Não é fácil encontrar análises razoavelmente ponderadas sobre o novo governo Trump. Críticos do presidente republicano costumam enfatizar não apenas os riscos para o sistema democrático dos EUA, mas também a falta de eficiência da agenda econômica sinalizada pelo novo mandatário: forte combate à imigração e protecionismo comercial. Além disso, o narcisismo de Trump e seu estilo nas negociações internacionais levariam a uma instabilidade na ordem internacional, com consequências para o crescimento econômico no mundo todos. Por outro lado, apoiadores de Trump enfatizam a firmeza do presidente dos EUA em lidar com o conflito com a China, que ameaçaria os valores ocidentais.
Mais do que o presidente dos EUA, Trump aparece como o defensor dos valores capitalistas e liberais, em um mundo dominando pelo globalismo, visão de mundo essa que apenas teria levado ao enfraquecimento dos EUA. Uma aliança exótica entre as grandes corporações e conservadores em torno do homem que quebrou as bases do mainstream político nos EUA. A despeito das visões polares, é uma constatação empírica de que os movimentos do presidente dos EUA, tomando emprestado um termo comum no mercado, “faz preço”, ou seja, os ativos dólar e juros de mercado respondem a cada discurso e decisão de Trump, impactando o desempenho da economia brasileira.
Há (grosso modo) três canais de comunicação entre ambiente nos EUA e a economia brasileira, a saber: 1 – financeiro; 2 – comercial, e 3 – político. O grau de incerteza em relação à agenda econômica nos EUA e as mudanças geopolíticas impactam a liquidez internacional e dinâmica de commodities que costumam ditar os desafios das economias emergentes. Trump também sinaliza com forte protecionismo comercial, o que poderá levar uma onda de fechamento de mercados, em uma espécie de corrida protecionista. Se confirmado tal cenário, o canal de exportações fica negativamente afetada, diminuindo a taxa de crescimento da economia.
ATENÇÃO – Minha atenção nessa coluna se dá a dimensão política do efeito Trump à luz dos desafios da política externa e da trajetória de desenvolvimento econômico. Minha interpretação é que o ambiente político internacional será mais desafiador para a tentativa do governo Lula em desenhar uma política externa equilibrada em meio a chamada nova “Guerra Fria” entre EUA e China. A sorte do Brasil é que as preocupações efetivas de Trump se encontram no Leste Asiático. A vitória de Trump não expressou apenas o estilo de liderança que parece cair com uma luva na era de viralizações, decorrentes das redes sociais.
O líder republicano renovou o estilo de política contrário ao mainstream, ancorado em um discurso originalmente construído para a restauração dos valores perdidos. O slogan ‘Make America Great Again’ sintetiza a retomada de valores perdidos que teriam explicado o declínio norte-americano sob a égide da política tradicional (em boa medida, operacionalizada pelo partido democrata). A base dessa doutrina tem recorte populista, quando faz pouco caso das instituições representativas e de controle do poder e foca a centralidade no poder do povo, ignorando em alguma medida o espírito dos “pais fundadores” que construíram as bases do governo representativo moderno e que serviu de inspiração para combinar democracia e o sistema capitalista, sistema econômico que demanda proteção as liberdades individuais.
Trump representa a versão de direita da crítica ao mainstream político e traz de volta o nacionalismo como bandeira política. O caráter populista advém da interpretação de que sua presidência recebeu uma missão divina: “eu fui salvo por Deus para fazer a América grandiosa novamente”, nas palavras de Trump no seu discurso de posse. É justamente por ser o representante de uma missão é que o novo presidente precisa reforçar a unidade nacional. Aos olhos da política externa brasileira, o governo Trump “dar certo” significa evitar um economia norte-americana inflacionada e uma ordem internacional minimamente organizada com alguma cooperação entre as grandes potências, o que basicamente ajudaria a manter taxa de juros minimamente civilizadas e intercâmbio comercial. O mundo dos emergentes agradeceria essa contribuição indireta dos EUA à trajetória de crescimento.
BRASIL – Minha interpretação é que o Brasil não deve ter medo excessivo de conflitos bilaterais com os EUA, dado que a prioridade do governo Trump se encontra no Leste Asiático. Para o bem ou para o mal, o Brasil deve sentir os efeitos da nova administração americana como qualquer nação emergente. A tarefa dos formuladores da política externa brasileira é conseguir fazer da rivalidade entre as potencias, um atalho para materialização do seu interesse nacional. Entre os países emergentes, o Brasil possui fluxo de comércio razoavelmente disseminado, o que reforça o benefício de alinhamentos automáticos com EUA ou China.
A leitura que faço é que dois conflitos podem azedar as relações bilaterais Brasil-EUA. O primeiro ponto diz respeito à crise venezuelana, especialmente se os EUA investirem em ações mais contundentes. O segundo ponto diz respeito às ambições dos Brics, visto como atalho para a expansão chinesa. O governo Trump pode inaugurar um tempo político de hegemonia de governos nacionalistas de corte conservador que enxergaram nas instituições multilaterais, uma perda de soberania com efeitos deletérios para legitimidade das instituições representativas.
RAFAEL CORTEZ
Doutor em Ciência Política (USP), professor do IDP-SP e sócio da Tendências Consultoria.
Fonte Oficial: https://agenciadcnews.com.br/artigo-por-rafael-cortez-governo-trump-e-os-dilemas-para-a-politica-externa-brasileira/