Participar do SXSW é uma das experiências de maior dispersão e FOMO (fear of missing out é a sigla em inglês que significa o medo de não conseguir acompanhar as atualizações e eventos) (ou FOMA, na versão atualizada, pela palestra da aclamada Amy Webb) quando se trata de eventos da indústria. Com uma programação intensa e múltiplas trilhas acontecendo ao mesmo tempo, a sensação de estar sempre perdendo algo é inevitável. Este não vai ser somente um resumo do evento. Quero aqui compartilhar os momentos que mais me trouxeram reflexões.
E se tem uma coisa que ficou evidente, é que o fator humano nunca foi tão importante. No meio de tantas discussões sobre tecnologia, IA e inovação, o que mais me marcou foi como as conexões humanas foram colocadas no centro de tudo. Outro aspecto incontestável foi como o evento em geral estava inclinado a falar de wellness e saúde social, abordando a importância das conexões humanas não só para nossa saúde e bem-estar, mas também intrinsecamente ligada ao sucesso profissional.
A começar pela Amy Webb que sacudiu as mentes presentes do Ballroom D, falando de futurismos, suas tendências e de inovações que devemos esperar da biotecnologia e como ela ampliará o impacto da IA. Segundo ela, devemos esperar que a nova grande onda de inovação surja justamente do momento onde as máquinas deixem somente de processar os dados e passem a senti-los e os interpretem em tempo real. Conforme as suas previsões fundamentadas por seu estudo de tendências (FTSG), a rápida convergência de IA, redes de sensores e interfaces biológicas está remodelando as indústrias a uma velocidade sem precedentes. Profundo, não?
Apesar desta previsão quase apocalíptica, sigo entusiasta do nosso lado humano e na minha busca por esta afirmação, nada no evento me marcou mais do que assistir as falas precisas e, por segundos, inteligentemente pensadas antes de serem proferidas por Brené Brown. Além de reforçar conceitos já conhecidos, mas sempre valiosos de serem revisitados — especialmente para nós, fãs da cientista social (e não psicóloga, como ela mesma fez questão de pontuar) —, ela trouxe reflexões potentes sobre empatia, vulnerabilidade e a curiosidade como um elemento essencial para o crescimento.
Assistir a Brené Brown não se resume a absorver seu conteúdo — seria um desperdício não se atentar a como ela articula, pensa e pontua, construindo sua narrativa com coerência e intencionalidade. Ela demonstra, na prática, o que chama de “soberania dos seus pensamentos” — na minha tradução livre do termo cognitive sovereignty. Em tempos de distrações constantes, manter controle sobre o que pensamos, sentimos e escolhemos expressar é um diferencial poderoso. E, como se quisesse reforçar essa ideia ali, em tempo real, ela lembrava os espectadores que tentavam capturar cada momento em vídeo para que somente estivessem presentes. “Esse papo fica só entre a gente”, disse em tom leve, como se estivéssemos em uma prosa de amigos.
Agora, pare e pense: em um mundo cada vez mais dominado pela automação, machine learning e inteligência artificial, o que nos mantém verdadeiramente humanos? Nossa capacidade de refletir, questionar e sentir. Mas também nossa habilidade de manter autonomia sobre nossos próprios pensamentos e emoções, apesar de tantas influências externas. Esse, talvez, seja um dos maiores desafios do nosso tempo. Mas também é o que nos torna mais autênticos. Saí do painel torcendo para que o spoiler que ela deu — de que seu novo livro está em produção — se concretize logo. Porque nunca foi tão urgente aprofundarmos essa conversa.
Em um evento onde o esperado era ouvir sobre avanços da IA e desdobramentos futurísticos em diversas áreas, ter a oportunidade de escutar uma das maiores referências sobre a importância da vulnerabilidade, da curiosidade e do lado humano da experiência reforçou uma certeza: a inteligência humana continua sendo única. E admitir que não temos todas as respostas não nos enfraquece — pelo contrário, nos abre para novas e transformadoras experiências. Quase em uma sequência proposital, quem seguiu no auditório, teve a honra de assistir o Ben Stiller falar da série que é produtor (e eu, fã), Severance, que no Brasil, traduziu-se em “Ruptura”.
Quem assiste à série, sabe que se trata de uma empresa que tem um contrato um tanto curioso para que seus funcionários façam a “ruptura”, ou seja, mantenham vida pessoal e profissional apartadas. Talvez quem, como eu, esperasse uma discussão mais crítica sobre a produção em si, se frustrou com o papo entre o ator e o executivo da Apple que girou mais em torno da produção, da importância dos streamings. E pouco se aprofundou na discussão inteligente que a série aborda de maneira inédita sobre viver papéis dentro e fora das organizações.
Ironicamente, até mesmo no mundo distópico de Ruptura, a grande provocação que fica não é sobre máquinas, mas sobre identidade, propósito e o que nos torna humanos dentro e fora do trabalho. Ao final, saio do SXSW não somente com percepções sobre inovação, mas com uma certeza ainda maior: não importa o quanto a tecnologia evolua, serão sempre as conexões humanas que definirão o que vem a seguir.
SILVIA BELLUZZO
Formada em comunicação social pela Universidade Federal Fluminense, em marketing pela Coppead UFRJ e em marketing digital pela Columbia Business School. Atualmente ocupa o cargo de Diretora de Marketing no TikTok América Latina.
Fonte Oficial: https://agenciadcnews.com.br/artigo-por-silvia-belluzzo-na-era-da-ia-o-fator-humano-nunca-foi-tao-importante/