Para abrigar as grandes empresas, Passo Fundo conta, atualmente, com dois distritos industriais; no bairro Valinhos, a Noroeste, o Distrito Industrial Paulo Rossato aloca 36 empresas, gerando, pelo menos, 2 mil empregos
Center Color/Divulgação/JC
Em meio às coxilhas ondeantes do largo horizonte do Planalto Médio, Passo Fundo se destaca como o maior município do Norte do Rio Grande do Sul, com pouco mais de 206 mil habitantes, segundo o último censo do IBGE (2022). Fundada em 1847 e emancipada 10 anos mais tarde, a cidade foi rota dos tropeiros no século XIX e, como a maior parte dos municípios gaúchos, cresceu movida pela lógica rural. Hoje, contudo, vive um momento de economia diversificada. Sua principal virtude está nos serviços e comércio, responsáveis por mais de 60% do PIB do município: dos R$ 12,5 bilhões registrados em 2021, o setor de serviços somou mais de R$ 7,6 bilhões.
Os números, entretanto, poderiam ser dispensáveis para evidenciar a força do setor terciário em Passo Fundo. Basta uma rápida visita ao centro da cidade: densa, movimentada e prolífica em pequenos e médios empreendimentos. No entanto, não é só de serviços que a economia de Passo Fundo se alimenta. O setor agropecuário ainda exerce um papel importante, principalmente aliado à indústria, que tem ganhado força no município.
Segundo Rodrigo Scortegagna, vice-presidente de indústria da Associação Comercial, Industrial, de Serviços e Agronegócio de Passo Fundo (Acisa), a industrialização do município esteve, historicamente, ligada ao campo, em especial nos setores alimentício e metalmecânico.
“Hoje, esse movimento se transforma com força, dando lugar a um novo ciclo voltado à economia verde”, afirma Scortegagna, principalmente em referência à nova usina de etanol da Be8, de investimento bilionário.
“Vemos o atual momento da indústria de Passo Fundo com muito otimismo e responsabilidade. É importante destacar o conjunto de pequenas, médias e grandes indústrias que movimentam a economia local. Elas atuam em diversos segmentos e demonstram a diversidade e o potencial industrial que Passo Fundo tem para crescer e se consolidar como polo regional”, analisa Scortegagna.
Para o prefeito Pedro Almeida, a diversidade econômica do Passo Fundo “permite maior resiliência em momentos de crise, por não depender exclusivamente de um único setor”. De acordo com Almeida, o segmento industrial está em crescimento e tem um papel relevante na economia de Passo Fundo.
“O município vem ampliando sua industrialização ao longo dos anos. Grandes empresas do setor têm escolhido Passo Fundo para se instalar devido a fatores que se destacam no cenário estadual, como localização estratégica e logística eficiente, capital humano qualificado, alíquotas de tributos reduzidas, oferta de formação profissional, aeroporto, centros de inovação, instituições de ensino e pesquisa, além de uma estrutura urbana capaz de fomentar o desenvolvimento econômico”, destaca.
Para abrigar as grandes empresas, Passo Fundo conta, hoje, com dois distritos industriais. No bairro Valinhos, a noroeste, o Distrito Industrial Paulo Rossato aloca 36 empresas, gerando, pelo menos, 2 mil empregos. Das principais indústrias, destacam-se as gigantes Ambev e Italac — além de empresas do ramo metalmecânico, transportes, agropecuário, atacadista, entre outros.
Já ao norte do município, o Distrito Industrial Invernadinha concentra aproximadamente 30 empresas dos ramos metalúrgico, implementos rodoviários e de plásticos e derivados. Por ali, estão instaladas unidades da Kuhn do Brasil, líder mundial em implementos agrícolas, e da Be8, referência nacional e internacional em energias renováveis. O distrito também gera mais de 2 mil empregos diretos.
Atualmente, os acessos aos distritos passam por obras importantes, mas não há previsão de ampliação dos espaços existentes, segundo o prefeito. Entretanto, a prefeitura tem preparado novas áreas estratégicas “que serão disponibilizadas por meio de processos licitatórios, ampliando significativamente o potencial de atração de empreendimentos”, esclarece.
Estão inclusas uma área de 680 m² no Distrito da Planaltina; 3,3 hectares no Distrito do bairro Valinhos (Paulo Rossato), 7,8 hectares do Parque da Efrica, além de um terreno de 45 hectares da antiga Manitowoc.
“Esses espaços estão sendo preparados para atender diferentes perfis de empresas, com o objetivo de atrair novos investimentos e fortalecer o desenvolvimento regional”, explica.
Conforme Almeida, o município tem mapeado outras áreas com potencial vocação industrial, além dos distritos tradicionais.
“O foco é consolidar Passo Fundo como um polo competitivo para a instalação de novos negócios, tanto no setor industrial quanto em áreas como tecnologia, agronegócio e serviços de alto valor agregado”, complementa.
Evolução dos empregos formais na indústria em Passo Fundo
JC
VAB INDUSTRIAL CIDADES DO NORTE, NOROESTE E MISSÕES
1º Erechim: 2,04 bilhões
2º Passo Fundo: 1,43 bilhão
3º Panambi: 1,3 bilhão
4º Horizontina: 1,18 bilhão
5º Ijuí: 1,14 bilhão
Fonte: IBGE (2021)
A indústria de Passo Fundo em expansão
Passo Fundo Valley. Divulgação UPF Parque
UPF Parque/Divulgação/JC
Os mais de R$ 12,5 bilhões registrados em 2021, no último censo do IBGE, fizeram de Passo Fundo o sexto maior PIB do Estado naquele ano. Trata-se de um crescimento de mais de
R$ 2,5 bilhões em comparação com os dados do ano anterior. Desse total, a indústria foi responsável por R$ 1,43 bilhão.
Embora o município tenha se destacado como grande potencial econômico no Estado, a arrecadação industrial de Passo Fundo rendeu apenas a segunda colocação entre os municípios com maior VAB industrial do Norte gaúcho, embora seja, com sobra, a cidade com maior população do recorte. Como comparação, a cidade de Erechim registrou mais de R$ 2,04 bilhões de VAB industrial no mesmo ano, embora seja um município com praticamente metade da população de Passo Fundo: ou seja, R$ 600 milhões a mais que o município do Planalto Médio.
O número, aliás, fica muito mais próximo ao registrado em Panambi (R$ 1,3 bilhão), município de pouco mais de 43 mil habitantes — quase cinco vezes menor que Passo Fundo.
O prefeito Pedro Almeida, no entanto, assegura que a cidade atrai empresas de diversos setores, inclusive indústrias, citando os exemplos recentes da nova usina de etanol da Be8 e da fábrica-escola de amônia verde, da Begreen, um modelo inédito na América Latina.
“Cada cidade tem suas particularidades, mas Passo Fundo se destaca por abrigar empresas com alto grau de pesquisa, tecnologia e inovação, que têm reconhecimento internacional”, reitera Almeida.
O prefeito destaca, ainda, que o município apresentou o segundo maior volume de exportações do Estado, segundo os dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, “sendo o setor industrial responsável por uma parcela significativa desse desempenho”.
Passo Fundo exportou mais US$ 2,06 bilhões no ano passado, cerca de R$ 11 bilhões na cotação atual. O resultado mantém a cidade atrás apenas de Rio Grande, maior município exportador do Estado.
Além disso, a indústria voltou a registrar aumento de número de empregos formais. Segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Novo Caged), Passo Fundo fechou o primeiro semestre de 2025 com um saldo de 377 vagas na indústria: foram 2.912 admissões e 2.535 desligamentos. É o melhor desempenho semestral desde 2021, ano em que o saldo foi de 585 vagas.
O crescimento chega após uma queda significativa em 2024, quando o setor registrou um saldo negativo: foram −292 postos de trabalho no município, único ano de registros negativos de 2020 para cá. Para o vice-presidente de indústria da Acisa, trata-se de uma retomada significativa, que
“sinaliza confiança no ambiente econômico local”. Segundo Rodrigo Scortegagna, o saldo positivo deve-se à construção civil e à instalação de novas indústrias, “que veem em Passo Fundo um cenário favorável para investir e crescer, em especial, pelas boas condições climáticas. Isso mostra que o município volta a atrair oportunidades, movimenta a economia e fortalece a geração de renda e valor”, acrescenta.
Distritos industriais ganham obras de acesso
Para Scortegagna, logística aérea também é um ponto de preocupação
Amália Candiotto/Divulgação/JC
Recentemente, os distritos industriais do município passam por obras em seus acessos. Para Rodrigo Scortegagna, vice-presidente de indústria da Associação Comercial, Industrial, de Serviços e Agronegócio de Passo Fundo (Acisa), o setor as tem recebido com otimismo.
“São respostas concretas a demandas antigas de mobilidade e infraestrutura”, afirma o dirigente. No Distrito Paulo Rossato, a construção de um trevo de acesso às margens da ERS-324 é realizada com investimentos do próprio município. São R$ 18 milhões destinados à obra, que abrange um trecho de 1,7 de extensão. O projeto prevê a construção de uma via paralela além da duplicação da pista principal. Essa intervenção pode quadruplicar o escoamento no trecho. Segundo a prefeitura, 30% da obra já foi concluída e a previsão é de finalização em 12 meses, com possível prorrogação por mais um semestre.
Já as obras no Distrito Industrial Invernadinha incluem pavimentação, canalização pluvial, construção de passeios públicos, instalação de meio-fio e implantação de sinalização viária. As intervenções buscam conectar pontos importantes do distrito em diferentes trechos: da rua Manoel Portela, até a empresa Be8; da Be8, até as ruas James Franco e Neri Gosch; e, da rua Arno Pini, até a Avenida Rui Barbosa. Além disso, há a previsão de alargamento da pista e a redução dos declives as ruas Neri Gosch e James Franco, de intenso tráfego de veículos pesados.
Segundo a prefeitura, foram destinados cerca de R$ 13 milhões para a obra: R$ 7 milhões de recursos do município e R$ 6 milhões por meio de uma emenda do ex-deputado Luciano Azevedo. O prazo de conclusão é de oito meses, com possibilidade de prorrogação.
“Além de garantirem mais segurança às pessoas que trabalham nesses locais diariamente, essas obras de infraestrutura ampliarão a capacidade de escoamento da produção industrial, fortalecendo a competitividade das empresas e contribuindo para atrair novos negócios e investimentos inovadores para Passo Fundo”, pontua o prefeito Pedro Almeida.
Para Scortegagna, além das obras nos distritos, as intervenções estaduais nas rodovias do entorno “ampliam a conexão de Passo Fundo com os municípios vizinhos e fortalecem seu papel como polo regional”.
O vice-presidente de indústria da Acisa reitera, inclusive, que uma das principais demandas do setor industrial do município dizem respeito à infraestrutura logística. “A cidade carece de soluções robustas para escoamento e conexão com outros polos. O projeto do Porto Seco, que já está em andamento, surge como uma alternativa estratégica, capaz de facilitar operações logísticas e atrair novos negócios”, pontua.
Além disso, a logística aérea também é um ponto de preocupação, conforme Scortegagna. “O aeroporto de Passo Fundo ainda precisa de melhorias estruturais e operacionais para atender com mais eficiência a indústria local e regional. A expectativa, agora, está na publicação do edital de concessão, que pode viabilizar uma nova gestão e um salto na qualidade dos serviços prestados”, enfatiza. Por fim, de acordo com Scortegagna, a indústria ainda carece de qualificação de mão de obra.
Nova usina de etanol é um dos maiores investimentos
Fundada em 2005, a Be8 está localizada no Distrito Industrial Invernadinha com uma planta industrial de 30 hectares e capacidade de produzir 540 milhões de litros de biodiesel por ano
Be8/Divulgação/JC
Com sede em Passo Fundo, a Be8 foi fundada em 2005 e é uma empresa global de energia renovável. Atualmente, é uma das maiores produtoras de biodiesel do País. Segundo Erasmo Carlos Battistella, presidente da Be8, “a empresa está focada em se tornar um player-chave no setor de biocombustíveis”.
No Distrito Industrial Invernadinha, a empresa possui uma planta industrial de 30 hectares, com a capacidade de produzir 540 milhões de litros de biodiesel por ano, além de 28 milhões de litros de Be8 BeVant®, anualmente, e de 3.400 toneladas de soja processada ao dia. Considerando também a unidade de Marialva–PR, a Be8 produziu mais de 900 milhões de litros de biodiesel em 2024.
A empresa tem escritórios administrativos em São Paulo, Cuiabá, Genebra, na Suíça, e em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Além de Passo Fundo e Marialva, é responsável pela comercialização da produção de Nova Marilândia–MT, Floriano–PI, Santo Antônio do Tauá–PA, La Paloma (Paraguai) e Domdidier (Suíça). Em 2024, a Be8 comercializou produtos para nove estados brasileiros e exportou para 15 países. Dos 1.200 funcionários em suas diferentes unidades, a atual planta de Passo Fundo concentra 550 empregados.
Os resultados expressivos dos últimos anos foram um estímulo para projetos ambiciosos. Recentemente, a empresa lançou o Be8 BeVant®, um biocombustível desenvolvido e patenteado pela Be8. Segundo Battistella, o combustível “visa ajudar empresas a atingirem suas metas de descarbonização no transporte a curto prazo, pois pode ser utilizado puro em motores a diesel convencional”.
Segundo a empresa, o Be8 BeVant® reduz em mais 90% as emissões gases de efeito estufa no uso em veículos em comparação ao diesel S10 atual, no ciclo do tanque a roda. Atualmente, o produto está sendo testado, por exemplo, em veículos terrestres do Aeroporto de Congonhas. A Be8 também firmou parcerias de fornecimento com o Centro Tecnológico Randon (CTR), Ambipar, Gerdau e linhas de ônibus do Grupo Abreu em São Paulo.
Além disso, a Be8 desenvolve o projeto Omega Green no Paraguai, com um investimento previsto de US$ 1 bilhão. No ano passado, a empresa construiu a infraestrutura para a instalação na Zona Franca e obteve o aval para a execução oficial do projeto. Conforme Battistella, a Be8 tem o objetivo de iniciar a produção de Combustível Sustentável de Aviação (SAF), diesel verde (HVO), GLP verde e green nafta — insumo utilizado na indústria química para a produção de plástico verde, a partir de 2028.
A grande expectativa, entretanto, está na terra natal da empresa. Em Passo Fundo, a Be8 está em meio às obras de uma usina de etanol à base de cereais de inverno, como trigo, triticale e milho — a primeira do País nesses moldes. Com a previsão do início das operações no segundo semestre de 2026, esta será a maior usina de etanol do Estado.
A unidade processará 525 mil toneladas de cereais de inverno anualmente para produzir 210 milhões de litros de etanol ao ano. Além disso, a planta terá a capacidade de produzir 153 mil toneladas de farelo — conhecido como DDGS — e 27 mil toneladas de glúten vital. “Com a demanda por etanol atualmente suprida inteiramente por importações de outros estados do País, esta planta representa um passo importante na redução da dependência do Rio Grande do Sul de fontes externas de combustível”, ressalta Battistella.
Além disso, a planta poderá suprir a demanda interna de glúten vital — produto importante na indústria da panificação. Atualmente, todo o glúten vital utilizado no País é importado. A fábrica também “contará com excedente com potencial para exportação, fortalecendo a posição do Brasil neste segmento”, complementa o presidente da Be8.
A nova planta tem um investimento estimado em R$ 1,2 bilhão. O BNDES aprovou o financiamento de R$ 729,7 milhões para a construção da fábrica de etanol. Do total, R$ 500 milhões são provenientes do Programa BNDES Mais Inovação, que também destinará R$ 290,2 milhões à empresa como financiamento para a instalação da fábrica de glúten vital.
A área total da nova planta tem 80 hectares, dos quais 45 hectares serão de área construída. A expectativa é que as obras criem mais de 1000 empregos diretos e indiretos durante a execução. Battistella prevê 175 empregos diretos permanentes após a conclusão, “proporcionando um impulso significativo à economia regional”. A usina será instalada no quilômetro 316 da BR-285, fora dos distritos industriais de Passo Fundo. Em 2024, a receita líquida da Be8 somou R$ 7,3 bilhões. Já o EBITDA foi de R$ 599,3 milhões, o maior valor de sua história.
*Gabriel Eduardo Bortulini é graduado em Jornalismo pela UFSM e tem mestrado e doutorado em Escrita Criativa pela PUCRS. É um dos fundadores da Oxibá Casa da Escrita, onde trabalha com leitura crítica e lapidação de textos. Tem textos publicados em jornais, livros e revistas. “Refúgio para bisões”, seu romance de estreia, conquistou o terceiro lugar no prêmio Biblioteca Digital do Paraná e foi publicado pela Matria Editora, em 2024.