A FecomercioSP entende que o desenvolvimento econômico deve ser uma prioridade cuidadosamente observada sob diferentes ângulos para não promover ainda mais desequilíbrios (Arte:TUTU)
Incertezas jurídicas, aumento nos preços ao consumidor, rigidez nas relações entre trabalhadores e empresariado e impacto profundo sobre a já problemática produtividade brasileira. Esses são alguns dos efeitos negativos que o País terá caso a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) — que pretende alterar o artigo 7º da Constituição Federal acerca da jornada formal de trabalho — seja aprovada e se torne lei.
Na prática, a mudança proposta pela PEC na jornada elevaria o custo do trabalho em, pelo menos, 37,5%, segundo cálculos da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP).
O levantamento leva em consideração a queda de cerca de 18% na carga horária semanal. A lei atingiria dois terços dos trabalhadores formais do País (63% dos vínculos trabalhistas tinham contratos entre 41 e 44 horas semanais em 2023, de acordo com os últimos dados consolidados da Relação Anual de Informações Sociais, a Rais).
Alguns setores seriam mais afetados do que outros, notadamente o varejo (em que 9 em cada 10 profissionais, ou 89%, são contratados nessa jornada), a agricultura (92%) e a construção civil (91%). Todas são atividades em que a mão de obra humana é fundamental.
Considerando que os reajustes anuais promovidos pelas negociações coletivas oscilam entre 1% e 3%, e que seus efeitos atingem essa massa relevante de trabalhadores e trabalhadoras, uma elevação abrupta e dessa dimensão seria simplesmente inviável para as empresas — principalmente as Micro, Pequenas e Médias (MPEs), que dinamizam a força produtiva da economia brasileira.
Na avaliação da FecomercioSP, representante de 1,8 milhão de empresas no País — responsáveis por aproximadamente 10% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional —, a discussão sobre o fim da chamada escala 6×1, ainda que tenha como justificativa a melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores e da trabalhadoras, deve se dar levando em conta os impactos econômicos mais amplos que tende a causar.
Reduções ou fixações da jornada laboral — considerando ajustes ou não dos salários — devem continuar, na visão da Entidade, sendo elaboradas no âmbito das negociações coletivas, conjuntos de mecanismos (como as convenções coletivas e os acordos coletivos de trabalho) que estão em funcionamento há muito tempo e geram bons resultados tanto para empresas quanto para colaboradores.
Vale ressaltar que, embora a jornada legal no Brasil seja de 44 horas, a média da jornada negociada é menor: 39 horas. E alguns setores produtivos têm lançado mão dessas convenções para reduzir a jornada dos funcionários, como parte de estratégias próprias de melhoria da produtividade. Há ainda aqueles que ajustem o volume de horas semanais para compensar períodos de jornada menor com outros em que, ao contrário, a demanda seja mais abundante.
O ponto é que cada setor e cada ramo de atuação têm as próprias particularidades nessa relação. Ademais, imposições atrapalham os possíveis ajustes que podem ser realizados via acordos e convenções.
Custo do trabalho um terço mais caro
A análise da Entidade considera ainda um erro matemático presente no projeto, o qual estipula uma jornada de 4 dias de trabalho (com 8 horas diárias, no máximo) para 3 de descanso. Somaria, então, 32 horas semanais trabalhadas, enquanto o texto fala de 36 horas semanais. A interpretação mais consensual, hoje, é que esse período restante seria computado como hora extra.
Funcionário no modelo atual (44 horas semanais)
- Salário hipotético: R$ 2,2 mil
- Custo da hora trabalhada: R$ 10
Funcionário no modelo proposto (36 horas semanais)
- Salário hipotético: R$ 2,2 mil
- Custo da hora trabalhada: R$ 12,22
Variação do volume da carga horária: -18,2%
Variação do custo da hora trabalhada: 22,2%
Variação do custo da hora trabalhada considerando 4 horas adicionais (que seriam computadas como extras): 37,5%
Consequências ao consumidor
Como não haveria contrapartida ou garantias de melhoria na produtividade, o empresariado teria, então, de repassar esse aumento aos preços, que subiriam pelo menos no mesmo patamar. O resultado seria uma economia mais inflacionada do que hoje — e isso levando em conta que a inflação de 4,8% (acima do teto da meta estabelecida pelo Banco Central) de 2024 já gerou um ambiente de preços altos e incertezas no País. A expectativa do mercado é que o processo inflacionário passe de 5% neste ano.
Tudo isso considerando, em um cenário também hipotético, que as empresas manteriam os quadros atuais de funcionários. No entanto, com uma alta tão significativa no custo da mão de obra, é possível que muitos negócios tenham de demitir parte dessas pessoas para fechar os orçamentos “no azul”, engessando, por consequência, a abertura de novas vagas, fundamental para manter a saúde da economia — como se vê na conjuntura atual, inclusive.
Produtividade ainda mais afetada
O efeito da PEC seria devastador ao País: mais demissões, redução de contratações, aumento da inflação e pressão sobre uma produtividade que já é historicamente baixa. No âmbito econômico, se olharmos para o quadro internacional, dados apontaram que, em 2024, cada hora trabalhada por um brasileiro produziu um montante de US$ 21,4.
Foi o suficiente para manter o País na 78ª colocação no ranking de produtividade global da Conference Board, entidade formada por empresas que mensuram esse dado laboral. No topo da lista, trabalhadores norte-americanos produzem US$ 94,8 por hora.
Uma série de fatores explica esse fenômeno, como baixa qualificação da mão de obra brasileira, ambiente regulatório complexo, escassez de inovação e alto custo na disponibilidade de capital. Promover reformas e iniciativas para aprimorar essas causas seria uma forma de o governo agir positivamente sobre a jornada laboral e estimular desenvolvimento econômico aliado à qualidade de vida.
Experiência internacional não é impositiva
Outro aspecto relevante dessa discussão é observar como outros países lidaram com o tema. A maioria reduziu jornadas com base em mecanismos de negociação coletiva, e não impondo uma regra impositiva a partir da Constituição.
Nos Estados Unidos, por exemplo, houve uma redução de 11 horas no cômputo anual da jornada em um intervalo de 15 anos [tabela 1]. No vizinho México, a queda foi de 37 horas, entre 2010 e 2023, segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Os próprios países da organização diminuíram essa margem em 55 horas no período. A PEC, ao contrário, propõe cortar boa parte da jornada de forma imediata.
O ritmo dessa alteração ao longo de um determinado período é importante não apenas do ponto de vista legal, mas principalmente porque um processo lento e gradual permite que a sociedade e a economia se ajustem às novas relações trabalhistas, criando estratégias para manter — e, principalmente, aumentar — a produtividade e a renda per capita nacional.
Além disso, a maioria dos países tem uma jornada negociada menor do que a legal. Isso acontece, justamente, porque os mecanismos de acordos trabalhistas funcionam em diferentes contextos socioeconômicos.
A jornada negociada brasileira (média de 39 horas), por exemplo, é muito parecida com a de países desenvolvidos, como Estados Unidos (38 horas) e Portugal (38,2 horas). Em comparação com vizinhos latino-americanos, pode se dizer que os brasileiros têm uma carga de trabalho ainda menor: enquanto estão em atividade produtiva formal por, pelo menos, 1.709 horas por ano, considerando a jornada negociada, esse número é de 1.997 na Colômbia e 2.255 no México.
Há casos em que a jornada negociada é muito menor do que a legal, como é na Alemanha, em que a lei estipula 48 horas semanais, mas acordos baixaram-na para 34,2 horas. Nesse sentido, nossa Constituição é flexível, fixando jornada de até 8 horas diárias e 44 semanais.
A FecomercioSP se articulará com os poderes Legislativo e Executivo no intuito de levar esses dados e análises da realidade do País a uma discussão mais ampla sobre as jornadas de trabalho. Se, por um lado, a Entidade preza, da mesma forma, pela qualidade de vida de trabalhadores e trabalhadoras do Brasil, por outro, entende que o desenvolvimento econômico deve ser uma prioridade cuidadosamente observada sob diferentes ângulos para não promover ainda mais desequilíbrios no já intrincado ambiente de negócios brasileiro.