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Demografia, formalização e produtividade na contramão da Previdência

Entre 2000 e 2023, a fatia de pessoas com 60 anos ou mais quase dobrou no Brasil, passando de 8,7% para 15,6% da população total, segundo o IBGE. Nesse intervalo, o número absoluto de idosos aumentou de 15,2 milhões para 33 milhões. Para 2070, estima-se que 37,8% dos brasileiros terão 60 anos ou mais, o que representa cerca de 75,3 milhões de pessoas. O crescimento populacional do País vai desacelerar até 2041 e, então, passará a diminuir.

Essa transição ocorre de forma apressada no Brasil, sem que o País tenha alcançado o nível de riqueza observado em nações que também enfrentam a perda do bônus demográfico. “Entre os países mais populosos, teremos a nona transição mais rápida; portanto, envelheceremos em uma condição de renda média baixa e com uma degradação contínua do sistema previdenciário, pois não podemos mais contar com a demografia”, afirma Paulo Tafner, economista e especialista em Previdência. 

Durante a reunião plenária das diretorias da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) e do Centro do Comércio do Estado de São Paulo (Cecomercio), Tafner enfatizou que, segundo dados do IBGE e do Ministério da Previdência, em 2070, 41% da população brasileira receberá algum benefício de longa duração da Previdência Social — ou seja, mais de 40 pessoas a cada 100.  

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Isso tudo em um cenário de déficit no sistema previdenciário previsto em 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para aquela década. Para 2100, a estimativa é que mais da metade da população esteja nessa condição. “Não há exemplo no mundo de um país que tenha conseguido sustentar mais da metade da população com tais benefícios, especialmente com regras como as brasileiras, em que a taxa de reposição [do salário pelo benefício continuado] é altíssima”, ponderou. 

Produtividade e a formalização 

Com o vetor demográfico já fora do “cardápio” de soluções, só resta ao País buscar um grande ganho de produtividade do trabalhador e um crescimento na taxa de formalização do mercado de trabalho. No entanto, entre 2000 e 2020, o crescimento da produtividade brasileira foi metade do registrado em países asiáticos e ficou 60% abaixo do ritmo dos países africanos. Entre nossos vizinhos, o Brasil só fica à frente da Venezuela em produtividade. 

“Quando analisamos o mundo globalizado e suas inter-relações, estamos andando para trás. Ou seja, não podemos contar, pelo menos no curto prazo, com o crescimento da produtividade para solucionar ou ao menos ajudar o sistema previdenciário”, acrescentou Tafner. 

No campo da formalização, o índice de trabalhadores formalizados em relação à População em Idade Ativa (PIA) é atualmente de cerca de 30%. Os desocupados informais representam algo em torno de 40%, e o número de ocupados que contribuem para a Previdência gira em torno de 63%. “Além disso, os Microempreendedores Individuais (MEIs) representam 19% do total de ocupados, o que é significativo. Isso gera um potencial de déficit previdenciário gigantesco, devido à estrutura de contribuição desses profissionais, que garante reserva para apenas quatro ou cinco anos de benefício, enquanto o tempo médio de duração do benefício concedido é superior a 20 anos. Da mesma forma, os trabalhadores de plataformas digitais, cerca de 1,3 milhão de pessoas, também apresentam baixa contribuição”, destacou Tafner. 

Diante desse cenário, sem o apoio dos fatores demográficos, da formalidade e da produtividade, resta ao Brasil empreender uma nova reforma. Para Tafner, as mudanças devem envolver alterações na idade de aposentadoria — automatizando uma regra nesse sentido —, ajustes no cálculo do valor do benefício, redução da taxa de reposição, revisão das normas dos quase 30 benefícios do sistema, inclusive o Benefício de Prestação Continuada (BPC), e a criação de uma camada obrigatória capitalizada. Além disso, é necessário criar um piso previdenciário superior ao piso assistencial, mas inferior ao salário mínimo. “Também é importante desconstitucionalizar a Previdência, deixando na Constituição somente o essencial, como é feito no restante do mundo”, concluiu. Confira a apresentação de Tafner aqui!

Modelo esgotado 

O presidente executivo da FecomercioSP, Ivo Dall’Acqua Júnior, advertiu que o desequilíbrio previdenciário brasileiro é uma verdadeira bomba-relógio em contagem regressiva, e os governos seguem apenas observando, sem tomar medidas para desarmar a crise. 

“Nossos estudos revelam um dado alarmante: se nenhuma reforma for feita, o déficit anual do sistema previdenciário pode chegar a R$ 810 bilhões até 2040. Isso representaria um crescimento de quase 90% em comparação com o rombo registrado em 2023, que já ultrapassou R$ 428 bilhões. O Brasil atualmente gasta mais com previdência do que a maioria dos países europeus — sendo que a Europa já está em um patamar etário bem mais alto que o nosso”, acrescentou Dall’Acqua Júnior. “Seguimos insistindo em um modelo que já demonstrou sinais de esgotamento. O Brasil terá que passar por novas reformas da Previdência. É urgente aumentar a idade mínima de aposentadoria e enfrentar as distorções existentes entre os diferentes regimes.” 

Cenário complexo  

Ao avaliar os desafios da Previdência, o sociólogo José Pastore, presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da FecomercioSP, destacou as mudanças do mercado de trabalho. Pastore classificou o cenário atual como “assustador e devastador para o País”. Para ele, a combinação de fatores demográficos, históricos e erros de políticas públicas — especialmente a transferência de benefícios trabalhistas para a Constituição — torna o futuro brasileiro ainda mais incerto. 

“O mais evidente dos fatores estruturais é a dinâmica demográfica. Mas somam-se a ela as mudanças tecnológicas e as novas formas de trabalhar, que avançam rapidamente”, afirmou. Ele ressaltou que, embora o emprego convencional ainda predomine, o crescimento das atividades autônomas e informais representa um enorme desafio para o sistema. “Muitos profissionais hoje se iludem achando que nunca vão envelhecer nem precisar de aposentadoria.” 

Pastore destacou ainda que o alto custo da contratação formal, causado por encargos e benefícios rigidamente constitucionalizados, dificulta a formalização e incentiva a informalidade. “Uma empresa que paga R$ 2 mil de salário desembolsa mais de R$ 4 mil no total. Por isso, contratar formalmente ficou estupidamente caro.” 

O sociólogo defendeu a criação de novos produtos previdenciários para trabalhadores de renda mais alta ligados às novas tecnologias e a busca de uma renda básica para os informais de menor renda. 

Ao concluir, Pastore sintetizou o quadro brasileiro: “Juntam-se os fatores estruturais com os erros de política e podemos ver que a nossa informalidade não vai ser removida da noite para o dia. Ela vai ficar por aí. E nós vamos ter que arranjar uma forma de atender à previdência com essa informalidade. É trágico, porque essas mudanças tornam o futuro do País muito difícil”, salientou. 

Urgência de um novo equilíbrio  

“A reforma de 2019 trouxe certo alívio, mas está longe de ser suficiente para reverter o desequilíbrio projetado para os próximos anos”, alertou o economista Antonio Lanzana, presidente do Conselho Superior de Economia, Sociologia e Política da FecomercioSP.  

Ele lembrou que atualmente, para cada aposentado, há cerca de 1,8 pessoa contribuindo, relação que já foi de cinco trabalhadores para cada beneficiário na década de 1990. “Mantida a tendência atual, nós vamos ter 1,2 contribuinte para cada beneficiário em 2050. Além disso, na década de 1970, nós tínhamos uma taxa de fecundidade por mulher de 6 filhos, hoje nós estamos com 1,6. Caiu drasticamente, o que significa uma redução do crescimento de quem é contribuinte potencial”, complementou. 

Lanzana ressaltou ainda o impacto negativo das regras que vinculam benefícios ao salário mínimo, o que pressiona continuamente as despesas da Previdência. Atualmente, apenas uma elevação de R$ 1,00 no salário mínimo significa mais R$ 420 milhões ao ano em gastos previdenciários. “O impacto do salário mínimo é muito forte. Cerca de 70% dos benefícios assistenciais e previdenciais são reajustados pelo mínimo. É uma incoerência, do ponto de vista econômico, pagar produtividade para quem já não trabalha e não tem produtividade.” 

Outro aspecto destacado foi a aposentadoria rural, responsável por cerca de 60% do déficit previdenciário, mesmo sendo sustentada por um número muito baixo de contribuintes regulares (5%). “Os benefícios rurais se assemelham mais à assistência social do que a contrapartidas efetivas de contribuição”, avaliou. 

 “Vamos precisar desvincular os benefícios do salário mínimo, igualar e aumentar a idade de aposentadoria para homens e mulheres, e repensar o financiamento da Previdência, talvez buscando novas fontes fora do mercado de trabalho”, sugeriu. “Se não enfrentarmos o problema, a inflação acabará reequilibrando o sistema de forma trágica, corroendo benefícios e agravando ainda mais a desigualdade social”, concluiu.

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Fonte Oficial: https://www.fecomercio.com.br/noticia/demografia-formalizacao-e-produtividade-na-contramao-da-previdencia

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