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NR-1 e o gerenciamento de riscos psicossociais no trabalho: desafios e oportunidades

Por Karina Negreli*

A Norma Regulamentadora (NR) 1 fixa as diretrizes e orienta as demais normas de Segurança e Saúde no Trabalho (SST) no Brasil. Na esteira da atualização do conceito de saúde com a dimensão da higidez física e mental, houve atualizações relevantes na norma em março e agosto de 2024, quando se passou a exigir uma abordagem mais ampla sobre os riscos ocupacionais, tornando explícita a necessidade de gerenciamento dos chamados riscos psicossociais do trabalho.

Essa mudança reflete uma crescente preocupação mundial com a saúde mental da população (e, especificamente, dos trabalhadores), inclusive diante do aumento de casos de afastamentos em razão de estresse ocupacional, assédios, síndrome de burnout e outras condições relacionadas ao ambiente laboral. 

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A nova abordagem do gerenciamento de riscos, que no início enfocava os agentes de riscos de caráter mais concreto com os acidentários, físicos, químicos, biológicos e ergonômicos, passou a abranger, nestes últimos, os fatores de natureza psicossocial, pretendendo, assim, garantir um local de trabalho mais seguro, saudável e equilibrado, ao reconhecer que o bem-estar emocional é tão importante quanto a integridade física.

Obrigações das empresas

As novidades da NR-1 quanto ao Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO) partem da inclusão dos riscos psicossociais entre os riscos ergonômicos do trabalho, exigindo a sua identificação, avaliação, controle e acompanhamento, especialmente no capítulo 1.5, cuja aplicação deve ser combinada com a NR-17, que cuida da ergonomia, item 1.5.3.2.1. 

De forma objetiva, as responsabilidades previstas num Programa de Gerenciamento de Riscos podem ser assim relacionadas:

•          identificação e avaliação sistemática dos riscos psicossociais, como estresse, pressão excessiva, assédio moral, falta de apoio organizacional e jornadas exaustivas (subitem 1.5.3);

•          documentação dos riscos identificados e elaboração de planos de ação (subitem 1.5.7), conforme exigido pela Portaria MTE 1.419;

•          implementação de medidas preventivas e corretivas, como programas de suporte psicológico, práticas de liderança saudável e políticas de combate ao assédio;

•          gestão de emergências de grande magnitude (subitem 1.5.6), reforçando a necessidade de preparação para eventos com alto potencial de impacto.

Além disso, a definição de “perigo ou fator de risco ocupacional” foi revisada para incluir qualquer situação que possa causar agravos à saúde, como doenças mentais derivadas de más condições de trabalho.

É importante destacar que:

•          o PGR deve conter, no mínimo, os seguintes documentos: a) inventário de riscos; e b) plano de ação (item 1.5.7.1); 

•          o Microempreendedor Individual (MEI) é dispensado da realização do PGR (item1.8.1); 

•          as Pequenas e Médias Empresas (PMEs) de graus de risco 1 e 2, que, no levantamento preliminar de perigos, não identificarem exposições ocupacionais a agentes físicos, químicos e biológicos em conformidade com a NR-9, bem como declararem as informações digitais na forma do subitem 1.6.1, ficam dispensadas da elaboração do PGR (item 1.8.4);

•          todas as organizações devem realizar a Avaliação Ergonômica Preliminar (AEP) das situações de trabalho que, em decorrência da natureza e do conteúdo das atividades requeridas, demandam adaptação às características psicofisiológicas dos trabalhadores, com o objetivo de subsidiar a implementação das medidas de prevenção e adaptações necessárias (item 17.3.1), mantido o registro dessa análise;

•          as Microempresas (MEs) e Empresas de Pequeno Porte (EPPs) enquadradas como graus de risco 1 e 2 e os MEIs não são obrigados a elaborar a Análise Ergonômica do Trabalho (AET) — relativa à situação do trabalho, quando necessário aprofundar a análise de condições de trabalho —, mas devem atender a todos os demais requisitos estabelecidos nesta NR, quando aplicáveis.

•          mesmo para PMEs e MEIs, a elaboração da AET da situação de trabalho deve ser realizada se sugerida pelo acompanhamento de saúde dos trabalhadores, nos termos do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) ou quando for indicada causa relacionada às condições de trabalho na análise de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho, nos termos do PGR.

Impactos sobre a gestão trabalhista

As mudanças na NR-1 exigem uma transformação importante nas práticas de gestão de riscos trabalhistas, uma vez que envolvem:

•          atualização de PGRs com a incorporação dos riscos psicossociais;

•          criação ou ajuste de políticas internas que contemplem saúde mental, comunicação segura e direito de recusa diante de riscos graves e iminentes (subitem 1.4.3);

•          implementação de medidas corretivas antes do retorno às atividades em casos de risco identificado (subitem 1.4.3.1), assegurando-se a proteção dos colaboradores (subitem 1.4.3.2);

•          manutenção de canais efetivos de comunicação de riscos (subitem 1.4.3.3), com incentivo a uma cultura organizacional baseada na confiança e nas seguranças física e psicológica.

Adaptar-se a essas exigências representa uma oportunidade não só de garantir conformidade regulatória, como também de construir um ambiente laboral mais saudável e produtivo, prevenindo passivos trabalhistas.

Entretanto, a mudança gera impasses relacionados à conceituação e à concretude dos riscos psicossociais no ambiente de trabalho. A subjetividade envolve questões como sobrecarga de trabalho, má gestão de mudanças organizacionais, falta de reconhecimento, mau relacionamento, eventos traumáticos, baixa justiça organizacional e falta de autonomia, entre outros fatores ergonômicos psicossociais.

Essas situações têm percepção e aferição extremamente subjetivas, com poucas referências sobre o que seria tolerável. Além disso, muitas vezes, exigem ampla apuração e contraditório para serem comprovadas. Isso deixa as empresas em uma posição de insegurança jurídica considerável, especialmente durante inspeções da fiscalização do trabalho no âmbito administrativo.

Por isso, considera-se que a norma carece de aperfeiçoamento e mais aprofundamento conceitual para que os objetivos possam ser, de fato, alcançados — razão pela qual a FecomercioSP e os sindicatos filiados solicitam ao MTE o adiamento do início de vigência da nova NR-1, prevista para entrar em vigor em 26 de maio de 2025.

Papel dos contadores

Embora tradicionalmente voltados para as gestões financeira e contábil, os contadores podem desempenhar papel estratégico na promoção dos valores contido na gestão de riscos psicossociais do trabalho, contribuindo para:

•          apoiar as empresas na avaliação prévia do ambiente laboral, com apoio de profissionais habilitados na avaliação de riscos psicossociais, detectando impactos e auxiliando na tomada de decisões pautadas em indicadores e relatórios;

•          ajudar a organizar e monitorar a documentação dos riscos ocupacionais e dos planos de ação, conforme indicado em norma;

•          colaborar na implementação de controles internos e auditorias que comprovem efetividade na mitigação de riscos psicossociais na empresa e reduzindo a ameaça de penalização em caso de inspeção do trabalho;

•          orientar empresas na previsão orçamentária de investimentos em saúde ocupacional, promovendo uma gestão mais sustentável.

A atuação proativa do contador fortalece a conformidade da empresa e contribui para um ambiente de trabalho mais responsável e resiliente.

Não se pode negar que a mais recente atualização da NR-1 marca um avanço importante na proteção da saúde dos trabalhadores, ao reconhecer e explicitar a inclusão dos riscos psicossociais no gerenciamento de riscos ocupacionais. Todavia, para que os investimentos em promoção dessa pauta alcancem resultados efetivos, a norma há de oferecer conceitos e critérios mais concretos e claros, afastando os altos graus de subjetividade e discricionariedade contidos na redação atual. Em sendo alcançado o aperfeiçoamento da norma, a mudança requer uma atuação integrada e colaborativa entre gestores, advogados e contadores — que, num ambiente de maior segurança jurídica, poderão unir esforços para revisar políticas, planejar ações preventivas e promover uma cultura organizacional saudável.

Nesse ambiente de maior segurança, a aposta do setor produtivo no compromisso com a valorização do ser humano no ambiente laboral poderá ser ainda mais reforçada, em busca de relações sustentáveis, revisando-se processos internos e fortalecendo a participação dos trabalhadores na gestão de riscos.

*Karina Negreli é advogada e assessora técnica da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP)

Artigo originalmente publicado no boletim Tome Nota, na edição 259, de abril de 2025.

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Fonte Oficial: https://www.fecomercio.com.br/noticia/nr-1-e-o-gerenciamento-de-riscos-psicossociais-no-trabalho-desafios-e-oportunidades

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