O Brasil é responsável por cerca de 4% das emissões mundiais e pode participar do esforço global reduzindo o desmatamento da Amazônia. (Arte: TUTU)
Por José Goldemberg*
Ao longo dos séculos o comportamento do clima foi essencial para garantir o desempenho adequado da agricultura e dos assentamentos humanos.
Em muitos casos, a deterioração progressiva das condições climáticas levou à extinção de cidades, como aconteceu na Península de Yucatán, no Golfo do México, e no clima seco do Oriente Médio e da África, que contribuiu de forma significativa para o declínio do Império Romano.
Enquanto essas variações ocorriam lentamente, foi a criatividade de autoridades, que permitiu enfrentá-las com sucesso, construindo canais e diques, por exemplo, como aconteceu no mesmo Oriente Médio. Em contraste, eventos climáticos extremos tendem a ser inesperados, embora muito destrutivos, como vive agora o Rio Grande do Sul.
Mas por que eles estão se tornando mais frequentes?
Uma das respostas é o fato de a atmosfera terrestre estar mais quente devido ao “efeito estufa, causado pelo aumento da quantidade de dióxido de carbono (CO2) que, por sua vez, é resultado inevitável da queima de combustíveis fósseis, como carvão, derivados de petróleo e gás.
A temperatura média da atmosfera já subiu cerca de 1,5ºC desde o fim do século 18 até agora, e poderá atingir 2ºC ou mais até 2100. Esse calor adicional acumulado se dissipa principalmente em chuvas torrenciais localizadas e tufões.
Outras consequências do aquecimento global, como o aumento do nível do mar – cerca de 2 milímetros por ano, ou seja, 2 metros por século – são lentas e não parecem prioritárias para governos, principalmente os eleitos para períodos de quatro anos.
Já catástrofes climáticas como a do Rio Grande do Sul exigem medidas corretivas imediatas, o que, por outro lado, permite uma quantificação dos custos. Em programas de longo prazo isso é mais difícil. No RS, por exemplo, as estimativas indicam que a recuperação dos danos materiais deverá custar pelo menos U$ 15 bilhões (R$ 130 bilhões).
O dilema está, portanto, em investir em medidas preventivas ao aquecimento da atmosfera (e em reabsorção de parte do CO2 que se encontra nela) ou então se conformar à ideia de que a situação é inevitável e, assim, se adaptar.
Pesquisas já mostraram que ambas as opções exigiriam gastos adicionais de cerca de U$ 500 bilhões por ano (R$ 2,6 bilhões). É um desafio, já que esses recursos não existem hoje, sobretudo nos orçamentos de países em desenvolvimento para assegurar bens básicos, como água potável, saneamento e moradia.
As principais propostas atuais para arrecadar esse dinheiro todo são: criar taxas sobre os cerca de três mil bilionários existentes no mundo todo ou tarifar as emissões de carbono, o que, na prática, significa aumentar o preço do petróleo. É o que muitos países do Oriente Médio, como a Arábia Saudita, têm feito. Eles ajustam o preço do combustível fóssil para manter o nível de vida de suas populações ou para financiar extravagâncias.
O problema é que aumentar o custo do petróleo afetaria negativamente as pessoas mais pobres, sobretudo no Sul Global. Na verdade, ambas as ideias parecem hoje irrealistas.
Medidas mais criativas parecem necessárias, como, por exemplo, voltar a algum tipo de Protocolo de Kyoto que obrigue os maiores emissores do mundo a reduzirem suas emissões. O Brasil, responsável por cerca de 4% das emissões mundiais, pode participar deste esforço reduzindo o desmatamento da Amazônia, que é responsável, junto com a agropecuária, por 70% das emissões brasileiras.
Caberia ainda uma nova mobilização mundial de cientistas e organizações não governamentais, além de rever a Convenção do Clima, dando a ela mais poderes, além das exortações.
*José Goldemberg é presidente do Conselho de Sustentabilidade da Fecomercio SP. Físico, foi reitor da USP e Ministro do Meio Ambiente em 1992.
Matéria originalmente publicada no jornal O Globo em 21 de junho de 2024.
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Fonte Oficial: FecomercioSP