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ARTIGO, por Roberto Valverde: “Governança só existe no papel” 

Existe uma farsa que ronda o mundo corporativo, tão silenciosa quanto devastadora: a ilusão da governança corporativa.

Não estou falando da teoria bonitinha dos manuais da universidade ou das apresentações impecáveis com selo de alguma certificadora. Falo do mundo real, onde conselhos de administração viram clubes do bolinha, conselheiros ‘independentes’ têm mais dependência do que franqueado em rede, e fundadores agarram o comando como se fosse chupeta de bebê.

Governança virou um teatrinho com script ensaiado para acalmar investidor, enganar fundo de private equity e postar no LinkedIn. É o “parecer que tem” valendo mais do que o “fazer acontecer”.

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O fundador que não larga o osso 
Vamos começar com a raiz de muitos males: o fundador centralizador. É o típico empreendedor que construiu a empresa do zero, lutou contra tudo e todos, mas agora virou o maior obstáculo para o próximo passo. Ele diz que quer “profissionalizar a gestão”, mas todo contrato precisa passar pela mesa dele, inclusive o da firma de café.

O que ele quer de verdade? Um boneco com crachá de CEO pra inglês ver, enquanto ele continua no comando informal da empresa. O sucessor ideal para esse perfil é o genro meia-boca, o executivo puxa-saco ou aquele ex-diretor do banco que só sabe falar difícil.

O plano de sucessão, se existe, é um PowerPoint de quatro slides feito por consultoria de grife. E a governança? Uma ata por trimestre com buffet executivo e conselheiro dormindo com o olho aberto.

Conselheiros independentes (mas nem tanto) 
Conselheiro independente no Brasil virou profissão de influenciador. Muita pose, pouca prática.

A ideia original era genial: trazer visões de fora, isentas, técnicas e com coragem para enfrentar decisões difíceis. Mas o que temos hoje?

Um grupo de gente preocupada em renovar mandato, garantir jetom e ser convidado pro próximo conselho. São os “independentes dependentes”: dependem da remuneração, da vaidade e da conivência com o status quo. Fazer perguntas difíceis? Só se for nos bastidores e com voz baixa.

Um exemplo clássico foi a governança da Americanas S.A. Antes do escândalo contábil bilionário, existia um conselho, comitês e estruturas de compliance. Mas onde estavam quando os lançamentos contábeis fictícios inflavam o caixa? Sentados no tapete felpudo da sala de reuniões, tomando café gourmet e aprovando relatórios. E não foi por falta de capacidade técnica, foi por conveniência.

O executivo com conflito de interesse 
Agora vamos ao caso do executivo que, além de salário, bônus e stock options, também é fornecedor da empresa. Isso mesmo.

Já vi diretor financeiro ser sócio oculto de distribuidora que vendia para a própria empresa. E quando se pedia justificativa do markup abusivo? Silêncio. Afinal, ele era o “homem de confiança” do fundador.

Em outro caso, um superintendente de uma empresa listada também era dono de uma firma que prestava serviços nos empreendimentos que ele próprio gerenciava. Isso com o aval do controlador. Isso é governança? Não. Isso é jeitinho. É feudalismo disfarçado de CNPJ.

Esse tipo de arranjo cria um conflito de interesse tão profundo que compromete qualquer decisão estratégica. Como confiar em um executivo que se beneficia diretamente de contratos que ele mesmo aprova?

Fundos de private equity: cadê a diligência?
Fundos de investimento também têm sua cota de responsabilidade. Compram empresas, colocam CFO da casa, fazem contrato amarrado com fundador e nomeiam um CEO “de mercado”.

Só que esse CEO mal conhece o setor, é avesso a risco e toma decisões olhando para a planilha do Excel — não para o cliente, nem para a operação.

Quando o negócio começa a afundar (porque vai afundar), começa o ritual da salvação:
a) Contratam consultoria parea dizer o óbvio.
b) Mandam embora o CEO e colocm outro igualmente perdido.
c) Tentam trazer o fundador de volta como se fosse o salvador da pátria.

Se o founder ainda tiver equity relevante, pode topar. Mas se já virou figurante no conselho, manda um “boa sorte aí” e vai cuidar da vida.

ESG e o teatro corporativo 
Outro disfarce bonito da governança de papel é o ESG. Sustentabilidade é importante? Sim. Mas virou peça de marketing. É a versão moderna do “plantamos árvores, agora podemos poluir à vontade”.

Já vi empresa com trabalho análogo ao escravo na cadeia de suprimentos que três meses depois estampava foto de reflorestamento no Instagram.

Governança, no G do ESG, não é sobre relatórios bonitos, é sobre proteger o interesse do CNPJ contra a vaidade dos CPFs que o gerem. Mas poucos querem isso de verdade. Preferem parecer do que ser.

O que realmente funciona?
Governança real começa quando a empresa:

a) Expõe as relações promíscuas.
Se o diretor é fornecedor, que isso esteja claro. Se o sócio tem outro negócio, que seja avaliado com lupa. Transparência não é inimiga do lucro, é sua base.

b) Exige preparo dos conselheiros.
Senta na cadeira quem entende de finanças, negócios e estratégia. E mais: quem tem coragem de ser o chato da sala. Quem não tem medo de dizer que a estratégia está errada — e se for demitido por isso, que saia com honra.

c) Planeja a sucessão como projeto estratégico.
Profissionalizar não é terceirizar a culpa. É preparar a próxima geração para entender de verdade o negócio, com exposição gradual e avaliação de performance real. Nada de colocar o filho que voltou de intercâmbio em Miami direto na cadeira de COO.

d) Trata conselhos como guardiões do negócio, não enfeites.
Os melhores conselhos que conheci são aqueles com conflito saudável, debates acalorados e decisões duras. Conselho que todo mundo concorda com tudo, ou está mal informado ou está com medo.

E quando a crise bate?
É aí que a governança de papel mostra sua verdadeira face.

Na hora da crise, o conselho se omite, o executivo foge e o fundador… bom, o fundador às vezes nem aparece. Já vi empresa com prejuízo milionário que não teve reunião extraordinária do conselho por “falta de agenda”.

Governança não evita crise. Mas define como a empresa sai dela: com estrutura e aprendizado ou com desculpas esfarrapadas e powerpoints vazios.

Conclusão: o papel aceita tudo; a realidade, não
Governança virou símbolo de status, mas sem musculatura. E o pior: estamos formando uma geração de executivos e conselheiros que confundem rituais com essência.

A empresa não precisa de mais uma certificação de governança. Precisa de líderes com coragem, conselhos com verdade, processos com transparência e acionistas com compromisso.

Porque, no fim das contas, a verdadeira governança não está no papel. Está nas decisões difíceis, nos conflitos bem geridos, nas verdades que doem e nos interesses do CNPJ colocados acima dos egos e vaidades.

Se não for assim, é só teatro.
E, como todo bom teatro, acaba em aplauso… ou vaias.

Fonte Oficial: https://agenciadcnews.com.br/artigo-por-roberto-valverde-governanca-so-existe-no-papel/

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