A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, de forma unânime, que a taxa básica de juros (Selic) deve ser utilizada como índice de correção para dívidas civis e indenizações. O julgamento ocorreu no Plenário Virtual e foi concluído à meia-noite de sexta-feira (12), prevalecendo o voto do relator, ministro André Mendonça.
A medida atinge aproximadamente seis milhões de processos em tramitação, segundo dados do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que já havia analisado o tema em 2023.
Impacto sobre relações privadas
A decisão alcança todas as relações de direito privado, como contratos de prestação de serviços, empréstimos, inadimplência em contas de consumo (água, energia, cartão de crédito), atrasos em voos e outras situações extracontratuais.
A controvérsia ganhou força em 2024, com a publicação da Lei nº 14.905, que alterou o Código Civil para estabelecer que, em casos de inadimplência, os índices aplicáveis são o IPCA (atualização monetária) e a Selic (juros).
O cálculo deve considerar a dedução da atualização monetária dos juros. Se a diferença for negativa, a taxa de juros será zero no período de referência.
Divergência entre tribunais
O tema chegou ao STF após decisão da Corte Especial do STJ, que havia validado a aplicação da Selic em julgamento apertado. O relator, ministro Luis Felipe Salomão, foi voto vencido.
Segundo especialistas, a decisão do Supremo tende a harmonizar entendimentos entre tribunais superiores e a nova legislação, embora ainda haja divergências na comunidade jurídica.
Efeitos financeiros da mudança
De acordo com advogados, a aplicação da Selic pode reduzir em média 30% o valor das indenizações. Em um caso analisado, a dívida de R$ 20 mil subiria para R$ 37 mil com a Selic, contra aproximadamente R$ 51 mil se aplicados juros de 12% ao ano somados à correção monetária.
Partes interessadas
Seis entidades atuaram como amicus curiae no processo:
- A favor da Selic: Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNseg).
- Contra a Selic: Instituto de Defesa de Consumidores (Idec) e Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB).
Em nota, a Febraban afirmou que a decisão “confere previsibilidade e estabilidade da aplicação das normas jurídicas públicas e privadas, prestigiando a segurança jurídica”.
Voto do relator
O ministro André Mendonça afirmou inicialmente que a discussão teria caráter infraconstitucional, o que impediria o julgamento pelo STF. No entanto, destacou que a jurisprudência da Corte já reconhece a validade da Selic como índice de correção monetária e de juros moratórios, citando precedente de 2021 (ADC 58), relativo a condenações judiciais e depósitos recursais trabalhistas.
“A jurisprudência do Supremo Tribunal tem reconhecido a validade da Taxa Selic como índice de correção monetária e de juros moratórios e, ainda, a sua incidência para atualização de condenações cíveis em geral”, escreveu Mendonça em seu voto.
Caso concreto
O processo analisado (RE 1558191) envolveu a empresa de transporte Expresso Itamarati, condenada a indenizar uma passageira que sofreu lesões graves após acidente em 2013.
O Tribunal de Justiça de São Paulo havia fixado juros de 1% ao mês desde 2014 e correção monetária a partir de 2016. A empresa recorreu ao STJ e obteve a aplicação da Selic. A passageira então recorreu ao STF, pleiteando a manutenção do cálculo anterior.
O advogado da vítima, Leonardo Amarante, defende a modulação dos efeitos da decisão, restringindo a aplicação da Selic apenas a casos futuros, como ocorreu na correção de dívidas trabalhistas.
Argumentos divergentes
- Contra a Selic: Para Leonardo Amarante, a decisão estimula o inadimplemento: “Está se estimulando um calote, porque devedores estão usando o Judiciário e ganhando dinheiro”.
- A favor da Selic: Já o advogado André Gondinho, da CNSeg, entende que a decisão garante coerência: “A decisão cria uma harmonia porque o STF já decidiu que se aplica a Selic para dívidas tributárias e trabalhistas”.
Fundamentos jurídicos
A discussão se baseou no artigo 406 do Código Civil, que remete aos juros aplicados aos tributos federais em caso de ausência de previsão contratual. Defensores dos credores defendiam a aplicação do artigo 161 do Código Tributário Nacional (CTN), que fixa juros de mora de 1% ao mês.
A decisão do STF reforça a aplicação da Selic como parâmetro único de correção de dívidas civis, alinhando-se à legislação recente e às decisões anteriores sobre dívidas tributárias e trabalhistas.
O entendimento passa a impactar diretamente milhões de processos em andamento, reduzindo divergências judiciais, mas ainda gera debate sobre os efeitos práticos para credores e devedores.
Com informações do Valor Econômico
Fonte Oficial: https://www.contabeis.com.br/noticias/72848/selic-sera-indice-oficial-em-dividas-civis-decide-stf/