Era só para ser um 9 de julho corriqueiro na vida dos brasileiros e brasileiras. Os paulistas com um motivo para recuperar a tradição guerreira do estado, dado a celebração do aniversário da Revolução Constitucionalista de 1932. Bairrismos e rivalidades à parte, o 9 de julho de 2025 provavelmente não entraria para História, até o momento em que o mundo conheceu um documento oficial emitido pelo presidente norte-americano Donald Trump.
A mensagem era clara: os Estados Unidos iniciarão uma prática de protecionismo comercial específica para o Brasil. A justificativa pouco ou quase nada estava associada às questões de regras comerciais ou fluxo da troca de bens e serviços entre os países. A razão para o comportamento norte-americano se mostraria bastante distinta. Nas palavras do mandatário americano: “em parte por causa dos ataques insidiosos do Brasil contra eleições livres e à violação fundamental da liberdade de expressão dos norte-americanos (como demonstrado recentemente pelo Supremo Tribunal Federal do Brasil, que emitiu centenas de ordens de censura SECRETAS e ILEGAIS (sic) à plataformas de mídia social dos EUA, ameaçando-as com multas de milhões de dólares e expulsão do mercado de mídia social brasileiro), a partir de 1º de agosto de 2025, cobraremos do Brasil uma tarifa de 50% sobre todas e quaisquer exportações brasileiras enviadas para os Estados Unidos”.
O governo brasileiro sinalizou que investiria na diplomacia para reverter o anúncio feito por Trump e, em caso de insucesso, recorreria à lei de reciprocidade econômica, sugerindo inclusive respostas não-tarifárias. Grosso modo, uma combinação entre a defesa da soberania nacional, confiança na política e racionalidade nas decisões econômicas?
Esse momento da História não deve ser menosprezado, seja para quem pensa economia e o mundo dos negócios, seja à luz das implicações políticas dessa tensão bilateral. Grosso modo, a ação americana materializa o que alguns pares emergentes e do mundo rico já descobriram na própria pele: existe o tal do custo Trump e, que, de fato, geopolítica pode afetar o desempenho da economia em seus diferentes setores?
Os ativos brasileiros passaram por um processo de valorização ao longo do governo Trump, em comparação com as demais economias emergentes, a despeito dos diversos problemas locais. A explicação principal para esse movimento era o “excepcionalismo brasileiro”, ou seja, uma combinação de desimportância relativa brasileira para os EUA com distanciamento dos problemas geopolíticos mais centrais, tais como guerra e fluxo imigratório. Assim, a despeito da volatilidade decorrente do choque de incerteza, o Brasil seguia com expectativas mais alvissareiras para a economia.
A carta de Trump potencialmente enterra a perspectiva da excepcionalidade brasileira. De um cenário de parceria distante, passamos para uma agenda bilateral concreta que, grosso modo, tem implicações para eleição presidencial e para a cena econômica.
Fiquemos com o que já sabemos no plano político. O primeiro efeito diz respeito ao jogo de poder no interior da direita brasileira. As manifestações de Trump dificultam o acordo Bolsonaro-Tarcísio. O bolsonarismo aposta na ligação com presidente dos EUA para se manter relevante no campo, mesmo com a cassação dos direitos políticos. As manifestações de Trump aumentam a probabilidade de uma escolha no âmbito do núcleo familiar.
O segundo efeito é o aumento da rejeição do ex-presidente Bolsonaro junto ao eleitorado brasileiro. Trata-se do mesmo movimento nos demais países que foram impactados pelo trumpismo nas suas políticas domésticas: quem se opõe ao Trump na cena local ganha popularidade e eventualmente vence eleições.
Esse aumento de rejeição deve também se estender aos nomes mais próximos ao ex-presidente, incluindo o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. O próprio governador usou o boné do movimento Make America Great Again em sinalização à uma parte do eleitorado de direita. Tarcísio não consegue fazer uma candidatura competitiva sem apoio do ex-presidente. Assim, fica mais difícil se descolar em caso de choques como parece ser a presença mais forte de Trump na política local.
O terceiro efeito diz respeito aos termos do debate político. A presença de Trump na política doméstica dá o tom nacionalista a campanha de reeleição que somado ao debate distributivista “ricos versus pobres” tiram o governo Lula de uma agenda negativa. Assim, a avaliação do governo Lula pode ganhar trajetória mais positiva até a disputa presidencial que passará a enfrentar atores com dupla rejeição alta: Trump e Bolsonaro.
O histórico sugere benefícios eleitorais para as forças políticas que se opõem ao presidente dos EUA. Os resultados eleitorais foram profundamente impactado por Trump em países de perfis bastante distintos. Grosso modo, Trump manteve os liberais no poder no Canadá, Indonésia e na Austrália. Reforçou a popularidade da esquerda no México e limitou o resultado eleitoral da direita nacionalista na Alemanha.
Se a motivação para a carta é, de fato, a posição do ex-presidente Bolsonaro e manifestações judiciais do STF, os riscos são enormes. É pouco crível imaginar que a ameaça de Trump altere o comportamento de organizações que representam a soberania do Estado brasileiro. No plano político, o custo do projeto da anistia se tornou exorbitante e faz pouco sentido sua aprovação.
Dito de outro modo: o Brasil não tem o que entregar para responder às motivações de Trump. Os riscos de nova ação americana não são desprezíveis.
RAFAEL CORTEZ
Doutor em Ciência Política (USP), professor do IDP-SP e sócio da Tendências Consultoria.
Fonte Oficial: https://agenciadcnews.com.br/artigo-por-rafael-cortez-a-geopolitica-chegou-para-o-brasil-trump-e-a-reviravolta-na-politica-brasileira/