Tornar o Estado mais ágil depende de todo um ecossistema que não inclui apenas agentes públicos. (Arte: TUTU)
O brasileiro é conhecido por aceitar bem o uso das plataformas digitais. Basta ver como Airbnb, iFood, Spotify e Uber caíram no gosto popular, tornando o consumidor acostumado à praticidade, tudo na palma da mão. Contudo, quando se fala em digitalização dos serviços públicos, geralmente associados à burocracia, os desafios são enormes e proporcionais à dimensão do próprio Estado.
Inúmeras iniciativas já facilitam a vida de cidadãos e empresas, e a digitalização dos serviços é a nova fronteira para superar a burocracia. O ambiente de tecnologia pública no País conta com exemplos de inovação bem-sucedidos, como o Imposto de Renda e o PIX. A plataforma digital do governo federal (Gov.br) já conta com mais de 150 milhões de usuários, com documentos como identidade, carteira de trabalho, habilitação e comprovantes de vacina em versões digitais, disponíveis no celular. Tema da reportagem de capa da edição 481 (jun/jul) da Problemas Brasileiros, a digitalização de serviços públicos tem um longo caminho a ser percorrido para chegar a cidades e estados onde a cultura de uma gestão digital ainda não ocorra de fato.
A aprovação, entre 2020 e 2021, do tripé regulatório govtech — composto pela Nova Lei de Licitações, pela Lei do Governo Digital e pelo Marco Legal de Startups e do Empreendedorismo Inovador — propiciou a chegada de investidores e promete acelerar a transformação digital nas diferentes esferas da administração pública. No entanto, se na esfera federal o Brasil é referência, nas cidades, a realidade ainda é analógica. O desafio para desenvolver um ecossistema govtech no Brasil é cultural e adaptativo, o que inclui a capacitação dos gestores públicos e o estímulo à cultura de inovação. A principal barreira está nos diferentes níveis de maturidade institucional.
Em sintonia com a sua agenda de modernização do Estado brasileiro, a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), por meio do Conselho de Economia Digital e Inovação (CEDI), defende medidas para auxiliar o processo de digitalização dos serviços públicos no País.
Processos online e a integração das plataformas entre os variados órgãos das três esferas de governo são considerados desafios fundamentais. Dados do Ministério de Gestão e Inovação apontam que apenas 44% dos Estados dispõem de uma estratégia digital definida — nos municípios, essa porcentagem cai para 28%. Focado na modernização desses serviços para a melhoria do ambiente de negócios, o Conselho de Economia Digital e Inovação da FecomercioSP entende ser necessário avançar em pontos relevantes, como criação do cadastro único da empresa (e-CNPJ); integração dos processos de obtenção de alvarás de funcionamento; integração entre as esferas de governo e medidas de qualificação; e inclusão digital.
Segundo Diogo Costa, presidente da Foundation for Economic Education (FEE), a mudança da máquina estatal passa, fundamentalmente, por um aprimoramento das estratégias de seleção pessoal nos serviços públicos. “O fato é que o Estado brasileiro não vai se modernizar se não modernizarmos a forma como selecionamos as pessoas”, afirmou, em recente participação de reunião do Cedi. Costa destacou, ainda, que a Inteligência Artificial (IA) não só redefinirá as habilidades mais importantes entre os trabalhadores como também vai empoderar os profissionais, que passarão a adquirir competências que não teriam sem o acesso à ferramenta.
Mapa de potenciais
Tornar o Estado mais ágil depende de todo um ecossistema que não inclui apenas agentes públicos. Entram em cena as govtechs, empresas de tecnologia com o propósito de gerar inovação e economia de recursos. O Brasil tem, atualmente, 475 startups e Pequenas e Médias Empresas (PMEs) nesse segmento, número quase seis vezes maior do que em 2020, segundo o Mapa Govtech Brasil 2024, estudo do BrazilLAB — hub de inovação que conecta empreendedores com o Poder Público —, que conta com o apoio da Oracle. A maioria dessas empresas oferece soluções voltadas a gestão pública (160 startups), educação (80) e saúde (74), além de iniciativas nas áreas de Segurança, Habitação, Urbanismo e Mobilidade. O estudo identificou também 338 programas de inovação do Poder Público — em 2019, esse número não passava de 20 —, com a maior parte vinculada ao Poder Executivo e à União, o que comprova o potencial de crescimento desse mercado.
Se na oferta dos serviços públicos, as realidades são desiguais, nas relações entre as pessoas não é diferente — assunto também abordado nesta edição. Em 1974, o economista Edmar Bacha popularizou o termo “Belíndia”, que resumia as profundas contradições do Brasil à época. Em seu artigo “O Rei de Belíndia: uma fábula para tecnocratas”, ele criticava as políticas praticadas pelo regime militar que, segundo o autor, criavam um país dividido entre os que moravam em condições similares à Bélgica e aqueles que tinham o padrão de vida da Índia. Quarenta anos depois, em 2014, a revista britânica The Economist atualizou o termo para “Italordânia”. A publicação afirmava que a parcela mais rica do Brasil já não estava mais no mesmo nível da Bélgica — e, sim, mais próxima da Itália. A Índia, por sua vez, era muito mais pobre que Estados brasileiros vulneráveis, como Maranhão e Piauí, que se aproximariam da Jordânia. O Brasil era, então, a sétima maior economia do mundo, com um Produto Interno Bruto (PIB) de US$ 2,35 trilhões. Naquele ano, o índice de Gini do Brasil, calculado pelo Banco Mundial para medir a desigualdade, foi de 52. O indicador vai de 0 a 100, e quanto maior, mais desigual.
Jogos de palavras à parte, a verdade é que o Brasil segue rico e desigual, consolidando o resumo de Bacha. O PIB brasileiro cresceu 2,9% em 2023, somando R$ 10,9 trilhões, cerca de US$ 2,2 trilhões. Ainda em 2022, a projeção do FMI já era que o País ultrapassaria o Canadá, chegando posto de nona maior economia do mundo, com um PIB estimado de US$ 2,13 trilhões — o que se confirmou. No entanto, considerando os países mais ricos do mundo, o Brasil é o único que figura em outro ranking: o dos mais desiguais, dividindo a 14ª posição com o Congo. A Índia, famosa pela pobreza, é a quinta maior economia do mundo, mas não está no ranking das mais desiguais. A reportagem investiga as raízes da desigualdade no Brasil e busca entender o que impede uma melhor distribuição de renda. O texto mostra, ainda, como a desigualdade trava o crescimento, retroalimentando a própria discrepância social.
Uma viagem de saber e concreto
A Universidade de São Paulo (USP) completa 90 anos em 2024. Para marcar a data, a PB #481 traz um ensaio fotográfico que mostra que a história da instituição reside em edifícios de diferentes estilos que ajudam a contar também a história da capital paulista. Alguns deles ultrapassam os limites da Cidade Universitária e excedem também o quase um século da universidade, em uma rica relação com a paisagem urbana paulistana.
Modernização do Estado
Volta e meia, o tamanho do Estado brasileiro pauta o debate público, seja na imprensa, seja na esfera política. E é difícil falar em agilidade da máquina pública sem passar pela aguardada Reforma Administrativa. Este é o tema tratado pela economista Ana Carla Abrão, entrevistada da nova edição da PB.
A economista — que já foi secretária de Fazenda de Goiás, é vice-presidente de novos negócios da B3, a Bolsa de Valores brasileira, e chegou a ser cogitada como ministra do Planejamento — defende que essa reforma deve ser encarada como uma agenda, e não uma “virada de chave do dia para a noite”.
A Problemas Brasileiros é uma realização da FecomercioSP, com distribuição dirigida a empresas associadas da Entidade, sindicatos filiados, universidades e escolas, Poder Público e organizações do terceiro setor.
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Fonte Oficial: FecomercioSP