A imprevisibilidade das decisões judiciais no campo trabalhista é um obstáculo relevante para o ambiente de negócios. Investidores tendem a evitar mercados nos quais acordos legais sejam anulados ou ocorram penalidades sem base legal. O capital migra à procura de ambientes seguros. Por outro lado, consumidores e trabalhadores não têm essa opção e acabam arcando com as consequências da insegurança e do baixo crescimento econômico.
Um dos principais motivos dessa insegurança é o ativismo judicial, cujo efeito sobre as despesas corporativas supera R$ 9 bilhões, de acordo com a estimativa da FecomercioSP. A primeira consequência desse ativismo ocorre na empresa que recebe condenações onerosas, mas se desdobra em efeito cascata ao longo de uma cadeia produtiva. Na prática, os investimentos são sensíveis aos sinais do Poder Judiciário, com reflexos imediatos no crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Essa foi a conclusão do estudo multidisciplinar da Entidade, realizado com apoio de ferramentas de jurimetria da consultoria Data Lawyer. O trabalho teve como base dez casos reais e projetou o impacto financeiro da tendência paternalista apresentada pela maioria dos tribunais trabalhistas brasileiros.
O levantamento foi conduzido pelo economista José Pastore, presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho, em parceria com o Conselho Superior de Direito, presidido pelo jurista Ives Gandra Martins, ambos órgãos da FecomercioSP. O resultado é preocupante, pois os cálculos aferidos foram elaborados de forma conservadora. Algumas das principais contradições legais geradoras de custos extras são a gratuidade da Justiça do Trabalho, o limbo previdenciário, a generalização de periculosidade e decisões que desconsideram o prazo de prescrição, a terceirização, o banco de horas, as dispensas coletivas e, de forma geral, a prevalência do negociado sobre o legislado.
Gratuita para quem?
A distorção começa na gratuidade da Justiça do Trabalho, que concede isenção de custas processuais com base na mera declaração de ausência de recursos, sem necessidade de comprovação, a despeito da Reforma Trabalhista. Hoje, 79,8% dos reclamantes que apresentam essa declaração têm o direito à gratuidade reconhecido, mesmo sem comprovação de carência de recursos e, por vezes, contando com boa condição financeira.
O estudo apresenta casos reais de requerentes a quem foi concedido o benefício, dentre os quais um com salário de R$ 43 mil e outro que é proprietário de veículos de luxo cujos valores somam quase R$ 2 milhões. Nesse contexto de gratuidade, a despesa referente às custas processuais é transferida para o Estado, totalizando mais de R$ 5,59 bilhões nos últimos cinco anos. A esse valor total de gratuidade concedida soma-se, ainda, o pagamento de peritos, que absorveram anualmente cerca de R$ 100 milhões em verbas públicas no mesmo período.
Quando aprovadas, a Lei da Terceirização e a própria Reforma Trabalhista passaram a regulamentar as relações de emprego com efeitos imediatos. Ao contrário da Constituição de 1988, que contém conceitos indeterminados e direitos de compreensão subjetiva, as leis 13.429 e 13.467, ambas de 2017, são claras e elucidam regras ainda passíveis de interpretação nas relações entre empregados e empregadores. Apesar disso, as concepções humanitárias, paternalistas e até ideológicas dos juízes ultrapassam as construções institucionais presentes no texto legal. O ativismo judicial, muito presente na Justiça do Trabalho, não se restringe às sentenças, mas frutifica por meio da jurisprudência, que ganha força de lei. A excessiva judicialização dos conflitos laborais no Brasil resulta em elevada insegurança jurídica para os empreendedores, que ficam apreensivos com as decisões que se afastam do fundamento legal, ainda que sob o argumento de defender trabalhadores.
O combinado não sai caro
Diversas decisões judiciais contêm resistência ao reconhecimento da prevalência do negociado sobre o legislado, o que tem levado à anulação de acordos e convenções coletivas, contrariando a espinha dorsal da Reforma Trabalhista. Algumas decisões são proferidas num esforço de fundamento muito elástico, com o objetivo de tentar igualar pessoas com condições e situações de trabalho diferentes. Sob esse enfoque, por exemplo, o empregado que trabalha para uma empresa prestadora de serviços deve ter salário e benefícios iguais aos de um funcionário com a mesma profissão, mas que atua na empresa tomadora dos respectivos serviços, sem considerar que são empreendimentos de portes e características diferentes. Trata-se de uma visão impulsiva, que busca nivelar os desiguais no processo de subcontratação ou terceirização.
A busca por um ideal de justiça social norteia muitas decisões judiciais que se afastam das leis em que deveriam se basear — ou até mesmo as negam. Especialistas apontam que a lógica por trás do fenômeno é a de que o empregado seria o elo fraco em uma relação de trabalho, incapaz de se defender do empregador. Por isso, o papel do juiz seria reparar essa injustiça. Ocorre que, no afã de corrigi-la, o julgador, por vezes, afasta-se da lei, causando um desequilíbrio sistêmico ainda maior. O estudo ressalta que essas decisões desconsideram a realidade complexa e tridimensional do mundo contemporâneo. Na prática, essa abordagem acaba por inibir a geração de novos postos de trabalho, na medida em que desnorteia os empreendedores e inibe os investimentos.
Limbo previdenciário
Usada para se referir à divergência de conclusão entre peritos médicos do INSS e médicos das empresas, a respeito do estado de saúde do trabalhador que é atendido por auxílio em razão de incapacidade temporária, a expressão “limbo previdenciário” tem sido rotina no mundo do trabalho. Nesses casos, um perito do INSS dá alta ao funcionário por considerá-lo apto para o trabalho, e o médico contratado pelo empregador discorda e nega o retorno à função. Diante do impasse, o empregado fica sem o benefício do INSS e sem o salário da empresa. Nessa situação, pede ao órgão uma revisão e recorre ao Poder Judiciário para solicitar o amparo.
Os tribunais trabalhistas, em sua maioria, entendem que o período em que o empregado aguarda a revisão é de responsabilidade da empresa, pois ele “fica à disposição do empregador”. Por essa razão, empresas têm sido obrigadas a pagar salários com encargos sociais para empregados que não podem trabalhar durante um longo período. Dados da Data Lawyer indicam a existência de 19.117 ações desse tipo entre janeiro de 2019 e julho de 2024, cujo valor chega a R$ 2,62 bilhões. Apesar de envolver vários tipos de pedidos, o principal é a demanda para o pagamento dos dias não trabalhados por inaptidão confirmada por médicos das empresas. Isto é, o gatilho é a questão do limbo previdenciário. Considerando-se que 20% dos recursos sejam para cobrir as condenações nesse campo específico, chega-se a um valor de mais de R$ 524 milhões.
Segurança jurídica é um pilar essencial para a estabilidade e o desenvolvimento do País. Quando o Judiciário assume posições interpretativas, avançando no campo legislativo, surgem incertezas que afetam negativamente a confiança de investidores e cidadãos. Em compensação, quando os poderes trabalham em harmonia e respeitam as próprias competências, cidadãos e instituições beneficiam-se. Para constituir uma sociedade democrática e livre, os cidadãos precisam de expectativas normativas estáveis sobre os seus direitos e obrigações.
O CUSTO DA INSEGURANÇA JURÍDICA
- R$ 1,4 bilhão é o passivo trabalhista de empresas envolvidas em 40 mil ações de terceirização nos últimos cinco anos
- 14 mil ações pedem indenização e reintegração em dispensas sem justa causa
- R$ 900 milhões é a soma da dívida dessas empresas
- R$ 1,2 bilhão é o custo estimado para negócios envolvidos em 25 mil ações em que o negociado não prevaleceu sobre o legislado
Clique aqui e confira o estudo na íntegra realizado pelo Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da FecomercioSP.
Matéria originalmente publicada no site da Revista Problemas Brasileiros, uma realização da Federação.
A FecomercioSP acredita que a informação aprofundada é um instrumento fundamental de qualificação do debate público sobre assuntos importantes não só para a classe empresarial, mas para toda a sociedade. É neste sentido que a entidade publica, bimestralmente, a Revista Problemas Brasileiros.