A atividade econômica tem mostrado uma resiliência acima do esperado, para um contexto de uma taxa básica de juros (Selic) tão elevada, que na última reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) terminou em 14,75% ao ano. Os sinais emitidos por vários indicadores econômicos são contraditórios. É importante analisar o comportamento do varejo, pois o consumo das famílias representa quase 64% do Produto Interno Bruto (PIB) pelo lado da demanda, sendo, portanto, determinante na evolução da economia brasileira. Os últimos dados, referentes a março, foram publicados recentemente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na Pesquisa Mensal de Comércio (PMC).
As vendas do chamado varejo restrito (que não incluem veículos, material de construção e “atacarejo”) anotaram crescimento de 0,8%, livre de efeitos sazonais, em relação a fevereiro. Na comparação com o mesmo mês de 2024 (comparação interanual), houve queda de 1%, enquanto, no acumulado em 12 meses, houve aumento de 3,1%, inferior à leitura anterior. No caso do volume comercializado no varejo ampliado (que inclui todos os segmentos) também registraram elevação mensal de 1,9%, livre de efeitos sazonais, contração em relação a março de 2024 (-1,2%) e expansão em 12 meses (3,1%), menor que a anotada em fevereiro.
Como interpretar esses resultados?
Em primeiro lugar, os desempenhos mensal e interanual de ambos os tipos de varejo ficaram abaixo do esperado pelos analistas de mercado e as expansões nos últimos 12 meses terminados em março mostraram desaceleração em relação ao mesmo período registrado para o mês anterior. Tudo isso parece indicar que, pelo menos no caso do varejo, começariam a aparecer os primeiros sinais de “perda de fôlego”. Esse menor ritmo poderia ser explicado fundamentalmente pelo menor crescimento da renda e do emprego de um mês para o outro, ou seja, na margem, como dizem os economistas.
Além disso, a inflação de alimentos elevada e o alto grau de endividamento das famílias diminuem ainda mais seu poder de compra, afetando negativamente o consumo. De fato, os segmentos que refletem com mais força essa “perda de fôlego” do comércio são os de hiper e supermercados e do “atacarejo”, muito influenciados pelos preços de alimentos e pelo comportamento da renda.
O nível elevado das taxas de juros ainda não afetou de forma mais importante aqueles segmentos mais dependentes do crédito, mas o menor crescimento do crédito e as maiores taxas de juros enfrentados pelas famílias, como decorrência dos aumentos da taxa Selic, deverão fazê-lo ao longo dos próximos meses. Esse cenário mais adverso tem mantido a confiança do consumidor no campo pessimista durante os últimos meses, de acordo com o Índice Nacional de Confiança do Consumidor (INC), calculado pela PiniOn para a Associação Comercial de São Paulo.
Desse modo, a tendência que pode ser extraída do INC é ter um consumidor mais cauteloso na hora de comprar, o que conjuntamente com os dados de renda, crédito e juros permitem projetar, a partir do modelo econométrico desenvolvido pelo Instituto de Economia Gastão Vidigal da Associação Comercial de São Paulo (IEGV-ACSP), que as vendas do varejo restrito devem desacelerar nos próximos três meses, terminando junho com crescimento em 12 meses de 1,6%. Todavia, essa desaceleração poderá ser menor, dependendo do efeito positivo do novo crédito consignado sobre o consumo das famílias e da diminuição da inflação de alimentos, que seria gerada pela nova safra recorde de grãos.
Ulisses Ruiz de Gamboa
Economista do Instituto de Economia Gastão Vidigal, da Associação Comercial de São Paulo.
Fonte Oficial: https://agenciadcnews.com.br/artigo-por-ulisses-ruiz-de-gamboa-ultimos-resultados-e-perspectivas-do-varejo-brasileiro/