“As tarifas não se destinam apenas a proteger os empregos americanos, destinam-se a proteger a alma do nosso país. As tarifas comerciais destinam-se a tornar a América novamente rica e a tornar a América novamente grande. E isso está a acontecer, e vai acontecer muito rapidamente. Haverá um pouco de perturbação. Não nos importamos com isso. Não será grande coisa”.
O trecho acima foi extraído do discurso do presidente Donald Trump por ocasião do State of Union, momento no qual o mandatário americano se dirige as duas casas legislativas para fazer um balanço de conjuntura e de sua agenda de governo. A passagem, a grosso modo, expressa a defesa do protecionismo tarifário e serve como um bom atalho para aqueles dispostos a encontrarem racionalidade do verborrágico líder estadunidense.
A análise da política comercial e da agenda econômica é fundamental para o entendimento dos efeitos do trumpismo para a cena internacional e, em particular, para as economias emergentes. Os mercados internacionais e, portanto, as condições financeiras que afetam os tomadores de decisão das companhias basicamente respondem ao grau de percepção de risco em relação ao comportamento do presidente americano.
O primeiro trimestre de Trump já foi suficiente para inversão no comportamento dos mercados; de um estado de euforia com a possibilidade de crescimento mais acelerado em virtude da redução de impostos e desregulação setorial, para um estado de incerteza elevada com a falta de clareza acerca dos objetivos da sua agenda econômica.
O slogan “Make America Great Again” combinado com o “American First” antecipa uma visão protecionista das relações comerciais e a disposição para descontruir a ordem econômica liberal construída no pós-segunda guerra mundial como resultado da hegemonia norte-americana.
Trump traz a seguinte identidade: tarifa comercial como sinônimo de enriquecimento, a partir de uma visão histórica de que o desenvolvimento norte-americano foi resultado do processo de industrialização que ficou exacerbado na metade final do século XIX, após o fim da guerra civil no país. Sob o olhar econômico, a guerra civil americana representou a vitória da proteção à indústria nascente defendida pelos estados ao norte contra a integração comercial defendida pelos exportadores de produtos primários.
Há duas interpretações acerca do uso de tarifas comerciais. Comecemos pela versão otimista, atributo que demanda alguma coragem de certa disposição para alienação em relação aos destinos do mundo. A versão de Trump suave sugere que as tarifas serão apenas instrumentos de barganha para Trump construir uma série de acordos bilaterais, alimentando sua imagem de uma líder que “fecha negócios”, em alusão ao seu passado como empresário antes do ingresso na arena política. Trump sob essa ótica faria muito barulho, ameaças aos demais líderes para posteriormente conseguir compensações dos seus parceiros (ou melhor dizendo, rivais).
Sob essa versão, não teríamos uma corrida protecionista da magnitude do período entre guerras, a partir da Smoot–Hawley Tariff Act, contribuindo para agravar os efeitos da grande depressão ao reforçar uma onda protecionista no mundo. A visão mais pessimista sugere que as tarifas vieram para ficar como parte da agenda econômica de renúncias tributárias e desregulação prometidas por Trump. A ideia é que os impostos de importação nos EUA serviriam para minimamente atacar o déficit fiscal esperado com tais políticas.
A despeito das incertezas em relação à política comercial, a expectativa é por uma agenda econômica inflacionária. Em combinação com os riscos geopolíticos e elevada insegurança, tal visão poderia levar ao quadro de estagflação, ou seja, pouco crescimento com inflação elevada. Os agentes econômicos sob incerteza elevada não elevariam investimentos ainda mais com a política monetária mais restritiva dado o efeito inflacionário. A política de Trump se volta para o setor industrial que responde, grosso modo, por apenas 20% da economia total, o que já gera dúvida sob o real impacto em termos de crescimento do trumpismo.
O próprio presidente dos EUA reconhece a possiblidade de “perturbações” no curto prazo e está disposto a enfrentar em nome das reformas estruturais na economia norte-americano. Minha leitura é que o efeito eleitoral dessas perturbações é que irão condicionar o impacto do trumpismo para a política e economia brasileira. O divisor de águas me parece ser as eleições legislativas nos EUA em 2026. Se os republicanos perderem a maioria nas duas casas legislativas, a tendência é de algum tipo de moderação de Trump, seja na política econômica, seja na estratégia geopolítica. A maioria republicana mantida em 2026 seria reforço político ao presidente centralizador ampliando a ambição de Trump e as consequências para ordem econômica liberal.
As evidências empíricas mais recentes apontam para aumento da rejeição de Trump. De acordo com a pesquisa Atlas/Interal, 52,4% rejeitam o trabalho do republicano à frente da presidência. A pesquisa indica que 47% dos americanos acham “terrível” o trabalho na gestão da economia. Se o voto econômico tiver impacto em 2026, dificilmente os republicanos manterão a maioria das cadeiras nas duas casas, o que geraria um freio no trumpismo. Por outro lado, a agenda de valores e de imigração devem dar suporte ao trumpismo, indicando riscos maiores para o mundo e para os países emergentes.
As evidências empíricas indicam que o tempo é variável chave para o desgaste institucional promovido por líderes populistas com tendências centralizadoras. Os EUA historicamente se encoraram nos freios e contrapesos e na política bipartidária. A polarização, contudo, pode prolongar, a vida do trumpismo. O Brasil deve sentir os efeitos do trumpismo também pelo canal político. A conexão entre movimentos conservadores virou lugar comum nas eleições dos grandes países ocidentais. O próprio bolsonarismo deve alimentar essas conexões, especialmente diante dos dilemas jurídicos do ex-presidente.
O risco é que o componente da diplomacia presidencial seja uma variável que aumente esse desgaste bilateral. O presidente Lula tem sido comparativamente mais agudo nas críticas à Trump, quando comparado aos demais países emergentes. Lula pediu que o americano falasse “manso” com ele, ao passo que Narenda Modi, primeiro-ministro indiano, ao invés de críticas jogou confete ao “bravo” e “resiliente”.
RAFAEL CORTEZ
Doutor em Ciência Política (USP), professor do IDP-SP e sócio da Tendências Consultoria.
Fonte Oficial: https://agenciadcnews.com.br/artigo-por-rafael-cortez-efeitos-economicos-e-punicao-das-urnas-condicionam-impacto-do-trumpismo/