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Artigo, por Marcon Censoni de Ávila e Lima: “Gêmeos digitais: a medicina diante das maiores revoluções” 

A medicina está diante de uma de suas maiores revoluções desde a descoberta dos antibióticos. Não é exagero dizer que estamos entrando em uma nova era onde será possível prever, com precisão quase cirúrgica, como o corpo de um paciente responderá a diferentes tratamentos, antes mesmo de iniciá-los. Trata-se do conceito dos Digital Twins — os chamados gêmeos digitais — modelos virtuais e dinâmicos do organismo humano que prometem redefinir a forma como diagnosticamos, tratamos e acompanhamos cada indivíduo.

Nas entrelinhas, é como se a medicina estivesse ganhando seu próprio espelho digital — não mais limitado ao reflexo estático da imagem, mas capaz de processar dados em tempo real e projetar futuros possíveis. Um novo tipo de oráculo, baseado não em magia, mas em ciência, algoritmos e inteligência artificial.

Originalmente aplicados na indústria aeroespacial e automotiva, os digital twins chegaram à saúde com uma missão clara: personalizar radicalmente o cuidado médico. Não: não é a mesma dose para todo mundo. Não: não é a mesma medicação para todo tumor. Um gêmeo digital pode representar um órgão, um sistema ou mesmo o corpo inteiro de um paciente, simulando, com base em dados reais e atualizados, como ele reagiria a medicamentos, cirurgias ou mudanças de estilo de vida. Não se trata mais de protocolos genéricos. Trata-se de uma medicina para “um só”!

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Já existem aplicações concretas em hospitais de ponta nos Estados Unidos, na Europa e na Ásia. Em Chennai , na Índia, cirurgiões cardíacos do Indian Institute of Technology Madras (IIT Madras) utilizam gêmeos digitais para ensaiar cirurgias complexas antes de operar o paciente real. Na Duke University (EUA), a professora Amanda Randles desenvolveu algoritmos que simulam o fluxo sanguíneo em tempo real, criando avatares digitais personalizados que ajudam a prever riscos cardiovasculares com impressionante exatidão. Ela foi premiada internacionalmente por isso. Em Bruxelas, o projeto europeu Neurotwin cria réplicas cerebrais digitais para prever a eficácia de terapias contra Alzheimer e epilepsia.

Essas experiências reforçam a visão publicada pela Nature Digital Medicine que aponta os gêmeos digitais como “uma ponte entre o universo molecular e as decisões clínicas”. Em outras palavras, uma interface poderosa entre a ciência dos dados e a arte do cuidado. E isso gera impacto também na velocidade com que obtemos resultados de estudos científicos. O tão sonhado custo-efetividade ideal, num sistema de saúde cada vez mais exorbitante.

Mas nas entrelinhas, é preciso estar atento aos riscos e responsabilidades. A primeira delas é a privacidade e governança de dados. Com a LGPD no Brasil e normas internacionais como HIPAA, o uso ético dessas informações sensíveis é inegociável. A segunda diz respeito ao viés algorítmico: modelos mal calibrados podem reforçar desigualdades, especialmente se treinados com dados populacionais não representativos.

Outro ponto delicado é a autonomia médica. Há um receio silencioso — por vezes velado, por vezes declarado — de que a tecnologia substitua o julgamento clínico. Mas a verdade é outra: o gêmeo digital não rouba protagonismo, ele potencializa. Ele oferece ao médico a possibilidade de testar hipóteses, avaliar riscos de drogas e cirurgias, de individualizar decisões com muito mais segurança e previsibilidade.

E o que vem por aí? Na oncologia, já se simulam respostas personalizadas a imunoterapia antes da aplicação. Além do custo-efetividade em cada caso de câncer. Na cirurgia robótica, o planejamento com base no gêmeo digital pode reduzir o tempo de operação e riscos intraoperatórios. Na medicina preventiva, sensores vestíveis alimentam o avatar digital com dados contínuos, antecipando alterações metabólicas, cardiovasculares ou neurológicas. Na pesquisa clínica, cenários são testados em ambiente simulado, poupando tempo, agilizando resultando e salvando mais vidas.

No horizonte, grandes players globais já constroem plataformas interoperáveis para acelerar essa transição: Google Health, Philips, Siemens e consórcios acadêmicos unem forças com governos para viabilizar infraestruturas digitais, computação em nuvem segura e integração com sistemas hospitalares.

Nas entrelinhas, o verdadeiro desafio não é técnico — é cultural e filosófico. A medicina do futuro precisa ser precisa, mas também precisa continuar sendo compassiva. A inteligência artificial pode prever o risco de uma arritmia. Mas é o médico que acolhe o medo do paciente. O algoritmo pode indicar a dose ideal. Mas é o toque, o olhar, a escuta que tornam o cuidado completo.

A famosa frase do físico Freeman Dyson (1923-2020) parece ecoar aqui: “A tecnologia é um presente de Deus. Depois do dom da vida, é talvez o maior dos dons. Mas com cada presente vem uma responsabilidade.” Entre as linhas do progresso, está a nossa missão. 

Os Digital Twins são, sim, a fronteira mais ousada da medicina personalizada. Mas o que fará a diferença não será apenas o código-fonte, e sim a intenção com que o utilizamos. A medicina do futuro será digital, mas precisa continuar sendo profundamente humana.

Marcon Censoni de Ávila e Lima
Médico cirurgião oncológico do aparelho digestivo, especializado em robótica, tem MBA em gestão executiva em saúde. Especialista em Transformação Digital na Saúde por Harvard Medical School.

Fonte Oficial: https://agenciadcnews.com.br/artigo-por-marcon-censoni-de-avila-e-lima-gemeos-digitais-a-medicina-diante-das-maiores-revolucoes/

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