A sociedade está diante do desafio de preparar uma nova geração para um mundo altamente imprevisível e a educação é o caminho para isso, desde que os modelos atuais sejam revistos. A provocação é de Helena Marujo, uma das principais referências globais em Psicologia Positiva e titular da Cátedra Unesco em Educação para a Paz Global Sustentável da Universidade de Lisboa.
Ela está no Rio Grande do Sul e participa nessa segunda-feira (25) do encontro Educação & Geração de Valor – Humanismo, Ciência e Tecnologia, no Colégio Sinodal Prado, em Gravataí. O evento é promovido pelo PradoTech e Sonata, e reúne nomes como a secretária de Inovação, Ciência e Tecnologia do RS, Simone Stülp, o empresário Jorge Gerdau Johannpeter, a secretária da Educação do RS, Raquel Teixeira, a CEO da Sonata Brasil, Soraia Schutel e o presidente do Instituto PradoTech, Carlos Gerdau Johannpeter.
Mercado Digital – Qual a importância da educação empreendedora em um cenário de tanta imprevisibilidade sobre o futuro?
Helena Marujo – A educação empreendedora é de uma importância indiscutível, pois estamos em um momento da história em que o caos e a complexidade são experiências diárias e diretas. A imprevisibilidade e a dificuldade de imaginar futuros nos faz ter que conseguir preparar uma nova geração para um futuro desconhecido e altamente desafiador. Ao mesmo tempo, é um mundo extraordinariamente viável, com potencial de possibilidades imenso de criação e invenção como nunca tivemos na história da humanidade. Temos que encarar de frente.
Mercado Digital – Qual a transformação pela qual a educação tradicional precisa passar?
Helena – A educação tradicional prepara para o aluno para uma profissão, para ele se encaixar em algo e em determinada visão de mundo do ser humano e do processo educativo em si memo. Mas hoje desconhecemos quais vão ser as profissões do futuro, então, isso deixou de ser uma equação ideal. Temos que preparar os jovens em diversos níveis.
Um deles é a capacidade de alcançar o equilíbrio emocional, psicológico e relacional. De sermos capazes, cada vez mais, enquanto seres humanos, de voltar para o lugar em que a qualidade de vida é o centro, já que é a variável que mais impacta a saúde física, psicologia e a longevidade das pessoas.
A educação hoje é o caminho fundamental para retornarmos as relações dignificadoras, que tenham consequências que permitam as pessoas conhecerem suas forças, virtudes e potencial. A escola deve ser o lugar onde conhecemos nosso lado mais virtuoso e aprendemos as potencialidades sempre com descoberta, autenticidade, verdade, respeito e fraternidade.
Mercado Digital – Que outras dimensões do humano devem ser consideradas na preparação das novas gerações?
Helena – A outra dimensão é criar condições para um modelo diferente do atual, que é muito individualista e competitivo. Precisamos do oposto, de modelos cooperativos, de um trabalho com construção de liderança mais sociocrática e não hierárquicas, que distanciam as pessoas.
O modelo atual está obsoleto, e os alunos não têm interesse nos conteúdos desajustados que estão sendo apresentados.
E tem a dimensão da criação, de poder imaginar e entender que tudo que conseguirmos pensar pode ser possível. Como a educação pode criar um lugar para as novas gerações aprenderem a pensar diferente, imaginar coisas desconhecidas e criar possibilidades. É o contrário da escola tradicional e é difícil ensinar claro, mas podemos aprender nos ombros de gigantes, de quem veio antes de nós. É sobre recomeçar, reimaginar, regenerar usando ferramentas hoje negligenciadas como artes e as emoções, e não apenas a dimensão intelectual e cognitiva que as escolas celebram.
Mercado Digital – Estamos olhando demais para o que nos falta?
Helena – Sim. O desafio desse momento histórico é a experiência da insatisfação permanente. Não nos sentimos suficientes, tanto na dimensão física, com a hipervalorização da imagem, como em termos do nosso desempenho. As dores sociais precisam ser resolvidas nesse processo de humanização. Parece estranho dizer que seres humanos precisam se humanizar, mas é isso. Temos que voltar uma serenidade na nossa relação com vida que nos permita ver mais abundância que déficit. A insatisfação vem de pesarmos tudo que falta para sermos felizes.
Mercado Digital – O conceito de felicidade, inclusive, está muito associado à gratidão, certo?
Helena – Partimos de um lugar de gratidão, do reconhecimento de tudo de bom, do que já existe, do que já somos nos salva no ponto de vista da saúde mental. A felicidade passa por termos uma vida digna do ponto de vista financeiro, claro, mas, a partir do momento que as necessidades básicas estão realizadas, o bem estar e a saúde deixam de depender disso. Esse é o paradoxo da nossa vida atual. Criamos expectativas de crescimento até infinito em vez de serenar e viver com qualidade.
Mercado Digital – A ideia era que as novas tecnologias, ao automatizar processos, liberassem tempo para vivermos mais plenamente nossa vida. Mas não é isso que está acontecendo
Helena – Sim, uma das expectativas sobre o desenvolvimento era que, quanto mais máquina e tecnologia, mais livre estaríamos para usufruir da vida, ter tempo livre para coisas importantes da vida. Foi um erro de cálculo. Dentro do contexto das nossas particularidades psíquicas, esse novo entendimento do trabalho e suas práticas levaram a uma espécie de beco sem saída.
Hoje temos também a criação de dependência e colonização de tudo que está relacionado ao nosso envolvimento. Um mundo que nos traz coisas extraordinárias, mas também nos coloca o desafio de fazer um trabalho profundo para ajudar a sociedade a assegurar que encontremos harmonia no uso desses recursos, que são fabulosos. Alguma coisa está errada quando vamos ao limite que nos faz adoecer.
Dentro da história da evolução, os animais fazem de tudo para sobreviver, mas estamos em um lugar em que deixamos de reconhecer o que nos faz mal. Deixamos de ser inteligentes, de viver o orgulho de construir uma vida próxima da nossa idealização e contribuição para a sociedade. Se hipervalorizamos tudo que nos falta, gastamos energia nesse processo e deixamos de ser contributivos para o coletivo.