energético na política industrial também mereceu atenção entre os debatedores na condição de elemento crucial para o sucesso de qualquer política industrial.
Segundo o ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Thiago Barral, a transparência e o acesso a informações claras sobre energia são vitais para planejamento do setor produtivo. “A indústria responde por um terço do consumo energético do país, e os transportes por outro terço. Ter cenários energéticos claros é fundamental para que a indústria possa planejar seu crescimento”, alertou.
O painel encerrou o seminário reforçando a necessidade de uma visão integrada que combine sustentabilidade, competitividade e inovação tecnológica. Os especialistas concordaram que o Brasil tem condições estratégicas para liderar a transição para uma indústria verde, mas que isso exige coordenação, investimentos planejados e políticas públicas consistentes.
Foto: Dyonata Oliveira
Fonte Oficial: https://www.abdi.com.br/paineis-do-ii-seminario-celso-furtado-apontam-rumos-para-politica-industrial-brasileira/